Leia artigo de opinião do Acadêmico Wanderley de Souza, publicado no Monitor Mercantil, em 17/7:

Na organização do Estado deve haver sempre um excelente relacionamento entre um determinado ministério setorial e agências executivas a ele vinculado. Este entrosamento deve surgir sempre a partir de orientações filosóficas e estratégicas, apontando para as prioridades identificadas.

No entanto, a necessária vinculação administrativa não pode ser transformada em subordinação, até porque as diretorias executivas das agências respondem com os CPFs de seus membros perante os órgãos de controle, seja do Executivo (CGU – Controladoria Geral da União) ou do Legislativo (TCU – Tribunal de Contas da União).

Nitidamente, percebe-se nos últimos meses uma interferência indevida do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) na atuação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que é vinculada, mas não subordinada, ao MCTIC. Cabe registrar ser esse um fato novo, nunca ocorrido ao longo dos 52 anos de existência da Finep, e justamente no momento em que uma nova legislação sobre as estatais não dependentes encontra-se em vigor.

Para uma melhor compreensão do que foi colocado acima, tornam-se necessários alguns esclarecimentos. Primeiro, a Finep, como empresa pública, tem duas vinculações, exigindo dos seus dirigentes interação constante com o MCTIC, mas também com o atual Ministério da Economia, sobretudo à sua Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.

O presidente e diretores da Finep, desde 2018, não são mais nomeados pelo ministro ou pelo presidente da República e sim pelos membros do seu Conselho de Administração, cujos componentes têm mandato estabelecido nos estatutos da empresa. Esta relação é tão forte que todos os planos estratégicos da empresa precisam ser negociados com esta Secretaria, incluindo o número de empregados e seus respectivos salários.

Como estatal não dependente, os recursos para cobrir todas as suas despesas não vêm do Tesouro Nacional e sim do lucro que o seu braço financeiro obtém nas operações de crédito. A vinculação ao MCTIC se dá mais pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que não é um recurso do orçamento do Tesouro, já que tem a sua origem em contribuições do setor privado, devidamente regulamentados por leis específicas.

Os recursos do FNDCT são acompanhados pelo MCTIC com base exclusivamente em decisões tomadas pelo Conselho do FNDCT, que é presidido pelo ministro do MCTIC, mas que inclui representantes de vários ministérios, do setor produtivo e do setor acadêmico.

As decisões tomadas pelo Conselho do FNDCT devem ser executadas pela Finep, pelo fato de ser ela a Secretaria Executiva do FNDCT, conforme explicitado em lei específica. Cabe exclusivamente à Finep implementar todas as determinações oriundas do Conselho do FNDCT, sem consultas formais ao MCTIC. Não cumprir estas determinações, sujeita a diretoria executiva (logo, às pessoas físicas) da Finep a ações do CGU e do TCU, bem como a ações judiciais levantadas por setores que dependem dos recursos do FNDCT para o desenvolvimento de projetos aprovados.

Neste momento não estão sendo aprovados projetos resultantes de encomendas específicas e de editais lançados por determinação do Conselho do FNDCT, nem tem havido o lançamento de outros editais já aprovados previamente. O que todos esperam são novos editais que devem ser examinados pelo referido Conselho.

Segundo, é importante destacar que o FNDCT tem dois braços distintos, mas que interagem entre si. Um se refere ao apoio a projetos de natureza não reembolsável, que podem ser divididos em dois grupos:

(a) o que visa apoiar iniciativas do sistema acadêmico público e mesmo privado, quando a instituição não tem fins lucrativos, para propiciar o avanço científico do país;

(b) o que se destina a apoiar o processo de inovação tecnológica que ocorre nas empresas e que utiliza recursos da rubrica subvenção econômica para apoio direto ou os conhecidos como de equalização, permitindo operações de crédito com juros mais baixos para estímulo ao setor produtivo privado nacional investir em inovação tecnológica.

Todos os países do mundo utilizam estes dois mecanismos, ainda que com nomes diferentes e valores maiores, para alavancar o processo produtivo. Obviamente, como estes recursos são finitos, é importante que haja uma orientação por parte do governo apontando quais são as áreas estratégicas. Neste momento, é fundamental a atuação do MCTIC consultando o governo como um todo e dando uma orientação à Finep. O que não é admissível é ficar de braços cruzados e nada ocorrer, como se observa no momento.

O segundo braço de atuação da Finep se refere às operações de crédito direto às empresas. Para tal, o FNDCT empresta à Finep recursos de até 25% do que é arrecadado pelo FNDCT para que ela possa fazer operações junto às empresas. Acresce, ainda, recursos provenientes de outras fontes com o Fundo de Telecomunicações e o empréstimo direto do BID à Finep.

Essas operações precisam, por um lado, serem interessantes para o mercado e por outro remunerar a Finep, que, com o lucro obtido, paga todas as despesas de salários dos seus empregados e despesas de custeio e manutenção.

Logo, estas operações devem ser conduzidas exclusivamente pela Finep, e a instituição conta com uma expertise neste campo, pois afinal já operou, com êxito, recursos da ordem de R$ 30,5 bilhões, sendo que, no momento, conta com uma carteira ativa de R$ 10,4 bilhões. Como algumas destas operações são beneficiadas com os recursos de equalização que mencionamos antes, cabe também ao governo, por intermédio do MCTIC, emitir orientações sobre prioridades estratégicas.

O que é inaceitável é uma instituição como a Finep permanecer em estado de hibernação. Urge que seus dirigentes rompam com as amarras, ampliem o necessário diálogo de alto nível técnico com o MCTIC e certamente terão o apoio da comunidade que atua nas áreas da investigação científica e da inovação tecnológica. Estas já vêm atuando com sucesso na defesa da Finep e esperam reverter, até o final do ano, o contingenciamento ilegal do FNDCT imposto pelo MCTIC em clara afronta ao que foi determinado pelo Congresso Nacional.

Por outro lado, ela não pode permanecer com recursos significativos em caixa e uma fila de projetos apresentados pelas empresas à espera de decisão. Manter a instituição paralisada fortalece a posição daqueles que defendem sua extinção.