Na tarde da primeira edição da série de eventos “Diálogos pelo Brasil”, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), os Acadêmicos Angela WyseCarlos Alexandre Netto , Marcia Barbosa e Simon Schwartzman  dialogaram com o público sobre ciência e educação superior. Realizado no Auditório do Instituto Latino Americano de Estudos Avançados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o encontro discutiu os desafios que o Brasil enfrenta em seus aspectos econômicos, sociais e políticos, sob uma perspectiva da comunidade científica e Acadêmica.

Marcia Barbosa, Ruben Oliven, Angela Wyse, Simon Schwartzman e Carlos Alexandre Netto.

A edição de Porto Alegre (RS) foi coordenada pelo Acadêmico e Diretor da ABC, Ruben Oliven e, na parte da manhã, contou com a participação do Acadêmico Helgio Trindade e dos pesquisadores João Carlos Brum Torres, Miriam Grossi e Antônio Sérgio Guimarães, discutindo assuntos relacionados à cidadania. O segundo encontro foi realizado em Salvador (BA), em 23 de outubro e o próximo será em São Paulo (SP), no dia 12 de novembro.

A pós-graduação no Brasil e a importância da ciência

Para a doutora em bioquímica Angela Wyse, “a experiência brasileira de pós-graduação nos últimos anos é um dos fatos mais positivos da história da educação superior no Brasil”. Por isso, ela traçou um panorama histórico da construção dos programas de pós-graduação no país, com dados que evidenciam o forte crescimento acadêmico brasileiro.

Os primeiros passos da pós-graduação no Brasil foram dados no início da década de 1930, quando professores estrangeiros trouxeram o primeiro modelo institucional para os estudos serem realizados no país. De lá para cá, a estrutura brasileira avançou muito com o auxílio fundamental de instituições como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A consolidação do sistema se confirma a partir do Parecer Newton Sucupira, no qual atividades da pós-graduação foram vinculadas ao desenvolvimento econômico do país, mediante a integração das atividades ao sistema nacional de C&T. ​

Além de formar pessoal especializado, a Capes ​desenvolveu, em meados da década de 1970, um sistema de avaliação que Angela Wyse considera “muito importante, porque a partir dele é possível enxergar os problemas e criar metas para os próximos anos”. Os dados da Capes mais recentes mostram que os cursos de pós-graduação cresceram 25% entre 2013 e 2017 e, entre 1994 e 2014, o número de mestres foi de 7.627 para 50.229, enquanto o de doutores aumentou de 2.081 para 16.745. Além disso, em 25 dos 27 estados, mais de 80% dos pós-graduandos estão em instituições públicas.

Wyse é professora do Programa de Pós-graduação (PPG) em Bioquímica da UFRGS e oferece a disciplina “Conectando o PPG de Bioquímica ao Ensino Básico: dos laboratórios à escola”, na qual leva seus alunos de mestrado e doutorado para desenvolverem projetos com crianças de escolas públicas. “Nós trabalhamos com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas, não fazemos ciência só para publicar artigos”, afirma.

Sobre a possível fusão da Capes e do CNPq, a Acadêmica reforça que ela, a ABC e a comunidade científica estão empenhados em não permitir que o que foi construído desde 1930 desapareça. Para ela, “uma vida dedicada à ciência vale muito a pena, mesmo em tempos de crise”.

Universidade pública, ciência e desenvolvimento

A universidade pública no Brasil é constituída por instituições recentes, que formam pessoas, desenvolvem ciências e artes, conhecimento e cultura para a sociedade, promovem diversidade e inclusão e contribuem para o desenvolvimento. É dessa maneira que o médico e ex-reitor da UFRGS (2008-2016), Carlos Alexandre Netto, enxerga as universidades.

De acordo com levantamento do Web of Science, o Brasil ocupa a 13ª posição no ranking de publicações científicas, com mais de 50 mil artigos publicados em 2018, apesar de ter um impacto abaixo da média mundial. Além disso, as dez universidades que mais publicam em colaboração com a indústria são públicas. “Durante muitos anos, nós ouvimos a crítica de que a universidade produzia documentos que mostravam o nosso conhecimento, mas que isso tinha muito pouco a ver com o avanço dos problemas reais do país. Então nós fomos colaborar com quem lida com essas questões: a indústria, no caso da tecnologia”, afirma.

Dentre alguns retornos proporcionados pelo investimento em ciência e tecnologia o Acadêmico citou a eliminação de adubos nitrogenados e grande aumento na produtividade da soja, fruto de uma parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e as universidades públicas; a exploração de petróleo em águas profundas e pelo êxito do pré-sal, uma colaboração dos laboratórios universitários com a Petrobras.

O Brasil, apesar da crise, ainda é uma das dez maiores economias do mundo, mas ocupa a posição 79 quando se trata do índice de desenvolvimento humano (IDH). A justificativa, para o médico, é o fato de o país ser desigual, e “não é porque falta dinheiro, é porque as políticas preferem concentrar o dinheiro no bolso de quem já tem muito”, afirma.

O Acadêmico acredita que as políticas do governo indicam um caminho de enfraquecimento da educação superior, de desinvestimento, anti-intelectualismo e desprezo pela ciência. Para resistir a esse cenário, Netto destaca a importante participação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da ABC e da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP). “Nós precisamos do parlamento, então é preciso encontrar aliados lá. Também necessitamos de articulação, interlocução e de defesa intransigente dos nossos valores”, pontua.

A autoridade do conhecimento

Certa vez, a cientista ambiental Jane Lubchenco ouviu a seguinte colocação de um membro do congresso: “doutora, eu não preciso dos seus satélites, porque quando eu quero saber do tempo, eu assisto o Weather Channel”. Essa situação foi mencionada pela doutora em física e diretora da ABC, Marcia Barbosa, para exemplificar a gravidade da distância entre a ciência e o povo.

Na verdade, esse cenário não surgiu agora: Hipatia de Alexandria, uma filósofa que viveu entre os anos 351/370 e 415 d.C, fez cálculos astronômicos que comprovavam que a igreja católica havia determinado a semana santa em dias errados. “A gente já tem, há muito tempo, esse embate entre as pessoas e o conhecimento e hoje, temos esse debate com o aquecimento global, com as vacinas e com a crença de que a terra é plana”, afirma a pesquisadora.

Para esses desafios, a Acadêmica defende uma possível ferramenta: a valorização da autoridade do conhecimento, ou seja, um saber no qual as pessoas acreditem por terem a convicção de que isto lhes trouxe vantagens. Diferentemente da fé, esse conhecimento é dado por evidências e é estabelecido por um consenso entre os cientistas.

Para construir essa confiança na autoridade do conhecimento a principal estratégia sugerida por Barbosa é a destruição de mitos. Um deles afirma que a ciência brasileira não é produtiva, quando na verdade, a produção científica do país está crescendo com menos financiamento. A Acadêmica menciona a série de vídeos “Ciência Gera Desenvolvimento”, produzida pela ABC, que traz exemplos claros desse impacto científico no Brasil. Um outro mito difundido alega que as universidades privadas são mais produtivas, contudo, de acordo com dados da Capes, as instituições públicas respondem por mais de 95% da produção científica.

“Começar a revolução em casa” é uma outra estratégia sugerida pela doutora em física, ou seja, levar inovação para as estruturas universitárias, falar com os alunos sobre aprendizagem ativa, fazer administrações inovadoras, construir ambientes sustentáveis, entre outros. Semear a revolução do conhecimento é uma outra ação proposta, e consiste em escutar o outro e ensiná-lo com evidências. “Nesse momento em que as pessoas estão tão deprimidas, eu sempre gosto de dizer que luto, para mim, é verbo”, conclui.

Cinquenta anos da reforma universitária de 1968: onde chegamos, e para onde ir?

Em 1968, foi aprovada uma reforma universitária que propôs, dentre diversos temas, um modelo institucional de autarquia educacional com características próprias, implantação da pós graduação e universidades e escolas isoladas, ou seja, todos deveriam evoluir para um modelo único.

Para o doutor em ciência política e Acadêmico Simon Schwartzman, “existem muitas diferenças, mas também semelhanças entre hoje e aqueles tempos, na polarização política e na necessidade de voltar a repensar em profundidade a educação superior no país”​.

Em meados dos anos 1960, a educação superior brasileira era composta por cerca de 100 mil estudantes, distribuídos em 45 instituições. Em 2018, 50 anos após a reforma universitária, o pesquisador enxerga as universidades públicas como arena de conflitos políticos e ideológicos, nas quais há um dilema entre a utilização de um modelo único ou diferenciado de avaliação do ensino, ainda sem solução, com uma educação tecnológica que não cresceu e com um regime de trabalho dos professores que não é o ideal.

“Para mim, independentemente do clima complicado que estamos vivendo, com a soma de uma crise econômica muito profunda, e de uma concepção ideológica do papel da educação a nível superior, nós não podemos ficar apenas no confronto, e precisamos pensar em como a universidade pode assumir a liderança da sua própria reforma”, conclui o Acadêmico.

 


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