No dia 23 de setembro, a Conferência Magna de Abertura da Reunião Magna Virtual da ABC em 2018 foi proferida pela professora do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Frances Arnold.

Em 1993, ela conduziu a primeira evolução dirigida de enzimas, as proteínas que catalisam reações químicas. Desde então, ela refinou sua técnica, que se tornou um método padrão para o desenvolvimento destes catalisadores.

Enzimas produzidas por meio de evolução dirigida são usadas para produzir desde biocombustíveis até produtos farmacêuticos. A pesquisa de Arnold, cientista do Instituto de Tecnologia da Califórnia, possibilita atualmente a produção de substâncias químicas complexas para a indústria, sem impactos do ponto de vista ambiental, e possibilita o desenvolvimento de combustíveis renováveis menos poluentes.

Arnold disse que sua formação é de engenheira, mas sua inspiração vem da química do mundo biológico, “porque ele conduziu, pela evolução, o desenvolvimento de sistemas químicos complexos, com recursos abundantes do meio ambiente, que são sustentáveis”, afirmou.

Ela destaca que a humanidade precisa dessa química para sobreviver de forma sustentável, para poder alimentar e abrigar mais de 10 bilhões de pessoas. “Basta fazer aquilo que a natureza já faz, de forma limpa e sustentável”, observou Arnold.

Para Arnold, as enzimas são máquinas incríveis, catalizadoras da vida. Ela conta que queria se tornar uma engenheira desse mundo biológico, para construir versões dessas moléculas que possibilitariam fazer química de uma forma muito melhor. “Isso era um problema difícil quando eu comecei, a 30 anos atrás. Como construir uma enzima que fosse melhor do que a própria natureza já faz e resolver problemas humanos? Tínhamos ferramentas limitadas”, relatou.

Hoje, os cientistas têm ferramentas incríveis. Frances apontou que hoje se pode ler qualquer DNA, fazer o sequenciamento completo do DNA de um ser humano por menos de mil dólares, modificar DNA em células vivas.

“O que não sabemos fazer, o que eu enfrentei no passado e ainda hoje, é que não sabemos compor, de novo, o DNA que produza novas proteínas. Não sabemos as sequências que fazem surgir essa maravilhosa música da vida, como uma sinfonia de Beethoven, composta por um algoritmo incrível que é o da evolução”, ressaltou.

A evolução, segundo Arnold, faz rodar a manivela das mutações e da seleção natural, criando uma diversidade biológica incrível, desde moléculas até ecossistemas. Contou que parecia óbvio para ela, como engenheira, que deveria se utilizar o processo já existente na natureza para criar novas moléculas e entrar no futuro.

“Isso não é novo, a humanidade já vem alterando o mundo biológico usando a evolução, por meio da seleção artificial, há milhares de anos.  Para alimentar a população, engenheirando milho e gado, e também cães de raça, pombos correios etc.”, destacou.

Arnold chamou atenção, no entanto, para as limitações dos mecanismos do melhoramento genético clássico. “Macacos cruzam com macacos, minhocas com minhocas, não ocorre cruzamento entre duas espécies. Mas não podemos controlar as mutações aleatórias que ocorrem, que são importantes para a funcionalidade da evolução”, explicou.

Hoje, segundo Arnold, o cientista pode sintetizar qualquer DNA que queira no tubo de ensaio, pode recombinar o DNA oriundo de qualquer fonte. “Eu faço moléculas, enzimas, que não são autorreplicáveis, mas são úteis para produtos e para evolução”, disse. Mas isso, em seu ponto de vista, é apenas uma fração do que é possível nesse universo de possibilidades, “que contém a cura do câncer ou a solução para a crise energética e está lá, disponível para ser descoberta. Este é o desafio.  Como iniciar com algo que é dado pela natureza, e explorar muito além? Isso é um problema bem difícil.”

E quais são as regras para descobrir essas proteínas melhores? Parte da resposta veio para ela na forma de um artigo, escrito por John Maynard-Smith em 1970, antes de ser possível sequenciar todas as proteínas. Ele pensou que se a evolução deve ocorrer, que é o que acreditamos, devemos observar como as proteínas funcionais estão organizadas no espaço das proteínas, o conjunto imaginário de todas as possíveis combinações dos 20 aminoácidos em sequências de dimensões típicas”, relatou Arnold. No artigo, Maynard-Smith propõe que a sequência evolutiva de proteínas é formada por vizinhos funcionais. A ideia de Maynard-Smith foi ordená-los de forma que as proteínas funcionais sejam alcançadas através de mutações pontuais. “Então, devemos começar no início da vida e perpassar passos mutacionais, um de cada vez. Isso foi importante para mim, porque eu não queria apenas proteínas funcionais, eu queria algo melhor. Então pensei num processo molecular de otimização.”

Com as ferramentas que existiam no final da década de 80, ela utilizou o gene codificante por uma enzima e fez algumas mutações, indo passo a passo através das proteínas funcionais, numa trajetória suave, lisa, para que o processo fosse otimizado. “Isso significa ter um processo de mutagênese aleatório. Hoje existem processos mais avançados, as células já fazem enzimas mutadas. As mutações deletérias normalmente descartadas, agora passam pelos algoritmos de aprendizagem de máquina”, relatou Arnold.

Resumindo, ela diz que se o cientista fizer a pergunta correta, vai descobrir as mutações eficientes que fazem a interação do processo. Como tudo que faz parte do que a natureza já criou sempre explora algo novo, assim também é seu objeto de pesquisa, promover mutações sob uma dada pressão seletiva para evoluir enzimas que realizem uma nova tarefa. “E isso funcionou muito bem, as pessoas ficaram surpresas como demonstramos rapidamente a utilidade dessas enzimas instáveis em vários ambientes, elas foram para a indústria e hoje estão até no sabão com que lavamos a roupa, assim como substituem processos químicos na indústria farmacêutica, entre inúmeras outras aplicações”.

Ela mostrou outros trabalhos de membros de sua equipe, como a produção de combustíveis a partir do dióxido de carbono e luz solar armazenados em biomassa, desenvolvido na GEVO. Inc., que produz biocombustível renovável para aviação. Comentou também sobre o trabalho da Provivi, empresa fundada pelo pernambucano Pedro Coelho, que foi doutorando na sua equipe e desenvolveu a produção biológica de feromônios de insetos para ajudar na proteção das plantações. “Ele utilizou feromônios naturais para fazer o controle de pragas, protegendo as plantações sem resíduos tóxicos e empoderando a próxima geração a cultivar alimento de forma mais sustentável.”

Ela diz que a natureza também se utiliza dessa adaptabilidade extrema das proteínas pra fazer sua evolução. “Enzimas e outras proteínas são altamente evolutivas. Proteínas podem se adaptar acumulando mutações benéficas, podendo desempenhar novas funções com uma mudança de menos de 2% de uma sequência de seu DNA”, disse Arnold.

A pesquisadora acha que levou muito tempo para entender como um processo inerentemente conservador, de fazer uma mudança a cada passo, poderia criar inovação química, como uma atividade enzimática desconhecida da biologia.

“Então eu percebi que essa era uma forma errada de pensar, que os processos são conservadores, mas a inovação acontece o tempo todo. Fazer uma mudança a cada passo pode gerar uma reação química totalmente nova. A natureza faz isso o tempo todo, novas enzimas em resposta a desafios criados pelos seres humanos”, declarou Arnold.

Ela compara as enzimas aos seres humanos. “Como nós, enzimas podem ser aproveitadas por outras aptidões que elas têm e que não estavam sendo utilizadas na evolução dirigida.  Podem catalisar muitas reações químicas não relevantes biologicamente, mas que posteriormente podem se tornar relevantes. Isso é chamado de ‘promiscuidade catalítica’”, explicou.

Para Arnold, o mundo biológico é um lugar de resolução de problemas. “Eu estou ligada na internet das coisas vivas, construir dentro da natureza, de acordo com a evolução”.

Provivi: bioagriculura para evitar agrotóxicos e baratear a produção de grãos

Após a apresentação de Frances, o brasileiro Pedro Coelho, formado pela Caltech e CEO da Provivi, empresa de bioagricultura, apresentou seu trabalho com mais detalhes.

Ele explicou que as nuvens de feromônios lançadas nas plantações – especialmente de grãos, onde o Brasil tem grande vantagem competitiva – causam uma confusão sexual que faz com que os insetos da mesma classe dos feromônios lançados não se reproduzam. Esta estratégia de utilizar o mesmo feromônio natural do inseto elimina a capacidade de resistência da população ao princípio ativo.”

“Usamos o conceito de prevenção em vez do de remediação. Não esperamos aparecer a praga para então remediar com produtos tóxicos”, afirmou Coelho.

A técnica reduz custos, evita a contaminação dos alimentos com agrotóxicos e preserva a biodiversidade. “Já temos o registro no México e no Brasil, agora vamos passar para a fase de comercialização.”

Frances Arnold agradeceu o convite da ABC e lamentou o momento que estamos vivendo, com a pandemia de COVID-19. “Este é um momento que precisamos da ciência mais do que nunca Estamos passando por momentos desafiadores, desejo progresso e sucesso para todos.”

Em breve aqui o vídeo integral da palestra de Pedro Coelho. A Profa. Frances Arnold não autorizou a gravação da sua palestra.