Leia a reportagem de Izabel Santos, de Manaus, publicada em 25/11, que faz parte do Amazônia Sufocada, projeto especial do InfoAmazonia com o apoio do Rainforest Journalism Fund/Pulitzer Center e do Google Journalism Emergency Relief Fund (JERF):

Desmatamento, tráfico de animais e falta de políticas públicas que mantenham equilibrada a relação entre o homem e o meio ambiente podem favorecer o surgimento de novas pandemias, ainda no século 21. A Amazônia e sua biodiversidade abundante, mas negligenciada, é forte candidata a celeiro dessas doenças.

O biólogo Adalberto Luis Val vem alertando desde o início da pandemia de covid-19 sobre esses riscos: “É muito provável que várias das pandemias que a humanidade já enfrentou tenham sido causadas por micro-organismos que pularam da floresta para o homem”, disse Val ao InfoAmazonia.

Adalberto é um dos pesquisadores mais experientes e respeitados da Amazônia. Vice-presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC) para a Região Norte, atua no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) há mais de 40 anos.

No local, comanda um dos mais modernos laboratórios e das mais produtivas equipes da região, que recebe pesquisadores do mundo inteiro em busca de compreensão sobre como a maior floresta tropical do mundo sobreviverá no futuro.

Para ele, o Brasil vem cometendo erros que podem comprometer a luta contra doenças que coloquem o mundo sob novas pandemias. Deixar “passar a boiada” é o caminho pra gente aumentar os processos de transmissão de vírus da floresta para o homem, destaca.

Leia abaixo a entrevista completa.

InfoAmazonia: Existe um risco real do surgimento de uma pandemia na Amazônia?

Adalberto Luis Val: Na Amazônia, existem mais coisas do que aquilo que podemos ver, como plantas e animais terrestres e aquáticos, mas também um vasto, imenso, número de espécies que a gente não consegue ver, que são os micro-organismos, entre eles bactérias, fungos e vírus. De uma maneira geral, vários deles habitam o corpo de animais e plantas. Esses micro-organismos estão na floresta em equilíbrio, eles vivem onde encontraram os ambientes ideais para viver. É evidente que enquanto eles estiverem ali, sem nenhum distúrbio, está tudo bem e sob controle. Mas, se a gente começa a mexer com essa floresta, se a gente começa a entrar lá, derrubar essa floresta, a mudar o ambiente, contaminar a água, ter uma relação próxima com esses animais e plantas, evidentemente existe a possibilidade de alguns desses organismos “pularem” para o homem e causarem problemas extremamente sérios.

Para responder de maneira direta a sua pergunta: se a gente não parar de interagir fortemente e de forma irresponsável com a floresta, derrubando, colocando os animais que vivem na floresta em desafios, interagindo com esses animais sem os devidos cuidados, traficando animais para outros lugares em sacos, caixas, mochilas, é óbvio que existe a possibilidade de algum desses micro-organismos “pularem” para o homem e causarem novas pandemias. E digo mais: a frequência com que isso tem acontecido nos últimos tempos tem aumentado significativamente de tal forma que isso nos coloca em uma luz amarela e com possibilidade de se tornar vermelha e nos colocar em um novo desafio pandêmico.

Quais são as possibilidades?

Existem vários estudos mostrando o número de novas cepas de vírus que nós temos na Amazônia. O Instituto Evandro Chagas, por exemplo, tem listado mais de 20 mil tipos diferentes de vírus. Vários desses vírus, pelo que já foi estudado até aqui, já causaram algum tipo de dano ao homem, algum episódio epidêmico em algum lugar da Amazônia. Isso quer dizer que nós temos que tomar muito cuidado, pois existe sim a possibilidade de nós termos novos processos epidêmicos a partir da interação com esses animais.

Na Dinamarca, surgiu uma nova cepa de Sars-CoV-2 a partir da infecção de visons. O senhor avalia como possível isso acontecer aqui?

Existe a possibilidade de acontecer, por várias razões. Até pouco tempo, não conhecíamos vírus transmitidos por plantas, mas existe um trabalho recente sobre uma espécie de vírus transmitido por uma espécie de pimenta. Não é aqui na Amazônia, mas é muito provável que também tenhamos coisa semelhante aqui, porque a gente só conhece uma pontinha da diversidade que existe na região. Nós já tivemos outras situações de vírus transmitidos de animal para animal e muitos foram sacrificados. Um exemplo disso é a gripe suína [do vírus H1N1], que atingiu o homem também. Mas existe a transmissão de zoonoses entre animais silvestres que foram domesticados para servir de alimento ao homem. Isso favorece um sistema de ponte, que é quando o vírus “pula” dos animais para o homem.

Continue a ler a entrevista na íntegra, aberta, aqui.