Leia a matéria de Ana Lucia Azevedo para O Globo, publicada em 15/04:

RIO – Sepultados sem velório, em caixão fechado e isolados em seus momentos finais, os mortos pela Covid-19 no Brasil começam a ajudar os médicos a aprender sobre a doença e a impedir que mais pessoas morram. Usando uma estratégia de autópsia minimamente invasiva, para evitar o contágio, cientistas da equipe de Paulo Saldiva, professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) [e membro titular da ABC] se defrontaram com a “enorme agressividade do coronavírus” e encontraram pistas de seus esconderijos.

Ele apresentou os primeiros resultados numa sessão científica virtual na Academia Nacional de Medicina (ANM), da qual é membro. O trabalho foi realizado com as médicas e pesquisadoras da USP Marisa Dolhnikoff e Renata Monteiro.

Como é a autópsia minimamente invasiva?

Foi a forma que encontramos de investigar os corpos de vítimas dessa doença altamente contagiosa. As autópsias convencionais estão paradas. Então usamos tomografia, ultrassom e microscopia. Imagens de ultrassom nos guiam para retirar, por meio de punção por agulha, amostras dos órgãos. As amostras são depositadas num biorepositório para análises futuras. Já tínhamos empregado esse método antes.

Quais foram as anteriores?

A primeira foi com o H1N1, em 2009. Fizemos mais de mil autópsias, é a maior amostra do mundo. E estamos observando que o coronavírus é mais agressivo do que o H1N1. Ele promove uma depressão muito grande do sistema de defesa. O corpo fica entregue à própria sorte.

Quantas autópsias já realizaram?

Já fizemos 15 autópsias, apresentamos os resultados de dez delas. Mas a nossa meta é chega a cerca de 60. Com elas, queremos dar aos médicos uma chance de ver o que acontece dentro das células dos pacientes.

O que viram?

Estudamos vários órgãos, como o pulmão, o fígado, os rins e o baço. Vimos uma agressividade impressionante do coronavírus. E sinais da resposta imunológica. Mas não sabemos como o coronavírus ilude a resposta imunológica. Queremos descobrir por que o coronavírus ataca com tanta avidez o sistema respiratório. Observamos que 80% das vítimas fatais sofreram microtrombos, principalmente nos pulmões.

O que são esses microtrombos?

São entupimentos dos pequenos vasos sanguíneos. Obstruídos, eles param de levar sangue para os pulmões. O vírus de alguma forma causa trombose, queremos entender como isso acontece. Só assim os médicos poderão deter esse processo com mais eficiência, salvar mais vidas.

E o que mais chamou atenção?

Também vimos muito comprometimento dos músculos, muita inflamação muscular. Isso pode explicar por que alguns doentes reclamam tanto de dores musculares.

Que outros órgãos podem ser afetados?

Vários. Sabemos que o coronavírus se liga às células que revestem o sistema respiratório, esses mesmos receptores presentes nas células epiteliais do pulmão existem em vasos sanguíneos, nos testículos, no cérebro. Ainda precisamos saber como é a ação do vírus em todo o corpo e descobrir se ele se liga também a outros tipos de receptores das células humanas e como ele deixa o sistema imunológico tão fraco.

 

Leia a matéria na íntegra.