Leia artigo da Acadêmica Vanderlan Bolzaniprofessora titular do IQAr-Unesp, membro titular da ABC, Aciesp e do atual Conselho da SBPC:

O momento é adequado para pensar no que significa a anunciada suspensão de aproximadamente 80.000 bolsas de apoio à pesquisa, em várias modalidades e todas as áreas do conhecimento. Essas bolsas são essenciais para milhares de estudantes brasileiros, com destaque para os de pós-graduação (mestrado e doutorado) e, em razão da falta de recursos do CNPq, publicamente anunciado pelo seu presidente, causa perplexidade diante da eminência de sua extinção. Vista em perspectiva, quando se leva em conta a criação e os 68 anos de existência da principal agência de fomento à pesquisa do país, a maior da América do Sul, a decisão traz um impacto alarmante para a instituição. Não permite outra leitura se não a de que o país assume ser incapaz de (ou não quer) sustentar um componente essencial para sua estrutura de educação, ciência e tecnologia.

Ao lado da incalculável perda que isso representa, para o presente e para o futuro, os efeitos do prejuízo misturam-se com o passado. Chocam-se com a identidade que o país foi construindo durante muitas décadas e que, com todas as limitações, moldou a autoestima de parte da população brasileira.

“Entretanto, enganam-se as pessoas que imaginam ter sido tudo cor-de-rosa para a C&T naquele segundo lustro de 1940. As correntes obscurantistas contrárias à pesquisa continuavam vivas e fortes como nunca. Apenas não se manifestavam tão ruidosamente como antes.”

O trecho acima fala dos anos que precederam a criação do CNPq e foi extraído do livro “Prelúdio para uma História, Ciência e Tecnologia no Brasil”, organizado pelo pesquisador Shozo Motoyama (pág. 290, 2004 Edusp, Fapesp). Mais adiante, ele segue, “Contudo, em uma sociedade forjada historicamente dentro de uma tradição da cultura do ‘aqui e agora’, os políticos populistas tinham de apresentar resultados rápidos e visíveis. Sob esse ângulo, a C&T – sobretudo a investigação – tinha pouco a oferecer de imediato, embora a médio e longo prazos o retorno dos investimentos pudesse ser até muito mais compensador”.  Para ilustrar esse momento ele registra que o então governador do Estado de São Paulo, Adhemar de Barros, não via “com bons olhos a realização de pesquisas em uma instituição pública como era o Instituto Butantan.” E por isso nomeou um diretor para que esvaziasse essa atividade, transformando o Instituto em uma “simples fábrica de vacinas”.

O mundo vivia então sob o peso do advento da energia nuclear, nos anos posteriores à II Guerra Mundial, e as implicações dos avanços da ciência não poderiam ser mais óbvias. Data desse momento, aliás, a criação pelos EUA, da National Science Foundation (NST), um dos principais baluartes do financiamento à pesquisa naquele país ontem e hoje. O livro conta também que a primeira preocupação em implantar uma agência nacional de fomento à C&T estava voltada para o apoio à pesquisa em energia nuclear, mas optou-se depois por um arcabouço mais abrangente.

A criação do CNPq se deve ao esforço de muitos cientistas e políticos e segue uma linha ascendente marcada inclusive por insucessos. Ainda no final da década de 1930, o cientista Carlos Chagas Filho empenhava-se nesse sentido. Ele acabara de voltar da França e ficou impressionado com o recém-criado (1934) Centre National de la Recherche Scientifique formado graças ao empenho de um grupo de físicos. Mas a proposta que Chagas Filho levou ao governo, baseada no exemplo francês, acabou engavetada e esquecida (pág. 271).

A comunidade científica viu chegar o momento de instituir o órgão de fomento à pesquisa em 1951 e ninguém personifica melhor essa conquista que o Almirante Álvaro Alberto da Motta Silva. Físico e engenheiro com trabalhos bem-sucedidos no campo dos explosivos, destacou-se como pesquisador pioneiro na área de energia nuclear e foi representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica da ONU. Mas foi, além disso, um homem político empenhado em que seu país construísse as bases para se desenvolver através do único caminho efetivo que leva à riqueza econômica – conhecimento e pesquisa. Um protagonista que qualquer país se orgulharia de ter em sua galeria de heróis. De volta ao historiador, falando sobre a criação do CNPq, cujo primeiro presidente foi o Almirante Álvaro Alberto.

“A questão central poderia resumir-se neste ponto. Nenhum projeto científico ou tecnológico de envergadura, incluindo o de energia nuclear, teria êxito se não contasse com o número suficiente de cientistas, tecnólogos e pesquisadores. Nos países subdesenvolvidos, a prioridade máxima está na formação de recursos humanos – eis a variável essencial da política científica e tecnológica dessas nações.” (pág. 294)

Hoje, passados 68 anos dessa batalha que exigiu grande empenho e habilidade, uma entre tantas em que o Almirante Álvaro Alberto se envolveu, o que pensaria ele do momento vivido pelo país hoje? Dada sua natureza combativa e comprometida com as causas nacionais, não há dúvida que estaria alinhado à comunidade científica lutando contra a destruição do CNPq e pelo fortalecimento do país na era das “sociedades do conhecimento”. Neste momento de grande perplexidade, quando assistimos o encolhimento sem precedente das verbas destinadas à educação, ciência e tecnologia, gostaria de citar o grande cientista José Leite Lopes, também um articulador do CNPq, que observou “ciência empobrecida: tecnologia de segunda classe”.