Stevens Rehen é neurocientista, especializado em pesquisas com células-tronco. Professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e colaborador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), ele também atua como membro dos conselhos científicos do Museu do Amanhã e do Instituto Serrapilheira, e ainda é curador da Rio Criative Conference (Rio2C), o maior evento de criatividade e inovação da América Latina.

No evento de jovens cientistas “Ciência na América Latina: hoje e amanhã”, promovido pela ABC em parceria com a TWAS, ele integrou um painel sobre comunicação científica, realizado na tarde de 28/11, junto com o sociólogo Yurij Castelfranchi e os jornalistas Herton Escobar e Ana Carolina Leonardi.

Atuante em divulgação científica, coisa rara entre cientistas, Rehen é consultor de ciência no programa Conversa com Bial, da TV Globo, apresentador do podcastTrip com Ciência”, que reúne um cientista e uma pessoa destacada em outra área para uma conversa sobre um tema de interesse social a cada edição, e coordenador científico do ArtBio, projeto multidisciplinar que visa democratizar ciência por meio da perspectiva artística.

“Estamos vivendo num tempo em que os avanços da ciência e da tecnologia estão sendo desafiados pelas fake news”, alertou o cientista, que é membro da Academia de Ciências da América Latina (Acal) e membro afiliado da Academia Mundial de Ciências (TWAS). “Novas estratégias para a comunicação científica, com iniciativas mais acessíveis e criativas, são cada vez mais necessárias”, apontou.

E ele afirma: os próprios cientistas precisam se envolver.  “A sociedade precisa saber o que fazemos e as dificuldades por que passamos”, defendeu Rehen, que foi também membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (2008-2012).

Ampliando a comunicação dentro da academia

A prioridade dos cientistas, de modo geral, é descobrir. Em seguida, vem a validação entre os pares. Só que esse processo de validação, segundo Rehen, hoje depende de corporações. “Para que uma pesquisa seja revisada e publicada, leva de seis até ás vezes mais de 18 meses. Não pode ser a melhor maneira”, pondera.

Em função disso, ele e outros pesquisadores vêm pensando em alternativas. “A velocidade da ciência não deve depender da velocidade das empresas que fazem dinheiro divulgando o conhecimento produzido pelos cientistas”, afirmou.

Apontando um caminho, Rehen falou do sistema de pre-prints [pré-publicação]. Prática muito comum no campo da física, o pre-print democratiza, entre um número muito maior de pares dentro da academia, críticas que tornem o artigo científico melhor e permite sua assimilação e confirmação (ou não) mais ágeis, de modo a beneficiar mais rapidamente a própria sociedade.

“Pesquisadores de outras áreas estão aderindo. Apesar do pre-print não produzir nenhuma grande mudança, é vantajoso, porque faz com que a pesquisa já comece a se discutida antes mesmo de ser publicada, acelerando a comunicação científica dentro da Academia”, explicou Rehen.

Falando para fora da academia

As iniciativas para fazer a ciência chegar à sociedade vêm se transformando. “Quando eu era adolescente, ainda não tinha internet. Tinha basicamente duas revistas, a Ciência Hoje e a Superinteressante, além do programa Globo Ciência e o do Carl Sagan”, relata. E salienta o quanto essas plataformas de divulgação cientifica foram importantes para despertar seu interesse pela ciência.

Sua atuação nas mídias sociais, na TV e nas mídias impressas hoje busca combater o fato dos cientistas só saberem falar entre si mesmos. “Temos que falar para fora. Podemos aprender com os artistas a comunicar melhor nosso trabalho, misturar ciência com arte”, argumenta.

Nada mais natural, dado que tanto a ciência como a arte são construções culturais da humanidade. Stevens Rehen conta que no Instituto D’Or, onde além de pesquisador atua como diretor de Comunicação Científica, foi criada uma parceria com a Artbio, para a imersão de artistas nos laboratórios.

No último encontro chamado “Córtex”, 4 artistas de diferentes formações passaram uma semana no Instituto, criando obras (esculturas, pinturas, colagens) que expressam suas visões sobre a ciência que aprenderam. “Há muitas possibilidades no diálogo entre ciência e arte que pode melhor a apresentação e comunicação pública sobre a própria pesquisa brasileira”, ressalta.

E as universidades públicas, a seu ver, têm um papel preponderante neste processo. “É lá que a maior parte da pesquisa brasileira é produzida. As assessorias de imprensa das próprias universidades têm que ajudar nessa comunicação”. Um bom exemplo, citado por Rehen, é o mais novo trabalho do jornalista Herton Escobar, também palestrante do evento. “Ele criou as USP Talks, que colocam a universidade para conversar diretamente com a sociedade, num teatro”, destacou.

Dialogar com a diferença

Toda essa conversa sobre divulgação científica, na visão de Rehen, tem um propósito bastante profundo: construir uma cultura científica mais plural e sólida, no estado e no país. Rehen argumentou que, para tanto, é preciso desenvolver técnicas para conversar com pessoas cujas ideologias vão contra as descobertas científicas.

“Não estamos em tempo de polarizar, temos que conversar. Sites como o do Smithsonian [instituição educacional e de pesquisa associada a um complexo de museus, nos EUA] estão procurando fazer essa ponte entre cientistas e religiosos. Temos que construir pontes aqui também.”

 

Confira a cobertura completa do painel de comunicação científica:

Como encontrar os amantes da ciência?

A jornalista Ana Carolina Leonardi contou sua experiência com o uso das mídias digitais para identificar o público e construir uma comunidade de seguidores, no evento da ABC “Ciência na América Latina: hoje e amanhã”.

Jornalismo de ciência: um serviço de utilidade pública

Em evento na ABC, Herton Escobar alerta que investir em comunicação com a sociedade é uma questão de vida ou morte em tempos de pseudociência e “fatos alternativos” de responsabilidade das universidades públicas. 

Ataques à ciência são ataques à democracia

O sociólogo Yurij Castelfranchi, da UFMG, apontou no evento da ABC “Ciência na América Latina: hoje e amanhã” que um grande desafio para os cientistas e comunicadores de ciência hoje é a opinião pública.

 

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