Em uma carta a ser lida na noite de quinta (25), sete ex-presidentes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) afirmam que o órgão, um dos principais responsáveis pelo fomento à pesquisa no país, está em perigo.

Estão em risco “décadas de investimentos em recursos humanos e infraestrutura para a pesquisa e inovação do país”, diz o documento, obtido com exclusividade pela Folha.

Segundo os ex-presidentes, há um déficit de R$ 330 milhões apenas para o pagamento das bolsas. A entidade também já tem reduzido outras formas de incentivo à pesquisa, como editais universais para custeio de projetos e bolsas especiais, como as de pesquisadores visitantes.

Intitulado “Manifesto dos ex-presidentes do CNPq”, o texto será lido na assembleia geral da 71ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que acontece nesta semana no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Uma das formas para se obter o recurso é por meio de um projeto de lei a ser aprovado pelo Congresso Nacional que autoriza o governo a liberar os recursos. Segundo disse à Folha João Luiz de Azevedo, que também palestrou na reunião da SBPC, está sendo costurado um acordo para a liberação de R$ 310 milhões, além do descontingenciamento dos recursos da instituição (atualmente 11% está retido).

Se tudo der certo, a expectativa de Azevedo é que o orçamento volte para o patamar histórico de R$ 1,2 bilhão, o que permitiria que o CNPq honrasse seus compromissos e mantivesse o mesmo nível de atividade de fomento à pesquisa.

“Conclamamos […] as instâncias competentes do executivo e legislativo federal, a empreender todos os esforços na reversão deste quadro sombrio, com a imediata recomposição orçamentária para evitar o caos da interrupção no pagamento das bolsas. Especialmente esperamos que de imediato o Governo Federal faça valer o acordo acertado com o Congresso Nacional por ocasião da votação do PLN 4/19 (que autoriza o governo federal a realizar operações de crédito de até R$ 248,9 bilhões para pagar despesas correntes), em destinar ao CNPq, ainda em 2019, orçamento e recursos via crédito suplementar no montante de R$ 330 milhões”, escrevem os ex-presidentes —José Tundisi, Esper Cavalheiro, Erney Camargo, Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, Glaucius Oliva, Hernan Chaimovich e Mario Neto Borges.

Outro meio de conseguir recursos seria o descontingenciamento do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que recebe recursos originários de impostos, juros de empréstimos, royalties da produção de petróleo e gás, da concessão de estradas, geração de energia hidrelétrica, entre outros.

O fundo rende R$ 5 bilhões anualmente, mas, neste ano, apenas R$ 600 milhões estão livres para uso do governo.

Mesmo que houvesse recursos privados para a área, eles não resolveriam o problema por causa de limitações impostas pela Emenda Constitucional 95, a Lei do Teto de Gastos, que impedem o crescimento do montante acima do total estabelecido pelo Orçamento. A regulamentação de novos fundos que possam receber esses recursos, diz Oliva, está entre as possibilidades para tentar, no futuro, ampliar o orçamento do CNPq.

Segundo Oliva, presidente da instituição entre 2011 e 2014, e organizador da carta, é importante o esforço neste momento por que há estudantes de pós-graduação, que são a grande força de trabalho da pesquisa no país, que podem ficar sem remuneração no período.

“Isso leva a um caos na vida do bolsista. É um impacto em quase todos os grupos de pesquisa e de pós-graduação do país. Esses estudantes, de mestrado, doutorado e pós-doutorado têm na bolsa sua única fonte de renda. A bolsa exige dedicação exclusiva — não pode dirigir Uber, não pode vender sanduíche. Isso significa que essas pessoas vão estar completamente desprovidas de recursos e que vão ter que se virar, ir atrás de meio de subsistência e deixar a pesquisa”, afirma.

Os valores das mensalidades das bolsas de mestrado e doutorado atualmente são, respectivamente, R$ 1.500 e R$ 2.200.

Abaixo, a íntegra do manifesto:

Manifesto dos ex-presidentes do CNPq

Nós, ex-presidentes do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, manifestamos nossa grande preocupação frente à grave condição orçamentária e financeira da agência que coloca em risco décadas de investimentos em recursos humanos e infraestrutura para pesquisa e inovação no Brasil.

Desde o início deste ano as lideranças do MCTIC, do CNPq e toda a comunidade científica vêm, sem sucesso, alertando para o déficit de cerca de R$ 330 milhões no orçamento para bolsas em 2019, agravado com o subsequente contingenciamento que reduziu ainda mais os recursos disponíveis para as atividades do fomento do Conselho. Como resultado desta situação a suspensão do pagamento de todas as bolsas do CNPq a partir de setembro deste ano é iminente. Este fato, inédito por mais de 30 anos na história da agência, colocará milhares de estudantes no país e no exterior em situação de risco e abandono. Por falta de recursos, o CNPq anunciou também a suspensão do edital periódico para bolsas no segundo semestre de 2019, e não se vislumbra nenhuma condição de reposição, ainda que parcial, do valor das bolsas de IC, mestrado e doutorado, cujo ultimo reajuste ocorreu a mais de 6 anos. Neste cenário, toda uma geração de pessoal altamente qualificado na pós-graduação brasileira será afetada, e como consequência, já se observa expressiva evasão de estudantes, baixa procura pela pós-graduação stricto sensu, esvaziamento dos laboratórios de pesquisa e perda de nossos melhores talentos jovens para o exterior.

Quanto ao fomento, projetos de pesquisa aprovados em anos anteriores seguem sem pagamento integral. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que historicamente supriu parte expressiva dos recursos necessários para a execução de programas centrais do CNPq como o Edital Universal e o programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCTs, está contingenciado em cerca de 90% de sua arrecadação e, portanto, impossibilitado de fazer repasses para atendimento das demandas. Nem mesmo a captação de recursos de parceiros privados tem sido possível por não haver espaço orçamentário para preenchimento com recursos externos, devido à emenda constitucional do teto de gastos (EC-95).

Além disso, o CNPq tem sido fortemente contingenciado nos recursos de custeio operacional e limitado em pessoal técnico pela inexistência de concursos públicos de reposição de quadros há quase dez anos, o que tem resultado em crescente dificuldade na manutenção de atividades e programas seminais para o sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, como as Plataformas Lattes e Carlos Chagas e o acompanhamento e avaliação de projetos e programas.

O CNPq, criado em 1951, tem sido ao longo de sua história, o vetor fundamental do desenvolvimento da ciência e da economia do Brasil. A nação não pode jamais perder este patrimônio construído ao longo de décadas pelo esforço conjunto de cientistas e a sociedade brasileira. O impacto da pesquisa nacional nos diversos campos da atividade econômica e nas políticas públicas do país são evidentes e foram amplamente destacados no Manifesto dos Ex-Ministros de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação recentemente divulgado, o qual subscrevemos integralmente.

Conclamamos, assim, as instâncias competentes do executivo e legislativo federal, a empreender todos os esforços na reversão deste quadro sombrio, com a imediata recomposição orçamentária para evitar o caos da interrupção no pagamento das bolsas. Especialmente esperamos que de imediato o Governo Federal faça valer o acordo acertado com o Congresso Nacional por ocasião da votação do PLN 4/19 (que autoriza o governo federal a realizar operações de crédito de até R$ 248,9 bilhões para pagar despesas correntes), em destinar ao CNPq, ainda em 2019, orçamento e recursos via crédito suplementar no montante de R$ 330 milhões. É também fundamental que a Lei Orçamentária Anual de 2020 contemple os recursos necessários para o pagamento integral das bolsas ao longo do ano e que permitam ao CNPq retomar a sua capacidade de fomento à pesquisa e à inovação em todo o território brasileiro.

José Galizia Tundisi
Esper Abrão Cavalheiro
Erney Felício Plessmann Camargo
Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho
Glaucius Oliva
Hernan Chaimovich Guralnik
Mario Neto Borges

Brasil, julho de 2019.