Ronald Cintra Shellard

Diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o físico Ronald Cintra Shellard acredita que o esforço em direção ao progresso passa pela participação feminina na ciência. Presente na sessão de abertura da 4ª Conferência Internacional de Mulheres na Ciência sem Fronteiras, em 12 de fevereiro, no CBPF, ele reconheceu que um grande problema no campo é a pouca presença feminina, o que não reflete a proporção das mulheres na sociedade. Shellard chamou atenção para o fato de que esse desbalanço de gênero é um problema para todos, porque perde-se o potencial intelectual das mulheres, e destacou que o CBPF atua na busca por soluções para o problema. Em conversa com a Academia Brasileira de Ciência (ABC), ele falou sobre a relevância do evento, que integrou o Fórum Mundial para Mulheres na Ciência – Brasil 2020, promovido pela ABC no Rio de Janeiro -, assim como ressaltou os desafios postos às mulheres e à comunidade científica em geral na busca pela igualdade de gênero.

“O CBPF tem um papel histórico importante porque, em 1950, o primeiro paper da instituição foi de autoria de duas mulheres: Elisa Frota-Pessôa e Neusa Amato. Não posso deixar de frisar que somos uma casa de física e que, portanto, é necessário que se mobilize em benefício da mulher na ciência”, disse.

Shellard contou que participou de um estudo há alguns anos que mostrava um grande desequilíbrio na presença de mulheres e homens na ciência. “Não se trata de um fenômeno exclusivo da física, é um padrão universal que atinge diversos campos. Mas, dentro das ciências naturais, há desníveis muito acentuados. Por exemplo, na área da biologia, há um equilíbrio maior, que diminui na química e se mantém desigual na física. Portanto, a baixa presença de mulheres é um padrão que não vem de hoje”, afirmou.

A seu ver, esse problema tem a ver com questão culturais e papéis socialmente determinados. “Um exemplo que costumo repetir é o dos presentes dados às crianças. Desde muito cedo, a divisão de gênero é clara: os meninos são presenteados com caminhões e carros; as meninas, com bonecas. Ora, por que não estimulá-las também a pegar nos carros, a desenvolver funções e aptidões que não as tradicionalmente conhecidas? Precisamos refletir sobre esse aprendizado cultural para o debate sobre o lugar da mulher na ciência. Isso deve começar pela própria família, que é um espaço de reprodução de papeis, mas também pode ser um espaço de transformação”, sugeriu.

Ele explicou que o CBPF está atento aos critérios de seleção de estudantes e que a discussão sobre gênero tem sido cada vez mais feita nos últimos anos.

“Veja, por exemplo, a questão da maternidade. O custo de se criar um bebê, cuja atribuição é socialmente da mulher, deve ser levado em conta nas avaliações, de modo a que a mulher se sinta protegida e também valorizada. Isso significa olhar com critério a distribuição de bolsas, os mecanismos de seleção, entre outros fatores, para que a estudante seja contemplada, reconhecida e presente no campo. Além disso, há assuntos mais invisíveis que aos poucos ganham atenção, como os assédios moral e sexual. Não se pode esconder, isso tem que ser atacado”, enfatizou.

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