Leia entrevista do Acadêmico Romildo Toledo, recém empossado como diretor da Coppe/UFRJ, para Renato Grandelle de O Globo, publicada em 15/08/2019:

RIO — Desde o início do mês, a Coppe/UFRJ, maior centro de pesquisas de engenharia da América Latina, está sob nova direção. O engenheiro civil Romildo Toledo assumiu o cargo com um forte discurso contra os cortes orçamentários na Ciência e Tecnologia e o que chama de “política de desindustrialização do país”, que teria feito o Brasil perder terreno no setor de inovação há pelo menos 30 anos.

O engenheiro avalia que o Ministério da Educação (MEC) deveria ouvir mais a comunidade acadêmica e critica a recente onda de contestações de dados científicos pelo governo federal.

A Coppe é tradicionalmente associada à indústria do petróleo. Qual é o seu peso para as pesquisas da instituição?

O petróleo foi a base do desenvolvimento nacional décadas atrás, e a Coppe deu a base científica para sua exploração. Hoje, 60% dos nossos contratos são relacionados à pesquisa de óleo e gás, mas temos formações e professores dedicados a outras áreas de conhecimento, como energias renováveisrobótica, fármacos e inteligência artificial. Nós nos adaptamos ao nível de conhecimento exigido pela sociedade.

O senhor e a nova vice-diretora da Coppe, Suzana Kahn, participam de comitês sobre mudanças climáticas. Como pretendem lidar com o tema diante do atual contexto político do Brasil?

Ciência não é ideologia. Suzana e eu nos unimos porque sabemos que a sustentabilidade é uma pauta positiva para o planeta. Todos falam sobre impactos na floresta, desertificaçãogases estufa. São fatores que podem afetar a nossa qualidade de vida. Por isso, precisamos desenvolver tecnologias como geração de energia solar e reaproveitamento de resíduos. Temos ônibus elétricos no campus da Ilha do Fundão. Queremos que o campus seja um laboratório vivo, um local que aponte soluções à sociedade. Então, o governante pode até acreditar em uma coisa, mas a ciência não deve ser contestada.

A Coppe forma cerca de 600 mestres e doutores por ano. Há mercado para todo esse contingente?

Normalmente, o destino dos nossos estudantes é o meio acadêmico ou institutos de pesquisa. Infelizmente, o país sofre um processo de desindustrialização, e eles não conseguem um emprego na indústria. Em seu levantamento mais recente, com dados de 2014, o Ministério da Ciência e Tecnologia mostrou que 35% dos mestres e 25% dos doutores formados no país não encontram vagas no mercado de trabalho. O governo mal realiza concursos, e o setor privado não gera oportunidades para absorver essa mão de obra especializada. Há, então, um gargalo.

Qual é a solução?

Queremos criar na Coppe um parque de empresas do tipo spin-off, ou seja, que possam sair daqui e levar conhecimento para outras áreas. Vamos incentivar a interação de nossos estudantes com o de outros cursos, como administração e economia, que ajudem a enxergar modos para que as tecnologias desenvolvidas aqui sirvam ao mercado. Normalmente a cabeça do aluno que vai fazer o mestrado e doutorado pensa apenas no aspecto acadêmico — como escrever paper ou fazer uma análise. É diferente de vislumbrar novos negócios.

Qual foi a origem da política de desindustrialização?

Isso ocorre há pelo menos 20, 30 anos. Foi uma política de Estado, uma estupidez, porque seguimos uma trajetória contrária à dos países desenvolvidos. Nós sabemos fazer avião, tiramos petróleo do fundo do mar, mas ao mesmo tempo não fabricamos um tênis ou um celular. Estamos em um centro de engenharia, queremos ajudar.

A falta de empregos aumentará a fuga de cérebros?

Sim, se não criarmos um arcabouço jurídico que dê um tratamento especial à ciência e tecnologia. Isso não significa que devemos ficar isentos de controle, mas precisamos acabar com entraves como a burocracia enfrentada para importar insumos. Não podemos lidar com essas dificuldades quando fazemos pesquisas, é um setor extremamente competitivo no mundo inteiro.

A indústria encolheu, perdemos pesquisadores para o exterior, mas, em uma década, nos transformamos no 13º maior produtor de estudos científicos. Não é uma contradição?

O problema é transformar o conhecimento adquirido em produtos industriais que beneficiem diretamente a sociedade. Aumentamos a produção científica, mas continuamos muito aquém no ranking da inovação. Devíamos ter uma base tecnológica tão alta quanto outros países.

Em junho, a Capes bloqueou cerca de 3.400 bolsas de pós-graduação. A Coppe, por exemplo, perdeu 13. Como isso impacta a pesquisa?

Nossos alunos não são de classe alta, eles precisam de bolsa, e o valor deste auxílio já é irrisório (R$ 1.500 para alunos de mestrado; R$ 2.200 para doutorado). Então, os estudantes precisam complementar a renda buscando outros financiamentos, juntando-se a pesquisadores de outros programas, e há também quem recorra a “bicos”. Não é o ideal. Queremos o aluno focado em sua pesquisa.

Três anos atrás, a UFRJ repassava R$ 560 mil à Coppe. Em 2019, foram R$ 280 mil. Quais cortes o senhor está promovendo?

A universidade é responsável por pagar parte de nossas despesas, como a conta de água, luz, telefone e limpeza. Ainda assim, precisamos buscar fontes alternativas de orçamento. Às vezes, os professores precisam usar os seus próprios recursos para manter seus laboratórios. Nossos planos preventivos, como a manutenção, estão sendo realizados com uma frequência menor, então nos deparamos com problemas como equipamentos quebrados. Fizemos outros ajustes. Como falta dinheiro para a segurança, por exemplo, fechamos algumas saídas mais cedo. Temos uma preocupação enorme com a situação da UFRJ (o MEC contingenciou o orçamento das universidades federais).

A pior coisa para um gestor é não ter certeza sobre como priorizar seus recursos. É um massacre emocional receber verbas a conta-gotas, sem saber o que vai acontecer amanhã, qual é o contrato que vencerá daqui a três dias.

Como o senhor avalia que o MEC vem lidando com a autonomia universitária?

Acredito que os reitores deveriam ser mais ouvidos. Mas vejo um certo desprezo ao conhecimento científico formal, na medida em que são contestados institutos como Inpe, IBGE, Fiocruz. Vemos, então, uma disputa entre a ciência e a forma de pensar que eles (o governo) têm.