O 4º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências, realizado entre 24 e 26 de junho em Fortaleza, no Ceará, teve um formato bem dinâmico. Após a sessão de palestras sobre alternativas ao financiamento público para a sobrevivência da ciência brasileira, apresentadas pela manhã, quatro rodas de conversa foram realizadas á tarde, conduzidas pelos palestrantes: a Acadêmica Fernanda Tovar Moll, presidente do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e membro afiliado da ABC para o período 2015-2019; o presidente do Instituto Serrapilheira, Hugo Aguilaniu; o Acadêmico Jorge Almeida Guimarães, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii); e o Acadêmico Odorico de Moraes, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Durante os debates, em que todos os participantes tiveram voz, relatores registraram as falas e no final montaram seus resumos, em poucos tópicos. Esses relatórios foram compartilhados na sessão final, que reuniu os 80 participantes do evento.

Atualizar as Universidades e a legislação, desmistificar a filantropia e incentivar interação

O grupo que conversou com Fernanda Moll apontou alguns pontos sensíveis dentro da universidade, como a pouca agilidade, a burocratização e a falta de transparência nos processos relativos aos recursos disponíveis; o desconhecimento nas formas de utilização ou mesmo a falta de recursos.

Afiliados da ABC em roda de conversa com Fernanda Moll

Há falta de clareza na aplicação da legislação vigente referente a doação e investimento de empresas e dificuldade de execução de parcerias internacionais. A questão da dedicação exclusiva na carreira de professor também dificulta a interação com empresas, e todos estes problemas são acentuados pela desatualização dos setores jurídicos das universidades.

Foi constatado que existem possibilidades de conseguir financiamentos alternativos para pesquisa, mas que as universidades não estão preparadas para isso. O grupo avaliou também que é preciso discutir o tema de distribuição de recursos dentro das universidades.

Foi ressaltado, ainda, que as instruções sobre recebimento de bolsas e procedimentos para assinar contratos por meio das fundações devem ser divulgadas amplamente. Os pesquisadores precisam ter mobilidade entre instituições e a própria universidade deve apoiar e estimular o diálogo com as empresas. Os pesquisadores podem contribuir, buscando mecanismos para abordar e difundir estes temas nas suas instituições.

É preciso construir redes de assessoramento sobre as regulamentações jurídicas para a obtenção de recursos alternativos, e pode partir dos pesquisadores a busca do auxílio das universidades neste sentido.

As mudanças requeridas envolvem também procedimentos diferentes fora das universidades, para que o empresariado brasileiro seja estimulado a apoiar pesquisas que beneficiam suas empresas, até então financiadas apenas com recursos públicos. E o principal foco deve ser a divulgação científica, a melhor ferramenta de aproximação entre as universidades e outros entes sociais. Ela deve ser dirigida para a educação básica e para conquistar a filantropia. Um bom começo, nesse sentido, é a aproximação de cientistas com associações relacionadas a doenças, tema que motiva filantropia.

Ampliar e incentivar a criação de espaços coletivos que estimulem a interação entre pesquisadores, startups, empresas e investidores também foi considerado um bom caminho. Os pesquisadores e as universidades precisam buscar aproximação e melhorar a relação com a esfera política. É importante apresentar nos meios de comunicação experiências positivas com relação aos financiamentos alternativos.

Os participantes sugeriram que a ABC continue discutindo todos os aspectos relacionados a este tema nos próximos anos.

Pioneirismo privado e parceria com comunicação das universidades

O grupo que debateu com Hugo Aguilaniu buscou entender como funciona o sistema de qualificação de projetos do Instituto Serrapilheira, considerando que por ser pioneiro na área de financiamento privado para ciência no Brasil, suas propostas e expectativas podem ser consideradas referência na área. Dentre os participantes, alguns tinham participado de processo seletivo e solicitaram avaliação da possibilidade de feedback para os proponentes e mudança na idade de corte para a elegibilidade de projetos.

Afiliados da ABC em roda de conversa com Hugo Aguilaniu

Aguilaniu ressaltou que o Instituto mantém seu foco em pesquisas que tenham capacidade de mudar os paradigmas da área. Os pesquisadores apoiados pelo Serrapilheira devem ser versáteis, de modo a investir em áreas arriscadas e, ao mesmo tempo, conseguir manter sua produtividade. Os participantes apontaram que o grande interesse em financiamento privado por parte dos jovens cientistas brasileiros se dá também pela facilidade de gestão, ao contrário dos recursos públicos, no momento inexistentes.

Foi identificada, assim como no grupo anterior, a necessidade de ampliar a pesquisa sobre a legislação para filantropia no Brasil, visando facilitar as leis para doação. Com isso, poderia ser ampliada a busca por doadores.

Aguilaniu acenou com a promoção de novas atividades de divulgação do Serrapilheira e a possibilidade de criação de ferramentas para ajudar o pesquisador a atuar na divulgação, como uma assessoria especializada. Mas reforçou a necessidade de ativar as assessorias de comunicação das universidades, visando ampliar os meios para divulgação científica de dentro das instituições para fora, para a sociedade.

Os cientistas têm que investir na relação com jornalistas, se dispondo a atender os repórteres especializados com agilidade e tendo cuidado com informações sensacionalistas. A melhor maneira de lidar com isso é aprendendo a falar da sua pesquisa com desenvoltura para a população. Convidar jornalistas para aprender ciência no laboratório pode ser uma boa estratégia. Mas há um problema de má formação – ou nenhuma formação – dos nossos cientistas, no que diz respeito a divulgação científica.

Parcerias público-privadas em ação

O grupo que interagiu com o Acadêmico Jorge Guimarães partiu da premissa, reforçada por ele, de que os cientistas devem trabalhar com empresas. Mas como atrair as empresas? Guimarães apontou três fatores fundamentais: agilidade, flexibilidade e burocracia zero. As dificuldades, no entanto, são a falta de canais de diálogo entre o pesquisador e a empresa e também entre as universidades e as empresas. Os caminhos apontados na discussão envolvem a criação de fundos setoriais e de incentivos fiscais, tomando como exemplo a Embrapii.

Afiliados da ABC em roda de conversa com Jorge Guimarães

Embora a Embrapii lide com dinheiro público, 15% dos recursos que direciona às suas unidades podem ser gastos livremente. Estas unidades são formadas por grupos multidisciplinares de pesquisadores que trabalham no mesmo foco. Pode ser em pesquisa básica, mas com perspectiva de aplicação, com experiência prévia de interação com empresas. Algumas das metas da Embrapii – boas dicas para os participantes – envolvem estimular o depósito de patentes com perspectivas comerciais, diferentes das patentes acadêmicas e estimular a criação de startups dentro do meio acadêmico e até mesmo no contexto das próprias Unidades Embrapii.

Financiamento privado exige impacto social

O foco do grupo que conversou com o Acadêmico Odorico de Moraes sobre modos de conseguir financiamentos alternativos verificou que, em primeiro lugar, é preciso ter projetos de impacto social. Para vender projetos, é preciso mapear possíveis clientes e interessados, como empresas da área e agências regulatórias (ANP). Também é importante investir na divulgação dos estudos/trabalhos já realizados: mostrar respaldo científico consistente, com o mapeamento de competências dentro da universidade e um estudo sobre a visibilidade social que o projeto pode alcançar, contribui para a captação de recursos.

Afiliados da ABC em roda de conversa com Odorico de Moraes

Há necessidade primordial de uma preparação da estrutura interna das universidades para captação de recursos financeiros privados, com estudos sobre a legislação das OSCIPs. A pesquisa colaborativa com organizações privadas costuma envolver a venda de excedentes de insumos para o mercado ou criação de convênios para lidar com essa questão. A contrapartida da universidade deve ser em manter a infraestrutura, pagando os salários dos pesquisadores, técnicos, energia, vigilância e limpeza, assim como garantindo a produção científica de interesse do financiador e a formação de recursos humanos na pós-graduação.

A mensagem mais importante é a urgência em desmontar a burocracia da universidade, que gera um gasto de energia desnecessária e não traz nenhum proveito nem para a comunidade científica, nem para a sociedade em geral.

 

Confira as matérias sobre as atividades do #4ENMA:

#4ENMA: encontro de jovens cientistas da ABC foca em ação

Falta de financiamento público: como reagir?

Aproximando cientistas e jornalistas para a divulgação científica

A arte como instrumentalização da ciência

Como acessar a dimensão humana na divulgação científica

Educação museal e comunicação em ciências para a equidade de gêneros

Avaliação do #4ENMA