Confira a seguir reportagem de Cássia Almeida e David Barbosa para o jornal O Globo:

RIO – Fernanda Rodrigues da Silva, aos 32 anos, sonha se tornar médica. Mas ainda falta terminar o ensino médio. Aos 16 anos, ela abandonou os estudos para trabalhar e ajudar os pais, agricultores analfabetos. Agora, depois de trocar o interior do Ceará pelo Rio, vai conseguir terminar o ciclo, pois voltou a estudar no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), no Colégio São Vicente de Paulo, no Rio.

— Quero fazer um curso técnico de enfermagem e depois faculdade de medicina. Só Deus sabe onde eu vou parar.

Se ela concretizar o plano, será um feito considerável num país que só 4% dos filhos de pais sem instrução conseguem chegar à universidade. Mas o atraso escolar de Fernanda e o de muitos outros jovens que abandonam os estudos antes de concluir o ensino médio tem um preço.

O Brasil perde R$ 151 bilhões por ano ao manter 15% dos jovens entre 15 e 17 anos fora da escola, ou 1,5 milhão de jovens. Há um custo para cada um deles, impedidos de ocupar vagas com maior renda apenas com o ensino fundamental. A conta inclui também os custos para o país de ter na sua população esses trabalhadores menos qualificados.

O resultado da evasão escolar na adolescência é que, dos 3,2 milhões de jovens que completam 18 anos a cada ano, 35% não terminam o ensino médio: o equivalente a 1,12 milhão nessa condição. O custo financeiro para o país é de R$ 135 mil para cada jovem que não se forma por ano.

As contas são do economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, Ricardo Paes de Barros, que coordenou um diagnóstico sobre a educação no país:

— O custo privado mais significativo para jovens é a perda de empregabilidade e renda.

 

Perda de oportunidades

A estimativa leva em conta a perda de produtividade e competitividade do país com trabalhadores menos qualificados, mas também custos relacionados ao aumento da violência e à piora nas condições de saúde dos menos escolarizados.

— Ter 15% de jovens fora da escola é um prejuízo bilionário para o país e enorme para eles. É violação grave de direitos e um custo fenomenal para a sociedade. Depois a gente se pergunta por que não temos produtividade — afirma o economista.

Fernanda da Silva, aos 32 anos, sonha se tornar médica. Mas ainda falta terminar o ensino médio Foto: Márcia Folleto

Babá, Fernanda voltou aos estudos incentivada pelos patrões. Sempre trabalhou em serviços domésticos desde que saiu do Ceará.

— Nem procurava emprego no supermercado ou como recepcionista porque, sem ensino médio, sabia que não encontraria— diz Fernanda, moradora do Morro dos Prazeres, em Santa Teresa.

No diagnóstico do Instituto Ayrton Senna, Paes de Barros mostra que, ao fim do ensino médio, o jovem aprende só dez pontos da escala do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O ideal era que alcançasse 50.

Pesquisas mostram que cada ano a mais de estudo faz a renda subir em 10%. Os que terminam o ensino médio ganham 40% mais em relação a quem tem fundamental.

Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a evasão na faixa etária de 15 a 17 anos não será resolvida apenas com política educacional. Há pressão socioeconômica para o jovem trabalhar, mesmo que a família incentive o estudo:

—A questão econômica é prevalente. Quando vê a família necessitada, o jovem larga os estudos e vai trabalhar. Precisamos conciliar política educacional com assistencial e de saúde. A gravidez na adolescência é outro problema.

Cara afirma que dificilmente o jovem volta a estudar depois que entra no mercado de trabalho. Só se perder promoção ou o emprego e perceber que precisa se formar para se ocupar novamente.

Foi o que aconteceu com Maria Paula Gomes, que deixou a sala de aula aos 18 anos, em 2017, e não voltou. Ela estudava no Largo do Machado, na Zona Sul do Rio, e havia acabado de se mudar para a casa dos avós, no Engenho Novo, na Zona Norte, para cuidar do avô doente. Não conseguiu conciliar os estudos e o trabalho como jovem aprendiz com a responsabilidade em casa, e trancou a matrícula. Desde a morte do avô, em julho, Maria pensa em se inscrever em um supletivo enquanto tenta arrumar um emprego formal.

— Já passei por um processo seletivo e me saí muito bem, mas outra pessoa conseguiu a vaga. Tinha o certificado de conclusão do ensino médio, eu não — lamenta Maria, que trabalha como garçonete e entrega panfletos.

 

Produtividade estagnada

Essa baixa formação atinge em cheio a economia do país. Segundo Fernando Veloso, economista da Fundação Getulio Vargas, a produtividade brasileira crescia 0,5% ao ano desde os anos 1980 e ficou estagnada na crise atual:

— Universalizar a educação é uma agenda do século XX. Os países desenvolvidos conseguiram há décadas. O Brasil não fez e está despreparado para a nova agenda com uso de inteligência artificial. Tem que universalizar e ensinar novas habilidades.

Anísio Santana, de 33 anos, parou de estudar jovem e hoje é camelô no trem Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Maria Lede Gomes, de 30 anos, está desempregada há três anos. Chegou ao Rio aos 17, fugindo do interior da Paraíba, da ameaça de abuso de um irmão mais velho. Mas logo engravidou. Com dois filhos, de 13 e 9 anos, cursa o EJA na tentativa de recuperar a renda perdida com a falta da escola. Quer um emprego para se mudar da Vila do João, no Complexo da Maré.

— Eu mal sabia o meu nome direito. Minha mãe tinha perdido meu registro. Com os estudos, me sinto mais segura para lidar com as dificuldades, até mesmo me abrir, me conhecer, ter minha identidade.

O vendedor ambulante Anísio Santana, de 33 anos, pai de dois filhos,deixou os estudos duas vezes: na quinta série e no supletivo, quando chegou à metade do ensino médio:

— Não tinha mais tempo. Vendo água e cerveja no trem de meio-dia até a hora que dá. Minha esperança é voltar para ter um emprego com carteira.

 

* Estagiário sob a supervisão de Cássia Almeida