Com renome mundial como economista, autor de best-sellers, educador inovador e líder global em desenvolvimento sustentável, Jeffrey Sachs foi convidado para proferir a terceira Conferência Magna da Reunião Magna Virtual da ABC 2020. Ele foi apresentado pelo moderador da sessão, o vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Val.

Diretor e professor e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, Sachs passou antes mais de 20 anos como professor na Universidade de Harvard, onde obteve seu Phd. Também atua como presidente da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU e é membro da Comissão de Banda Larga para o Desenvolvimento Digital das Nações Unidas.

Sachs falou sobre governança, sobre como mobilizar a ciência de forma eficaz e como entender a crise atual.

Governos anticiência prejudicam o mundo

Falando pelo seu país, Sachs afirmou que o presidente dos EUA, Donald Trump, está em guerra contra os cientistas dentro da própria administração norte-americana e na sociedade. “Diariamente ouvimos histórias de cientistas proibidos de trabalhar em suas funções na administração pública. Para lutar contra a pandemia, nosso CDC [sigla em inglês para Centro de Controle de Doenças], que era proeminente na luta contra doenças infecciosas, teve seu desempenho amarrado”, ressaltou.

O Brasil e os EUA, segundo ele, estão vivendo momentos semelhantes, com 30 a 40 mil casos diários de COVID-19 e sem um controle eficaz da doença. “Estamos classificados entre os piores desempenhos no mundo na contenção do vírus e seus efeitos colaterais.

Os dois países parecem incapazes de resolver seus problemas: não só com relação à COVID-19, como em relação às desigualdades socioeconômicas, às mudanças climáticas, aos incêndios, ao desmatamento. “Ambos temos presidentes que antagonizam a ciência”, esclareceu.

Na opinião de Sachs, os EUA não deveriam dominar a cena mundial, pois detém apenas 4% da população do mundo, seu poder é desproporcional. “Estamos numa situação singular, de mentiras maléficas, com aspectos criminais no cenário. Se Trump for derrotado, poderemos ter discussões sérias no G20, na ONU, na OMS. Com ele no poder, não temos mecanismos, ele tem aliados fortes”, alertou o economista.

Mas há esperança. Sachs argumenta que, por outro lado, os EUA contam com redes de notícias internacionais eficazes. E coloca o poder nas mãos do conhecimento. “Quanto mais a população entender as questões da ciência, mais vão apoiar as políticas corretas. Temos que ser muito claros e defender a verdade”, defendeu.

Políticas em prol da sustentabilidade

Como a política pode conduzir um desenvolvimento sustentável? Esta é a questão que deve ser discutida, na perspectiva de Sachs. Para ele, alcançar esses objetivos exige cooperação global.

O problema é que os EUA – e o mundo – estão extremamente divididos. Sachs ressalta que esse é exatamente o modo Trump de governar, com base na demagogia, incitando a divisão. “Temos tido uma deterioração de governança que é surpreendente. Em qualquer assunto importante, há uma deterioração das políticas: como enfrentar uma pandemia mortal ou enfrentar as mudanças climáticas de origem humana, como modificar o sistema de educação e de proteção social”, disse Sachs.

O que levou a política a tornar tão difícil avançar, progredir de forma eficaz? Para Sachs, o ponto de partida é a desigualdade socioeconômica. “Sociedades divididas, com sistemas políticos instáveis, com elites ricas e políticos hipócritas”, afirmou Sachs.

Sachs aponta que o presidente Trump se elegeu dizendo que iria representar as pessoas comuns, que desenvolveria uma política anti-elite. Na opinião do economista, porém, o que aconteceu foi o inverso: ele, de fato, tem governado para essa elite. “Trump representa a indústria dos combustíveis fósseis, tem suas campanhas financiadas por esse setor, cujo interesse em sustentabilidade e descarbonização é, evidentemente, nenhum”, ressaltou.

Educação para a cidadania

Sachs demostrou preocupação com o aspecto educacional, por considerar que é a boa educação que transforma indivíduos em membros de uma coletividade, em cidadãos. E uma boa educação também permite que os cidadãos construam uma visão crítica, baseada em informação de qualidade. “As desigualdades educacionais aumentaram, o que define uma geração com representatividade apenas para a elite, que tem acesso à educação de qualidade. E a educação pública se deteriora ainda mais”, alertou o economista.

Ele avalia que grande parte do público não está entendendo a gravidade dos desafios ambientais, especialmente os mais velhos, que formam a base política de Trump. “Os sistemas educacionais não estão mostrando as mudanças tecnológicas e políticas. Toda criança precisa entender o que é biodiversidade, o que é o aquecimento global, como o desmatamento da Amazônia contribui para as mudanças climáticas. Esses são assuntos que tem que ser compreendidos nas sociedades democráticas”, afirmou.

Na opinião de Sachs, esse é o motivo pelo qual Trump e seus asseclas despendem muito tempo lutando contra as iniciativas educacionais de qualidade. “Nós, cientistas, membros das Academias, temos um papel, um compromisso em interagir com os jovens dos nossos países para que entendam essas questões, para que possam tomar a liderança no enfrentamento desses pontos críticos.”

Revolução digital precisa se aliar à revolução ambiental

Sachs observa que se, por um lado, o meio digital é uma ferramenta para resolver problemas, promovendo a produtividade e a ciência, por outro é um agente para a crescente desigualdade. “O sistema econômico prevalente no mundo atualmente está exacerbando as crises do meio ambiente e da desigualdade. Temos que resolver os problemas de governança para impedir a contínua deterioração das nossas sociedades”, declarou.

Suas referências são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris. “Temos que buscar atingir os ODS. Os objetivos apontados mundialmente em 2015 estão mostrando a falta de acesso da maior parte da população mundial aos serviços mais básicos. O Acordo de Paris é o arcabouço principal para combater o aquecimento global e já não vamos atingir o que foi acordado, estamos com 1.2 graus Celsius por década”, destacou o palestrante.

Para Sachs, se Trump for reeleito não há chance para os EUA e menos chance para o mundo de alcançar os ODS. “Suas políticas são perigosas para o país e para o planeta. Nossa sociedade precisa de uma oportunidade.”

Referências positivas

O economista, que serviu como conselheiro especial dos secretários-gerais da ONU Kofi Annan, Ban Ki-moon e António Guterres, aponta que os EUA precisam de uma política de longo prazo para alcançar um desenvolvimento sustentável. “Temos que ter estratégias definidas para reduzir as desigualdades e as crises ambientais. É preciso definir objetivos para 2030 e 2050 que não dependam de resultados de eleições a cada três ou quatro anos”, avaliou Sachs.

Um bom exemplo, para ele, é o que fez a União Europeia. “A EU adotou diretrizes claras para 2030 e 2050, com base nesse novo Acordo Verde, para que a economia seja transformada pela descarbonização, uso sustentável do solo e economia circular”, ressaltou Sachs. Citou também o presidente da China, Xi Jinping, que declarou na abertura Assembleia Geral das Nações Unidas 2020, realizada em meados de setembro, https://brasilamazoniaagora.com.br/china-anuncia-planos-neutralizar-emissoes-carbono-ate-2060/   sua intenção de descarbonizar a economia. “Essas são as políticas de longo prazo que precisamos”, acentuou Sachs.

A Amazônia é importante para o mundo

Fazendo o gancho para o painel sobre a Amazônia que viria a seguir, na Reunião Magna Virtual da ABC 2020, Sachs destacou a importância de ouvir os especialistas em Amazônia, para conhecer os objetivos de conservação e as práticas adotadas para alcançar esses objetivos. “Assim, poderemos acompanhar e avaliar se as políticas públicas instituídas estão indo no caminho correto, para alcançar, de forma articulada os objetivos corretos para a região. É um processo que deve ser ancorado em prazos, de forma bastante clara. Claro que há empecilhos políticos para que isso corra. E por isso temos que conscientizar o público da importância das eleições que virão. Estamos lutando contra a desinformação, as fake news nas mídias sociais, contra a miopia na sociedade.”

Jeffrey Sachs foi um dos dois ganhadores do Prêmio Blue Planet 2015, o principal prêmio global de liderança ambiental.