A Academia Brasileira de Ciências (ABC) realizou, no dia 7/7, a 14ª edição de sua série de webinários “Conhecer para Entender: O mundo a partir do coronavírus”, com o tema “Impactos da pandemia na pesquisa científica”. A ideia para este webinário foi uma contribuição de membros afiliados da ABC, jovens pesquisadores que atuam em diferentes áreas do conhecimento e são eleitos como membros da Academia por um período de até cinco anos. O evento foi mediado pela vice-presidente da ABC, Helena B. Nader, e pelo presidente, Luiz Davidovich.

Nesta edição, também foi comemorado, por antecedência, o Dia Nacional da Ciência, celebrado em 8/7, mesma data em que se comemora a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que comemora 72 anos em 2020.

Os convidados para este debate foram Marcelo Mori, chefe do Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro afiliado da ABC (2018-2022); Jaqueline Godoy Mesquita, professora do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília (UnB) e também membro afiliado (2018-2022) e ganhadora do prêmio para mulheres na ciência pela L’Oreal-Unesco-ABC em 2019; e Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC, professor do Instituto de Física e do programa de pós-graduação em História das Ciências, Ensino de Física e História da Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e dos mestrados em divulgação científica da Fiocruz, UFRJ, Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ).

Oportunidades durante a pandemia

Marcelo Mori falou sobre sua experiência durante a pandemia como coordenador da força tarefa para o combate da pandemia na região de Campinas.

“No período anterior à pandemia, sentia falta de um contato maior com a sociedade, até perceber uma oportunidade que surgiu a partir da atividade de um grupo de professores para criar um protocolo de detecção do novo coronavírus”, disse Mori. O teste que estavam tentando padronizar era o RT-PCR, que detecta a presença do vírus por meio de amostras obtidas pelas secreções da mucosa do nariz e da garganta. “Iniciamos esse trabalho no laboratório do professor José Modena, também da Unicamp. Logo percebemos que a demanda seria alta e começamos a conversar com institutos e a reitoria da universidade”, disse. Foi criada então a força-tarefa que Mori coordena, com a realização de mais de dois mil testes por dia em quase 100 municípios.

“Essa nova realidade nos levou a abdicar, neste momento, de nossas linhas de pesquisa para estudarmos métodos de desenvolvimento de testes que não dependam de importação e utilizem insumos nacionais”, afirmou. “A pandemia está nos ensinando que é fundamental criar uma estrutura permanente que permita que pesquisadores de diferentes áreas conversem”, disse Mori, destacando que algumas ações da força tarefa da Unicamp envolvem médicos, sanitaristas, cientistas sociais, biólogos, matemáticos e até profissionais da área da computação, com sistemas de geolocalização. “Certamente sairemos perdendo dessa crise em termos de financiamento e teremos que nos reinventar para buscarmos soluções mais criativas, interdisciplinares e ganharmos algo a partir dessa realidade”, disse.

Recentemente, Mori divulgou estudo que sugere que o tecido adiposo humano pode servir como uma espécie de reservatório para o SARS-CoV-2, o novo coronavírus. Ainda, em uma publicação recente da força tarefa, ele e seus colaboradores mostraram como altos níveis de glicose contribuem para a forma grave da COVID-19.

Desigualdades de gênero e fuga de cérebros

Um levantamento organizado pelo movimento Parent in Science, que tem por intuito promover a discussão sobre a maternidade e a paternidade dentro do universo da ciência no Brasil, buscou demonstrar como a pandemia de COVID-19 está afetando a vida de muitos cientistas no Brasil. Alguns dados desse levantamento foram apresentados por Jaqueline Mesquita, que abordou problemas antigos que ainda cerceiam a pesquisa e a ciência brasileiras.

“Vivemos um cenário complicado para cientistas mulheres com filhos no Brasil”, disse Jaqueline. Segundo dados da Parent in Science, apenas 8% das mulheres e 18% dos homens que trabalham com pesquisa científica estão conseguindo trabalhar remotamente. Essa relação é ainda pior quando são analisados, segundo Jaqueline, os grupos de pesquisadores que vivem com filhos pequenos. “Esse é o grupo mais afetado e o que mais tem dificuldades para submeter artigos acadêmicos”, afirmou.

Se o impacto da pandemia já afeta a produção científica de muitos pesquisadores brasileiros que tiveram que adotar o trabalho remoto, soma-se a esse problema a escassez de investimentos em ciência por parte do Governo. “O cenário para o período pós-pandemia não é otimista, com os cortes no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), no Ministério da Educação (MEC) e o aumento do número de pesquisadores que deixam o país”, alertou a Acadêmica. A “fuga de cérebros”, como é conhecido esse movimento de êxodo de cientistas para o estrangeiro, pode ser constatada pelos dados de universidades brasileiras, como a Universidade de Brasília (UnB), que mostram o aumento da saída ou a exoneração de professores ao longo dos últimos anos.

“Esses dados não são estimulantes e, em um cenário de pós-pandemia, a situação pode se tornar ainda pior. Há grupos que estão sendo mais afetados do que outros e devemos refletir sobre essas questões na academia”, disse Mesquita. A realidade da parentalidade, segundo Jaqueline, deve começar a ser levada em consideração em editais e processos seletivos, visando a reduzir as desigualdades de gênero no ambiente acadêmico.

A ciência como atividade social

As guerras e o desenvolvimento tecnológico estão correlacionados, para Ildeu Moreira, à história da ciência mundial e à forma como as populações veem as contribuições científicas. Desde o final da II Guerra Mundial, passando pelos anos 1970/80, com a guerra do Vietnã, até à chegada da internet, emergiram diferentes visões sobre as relações entre a ciência e seus usos e a sociedade. Foi com essa visão histórica e sistêmica que Ildeu Moreira, presidente da SBPC, iniciou sua apresentação sobre a situação da ciência brasileira.

“Neste momento, acredito que a maioria das pessoas no mundo e no Brasil reconhecem a importância da ciência, mas também existem movimentos negacionistas que, embora minoritários, são influentes, particularmente nos círculos do poder, e propagam visões distorcidas sobre a ciência e seu funcionamento”, afirmou Moreira. Entender e divulgar, nesse cenário, a ciência como uma atividade social que visa, no geral, a uma melhoria das condições de vida população é um caminho, segundo Ildeu, para compensar o efeito dos difusores do negacionismo. “Melhorar signficativamente a educação básica, em particular a educação científica, é também um instrumento importante para um melhor entendimento da ciência pelos brasileiros”, disse. Afirmou que as lições que a pandemia nos trouxe devem ser utilizadas na construção de um projeto de nação diferente, baseado na ciência, na educação, na redução das desigualdades e em um desenvolvimento sustentável.

A realidade vivenciada pela pesquisa científica no Brasil também foi um dos temas levantados pelo presidente da SBPC. “Os Estados Unidos estão empregando em torno de 50 bilhões de reais apenas para pesquisas relacionadas à pandemia; a Inglaterra, 9 bilhões; a Alemanha, 12,5 bilhões. Enquanto isso, o Brasil empregou apenas cerca de 500 milhões de reais pelo MCTI”, alertou Ildeu, ao apontar para o quadro de desmonte da ciência brasileira. “As perspectivas são, de fato, ruins. Os recursos para a ciência têm sofrido cortes drásticos nos últimos anos. Se neste momento de pandemia o governo já não está liberando verbas nem para o enfrentamento dessa questão crítica, parece que vamos continuar nesse processo de desmonte do sistema nacional de CT&I. A atuação das entidades científicas vai ser muito importante, nos próximos meses, na luta pela recuperação dos recursos do CNPq, Finep e Capes e pelo orçamento de CT&I para 2021”, completou.

A situação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico (FNDCT) neste ano, com 88% de seus recursos bloqueados, ou seja, recursos destinados à ciência que estã na Reserva de Contingência, também foi

lembrada pelo professor Ildeu e pelo presidente da ABC, Luiz Davidovich, que aproveitou o webinário para fazer um convite para o lançamento da campanha “Liberem o FNDCT”, lançada no dia 8/7. “Precisamos do apoio de todos os setores da sociedade para essa campanha. A pandemia serviu para mostrar como a ciência é importante para o país e liberar o FNDCT significa liberar 4 bilhões e 600 milhões de reais para a ciência, a tecnologia e a inovação”, disse Davidovich.

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


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