O presidente da ABC participou do Encontro Internacional Centenário do Eclipse de Sobral apresentando palestra sobre “O intrigante mundo da luz”. Ele iniciou comentando o impacto da luz sobre o ser humano.

“Fenômenos com o arco íris, a aurora boreal e o céu estrelado, este imenso desconhecido, sempre fascinaram a humanidade”, observou. E por isso mesmo, as tentativas de compreensão sobre a luz são muito antigas. Há mais de mil anos um cientista árabe, Ibn-Al Haytan, também chamado de Alhazan, publicou um tratado de sete volumes sobre ciência, onde afirmou que a luz se transmitia através de raios que chegavam aos olhos humanos. “Hoje isso parece trivial, mas até então o entendimento sobre luz era totalmente diferente”. Davidovich explicou que se achava que a luz era parecida com o tato, que os raios saiam do olho humano e tocavam o objeto, que tinha então sua imagem transmitida.

O conhecimento em construção

Depois vieram Descartes (1637) e Newton (1672), que construíram a teoria corpuscular da luz. Mais tarde, em 1801, o experimento de Young comprovou o comportamento ondulatório da luz. O cientista francês Augustin Fresnel (1815) comprovou o fenômeno de difração da luz e James Maxwell (1865) fez uma síntese da teoria eletromagnética através de um conjunto de equações que inspiraram Einstein no desenvolvimento de sua Teoria da Relatividade Restrita.

Já em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson detectaram a radiação cósmica. No mesmo ano, Charles Kao ganhou o Nobel por sua descoberta da transmissão de luz por meio de fibras óticas. Em 2014, três cientistas ganharam o Nobel pelo desenvolvimento de leds – diodos emissores de luz – que consomem 90% a menos de energia do que a luz incandescente.

Davidovich ponderou que este resumo de uma longa história “mostra como a luz teve um papel importante na compreensão do Universo pela humanidade” e gerou consequências aplicadas importantes.

Referiu-se então à física clássica e citou Lord Kelvin (1824-1907), que afirmou ser a física “um céu azul com algumas nuvens no horizonte”. Essas nuvens seriam alguns poucos fenômenos que as teorias clássicas não conseguiam explicar, mas os cientistas da época achavam que era apenas uma questão de mais habilidade matemática. Davidovich mostrou que a física clássica não conseguia explicar, por exemplo, porque um corpo aquecido fica vermelho e daí passa para laranja e depois para branco, à medida que aumenta a temperatura, assim como não conseguia explicar a cor das estrelas: algumas azuis, outras amarelas e outras vermelhas.

No final do século XIX, porém, Davidovich realtou que “as nuvens se juntaram e formaram uma imensa tempestade”, que foi a revolução dos “quanta”. Começou com o trabalho de Max Planck, em 1900, que descreveu a cor dos objetos aquecidos, e de Einstein, em 1905. O trabalho deles esclareceu que a luz se comporta como se fosse constituída de corpúsculos (fótons) com energia proporcional à frequência (cor): quanto mais alta a frequência, mais próxima fica a luz do violeta, enquanto a frequência mais baixa faz a luz tender ao vermelho ou infravermelho. Descobriram, assim, a relação entre energia e frequência da luz.

Controvérsias sobre o conceito de “luz”

Em 1911 foi realizado o 1º Congresso de Solvay, com foco na discussão sobre a luz: afinal, ela é constituída de corpúsculos ou é uma onda? Einstein insistiu no caráter provisório do conceito que havia proposto – de que a luz seria composta por “quantas” de luz, o nome que ele deu aos tais corpúsculos. Mas afirmou que esse conceito não parecia ser conciliável com as consequências experimentalmente verificáveis da teoria ondulatória. Em 1926, Max Born considerou as ondas como sendo “ondas de probabilidade”, ondas matemáticas. E por essa reflexão, recebeu o prêmio Nobel de Física, anos depois.

Einstein continuou pensando sobre a luz, e em 1916 publicou um artigo definitivo sobre a interação dos átomos com campos de luz. Partindo deste estudo, foi construído em 1952 o primeiro dispositivo que amplificava luz (MASER) baseado na emissão estimulada de radiação –  que deu aos seus criadores, Basov, Prokorov e Townes, o Prêmio Nobel de Física, em 1964.

A curiosidade pode gerar resultados inesperados

Em 1957, um estudante de doutorado da Universidade de Columbia, Gordon Gould, inventou um processo que poderia levar ao laser, que patenteou. No ano seguinte, Arthur Schawlow e Charles Townes publicaram um artigo mostrando como um laser poderia funcionar. A partir daí aconteceu uma batalha jurídica sobre a invenção do laser, ganha por Gould, que ficou milionário por conta disso.

Desde então houve uma evolução muito rápida dos dispositivos de laser, sendo que o primeiro foi construído por Theodore Maiman, em 1960.  Davidovich relatou que foi lançado em 16 de maio, que por isso se tornou o Dia Internacional da Luz. Para conseguir publicar na revista Nature sua descoberta, ele precisou convocar uma coletiva de imprensa e comprovar sua invenção, pois sua primeira tentativa de submissão do artigo havia sido rejeitada. “Os editores da revista consideraram impossível tal fato”, explicou o presidente da ABC.

Depois do trabalho de Maiman, surgiram vários outros sobre dispositivos de laser. “O feixe de laser tem características muito particulares, como a definição precisa de cor, frequência e direção. Com isso se consegue uma alta intensidade com um feixe quase monocromático de luz. É muito diferente da luz térmica, que produz luz em todas as direções. A do laser é uma luz concentrada”, explicou o físico da UFRJ.

A partir daí muitas aplicações foram desenvolvidas. Em 1969, Hal Walker organizou a primeira expedição de telemetria, que permitiu medir a distância entre a Terra e a Lua, com a colocação de um espelho específico no satélite pela equipe da nave espacial Apolo 11 e o envio de luz. “Mediu-se o tempo que a luz levava para ir e voltar. Conhecendo-se o tempo e a velocidade da luz, foi possível calcular uma distância média”, explicou o palestrante.

Hoje já existem lasers de alta potência, com possível aplicação em reatores de fusão nuclear, que pode ser uma alternativa de fonte de energia para a humanidade. Em nosso cotidiano, o palestrante apontou a presença do laser por toda parte. “Em tratamentos médicos, soldas de precisão em metais, relógios atômicos que possibilitam o funcionamento do GPS, leitores de códigos de barra, comunicação por fibras óticas, unidades de centrais de processamento em computadores, e outras”.

O presidente da ABC contou que a tecnologia quântica do final do século 20 permitiu que se vissem átomos individuais com a ajuda de feixes de laser, trabalho de David Wineland, junto com quem Serge Haroche desenvolveu trabalhos que lhe deram o Prêmio Nobel em 2012. “A Intel e a Google vêm desenvolvendo computadores quânticos, originados nessas pesquisas realizadas em 1900 e 1905, vêm dessa nova física, desenvolvida desde então”, apontou Davidovich.

A importância da ciência básica

Um dos inventores do laser, Arthur Schawlow, afirmou que quando estava trabalhando nos conceitos do laser nem imaginava que pudesse ser usado para curar descolamento de retina. Disse ainda que, se estivesse deliberadamente buscando ajudar a prevenir a cegueira, não teria nem tentado a amplificação da emissão de luz estimulada por átomos. Davidovich ponderou que essa reflexão mostra que a aplicação do conhecimento, muitas vezes, é uma etapa posterior, não relacionada diretamente com a sua geração.

Ele destacou que a física quântica, que começou no início do século XX, foi feita por jovens cientistas movidos à curiosidade e paixão. “A correspondência entre eles, depois publicada, evidenciava apenas o fascínio por descobrir como o mundo microscópico funcionava. Não tinham ideia do uso que poderia ser feito daquilo que descobriam.”

Ciência para o desenvolvimento

No ano 2000, no entanto, cerca de 30% do PIB dos EUA eram baseados em invenções tornadas possíveis pelos lasers da mecânica quântica, desde semicondutores em chips de computadores até lasers em reprodutores de CD’s e DVD’s, aparelhos de ressonância magnética e muito mais.

Davidovich aponta que isso serve de reflexão sobre o valor da ciência. Disse que os cientistas, especialmente os brasileiros, têm sido muito cobrados pela aplicação imediata dos resultados. Só que não é assim que a ciência funciona. Mas ela funciona – e faz crescer o PIB de muitos países que entendem o seu valor.

O presidente da ABC finalizou sua palestra dizendo que, apesar da situação crítica do Brasil em relação à educação, ciência e tecnologia, ele ainda tem esperança de que isso vá mudar. Davidovich ressaltou que não está usando a palavra “esperança” no sentido de “esperar”, e sim no sentido de “esperançar”, como dizia Paulo Freire. Para Freire, “esperançar é ir atrás, é se juntar, é não desistir. É ser capaz de recusar aquilo que apodrece a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras. Esperança é a capacidade de olhar e reagir àquilo que parece não ter saída.” E é desse modo que ele, Davidovich, reiterou sua esperança para o Brasil.