As atividades profissionais da Acadêmica Débora Foguel, que responde pelos assuntos relacionados ao tema Educação na Academia Brasileira de Ciências (ABC), são muitas. Ela é a chefe do Laboratório de Agregação de Proteínas e Amiloidoses (LAPA), no Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro, hoje com oito estudantes de iniciação científica, dois mestrandos, três doutorandos e três pós doutorandos. Além disso, é coordenadora de Educação da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE).

A Rede CpE

A ABC é uma das entidades apoiadoras da Rede Nacional de Ciências para a Educação, cujo coordenador geral é o Acadêmico Roberto Lent. A proposta é fazer pesquisa translacional em educação, como já se faz há muito tempo para a saúde. Isso significa levar os conhecimentos adquiridos no laboratório para a realidade da escola. “Não é uma rede de educação científica: é uma rede multidisciplinar com cerca de 120 pesquisadores de todas as regiões do país cujas pesquisas podem contribuir com a melhoria da educação”. Envolve pesquisas nas áreas de neurociência, linguística, psicologia, ciências de computação, economia da educação, entre outras”, explicou.

Para isso, a Rede busca identificar e conectar grupos de pesquisa pelo país, aproximando pesquisadores, educadores e gestores. Também procura estimular e conduzir pesquisas sobre aprendizado e promover experimentos em ambientes escolares, para testar hipóteses pedagógicas.

Débora conta, entusiasmada, que está montando um curso online sobre “Ciência da Aprendizagem” para a formação de professores”. E ela representa a ABC na Rede CpE, unindo assim algumas das pontas de sua própria rede.

Em nome da ABC

Também em nome da Academia Brasileira de Ciências, ela atua no Conselho Científico do Museu do Amanhã. “Estamos montando um projeto de Ciência Cidadã em torno da Baía de Guanabara, que envolve várias pessoas, de várias instituições. É um movimento inverso ao habitual, pois  tem como próposito mostrar o que o cidadão pode fazer pela ciência e não apenas o que a ciência pode fazer pelo cidadão”, explica.

Ela diz que alguns cientistas, às vezes, desenvolvem pesquisas que requerem muitas amostras, pois precisam que muitas análises sejam feitas. “Então podemos envolver a comunidade, os pescadores, os estudantes, os professores, todos podem ajudar nas coletas e se tornarem partícipes do trabalho científico”, relata, dizendo que várias ONGs que lidam com temas afins já foram ouvidas.

“Essa é uma experiência inovadora e que já está em curso em vários países do mundo com grande sucesso. E a Academia também, dando seu selo de qualidade e seria fantástico que outros acadêmicos se somassem a essa iniciativa, mesmo que em suas localidades.”

Na área da atuação internacional da ABC, ela vem participando dos encontros do Programa de Educação da Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas).  Débora já representou a ABC no encontro do Córdoba (Argentina) em 2017, onde fez uma palestra sobre educação e ciência no Brasil para uma plateia de cerca de 500 professores da educação básica argentinos. No ano passado, o encontro foi na Costa Rica, onde foram discutidas estratégias de ações conjuntas em educação em ciências nas Américas.

UFRJ doa uma aula

Débora é daquelas pessoas que se incomoda e reage positivamente. Na questão da interação da universidade com a educação básica, ela diz que ficava muito incomodada com o atual estado da educação básica brasileira e refletia sobre o papel dos professores universitários. “Nós sabemos que as coisas não andam bem e não temos conseguido contribuir de forma efetiva para mudar esse cenário”, apontou.

Ela acompanhou de perto a iniciativa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), que instituiu uma regra para os bolsistas do programa Cientistas do Nosso Estado: todos têm que dar uma aula numa escola pública por anos. A ótima ideia esbarra, porém, nos procedimentos para sua execução. “É muito difícil você entrar numa escola sem uma parceria instituída. Eu até entendo, porque tem muitos estudos realizados em escolas e com a comunidade escolar que vão desde a saúde, até aspectos pedagógicos e sociais; enfim, a gente entra na escola, mudamos toda a rotina, colhemos dados e vamos embora sem criar parcerias e sem dar retorno de nossas pesquisas. As escolas ficam meio incomodadas, o que é compreensível”, pondera Débora.

Ela pensou, então, num processo inverso:  uma plataforma onde os professores de todas as áreas da UFRJ cadastram atividades que tenham a ver com o currículo da educação básica – seja em história, sociedade, matemática, desenho, música, filosofia, saúde, ambiente etc. – e possam contribuir com o ensino médio ou mesmo ensino fundamental. Surgiu o projeto “UFRJ Doa uma Aula”. “Criamos um ‘cardápio’, em que o professor ou diretor da escola entra, seleciona a aula que deseja e aí o professor da UFRJ que oferece aquela atividade recebe um e-mail dizendo ‘sua aula foi solicitada’. Agora estamos com mais de 120 professores da UFRJ cadastrados. Mas é pouco, somos 4.000”, esclarece a bioquímica.

Débora confessa que cuidar desse programa exigiria quase seu tempo integral. Mas como não é possível, ela vai tocando o projeto da melhor maneira que pode e sonha para que o mesmo se expanda para todas as universidades brasileiras. “Eu diria que tanto a educação básica quando nós, professores universitários ganhamos com essa experiência de mão dupla. Entrar numa escola e interagir com aquela realidade muda a cabeça de qualquer um. Existem coisas fantásticas sendo feitas e muitos problemas a serem resolvidos”.

Além de coordenar o programa, ela também doa aulas. E diz que a logística de chegada e saída da escola é uma parte bem complicada. “Em geral, as escolas que solicitam as aulas são em lugares distantes, de difícil acesso e muitas vezes conflagrados”, explicou. Ela conta que teve uma reunião presencial com os professores da UFRJ participantes para conversar sobre isso, entre outros aspectos do programa. Ficou combinado que o procedimento padrão, caso o professor se sentisse inseguro, seria o de sempre chegar na escola acompanhado do professor ou gestor local que o convidou, evitando-se chegar desacompanhado.

Num relato emocionado, a bioquímica – que é pesquisadora 1A do CNPq e membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS) – contou: “Eu nem conhecia esses professores da UFRJ que estão no programa comigo. Eu divulguei o programa, eles se cadastraram. Nessa reunião presencial com eles, encontrei inclusive membros da ABC que são da UFRJ e estão no programa. E eu ouvi coisas do tipo: ‘Esse programa mudou a minha vida, eu nunca tinha ido a uma escola de periferia’.

Segundo Débora, alguns professores da UFRJ que questionam a qualidade do desempenho de alguns de seus alunos passaram a entender melhor a origem desses déficits de conteúdos, porque entraram em contato com o ensino médio e o ambiente de onde eles vêm.“Olha, aquele menino não vem à escola há três meses, porque sua família está com problema e ele tem que olhar o irmão pequeno… Aquela menina ali, é mãe e falta muito as aulas porque nem sempre tem com quem deixar seu bebê”.

Nem sempre é assim, nem todos os alunos têm problemas tão graves. Grande parte é de famílias comuns, de brasileiros médios, ganhando em média menos de dois salários mínimos. A maioria leva a vida enfrentando dificuldades no transporte público, no atendimento médico, ameaçados por enchentes, desabamentos e tiroteios, para ganhar de meio a três salários mínimos em média. Débora conta que voltou da reunião e falou para o seu grupo: “Gente, esse programa não é só pra escola, é pra cabeça do professor universitário”.

A pesquisadora – agraciada com a Ordem Grã-Cruz do Mérito Científico do Governo Brasileiro em 2018 – diz que, no momento, o programa tem suporte da Adufrj (Seção Sindical dos Docentes da UFRJ), já que esta associação envolve professores da UFRJ de todas as áreas.

Articulando ciência e arte

“Os alunos nunca foram ao teatro, nunca foram ao cinema, nunca foram a um shopping, nunca foram a nada. Não entra van nem ônibus aqui”, relatou à Débora uma professora de uma escola muito distante no município do Rio, acrescentando que essa é a realidade de muitas unidades escolares, em várias regiões do estado.

Impactada com esse contexto, Débora já está pensando em um novo projeto: `UFRJ Doa Arte e Cultura`. “A UFRJ tem curso de artes cênicas, artes plásticas, música, dança e podemos procurar mobilizar esse pessoal.” E ela pensa ainda em oferecer a plataforma para outras universidades. Para tanto, é necessário estabelecer parcerias.

“Eu não dou conta de fazer tudo sozinha, infelizmente. Precisaríamos de pelo menos de um motorista que busque os professores e leve para as escolas, assim como alguém que ligue para as escolas e diga ‘existe esse programa’…”

Fica a proposta, fica a dica. Um projeto tão importante tem tudo para conseguir bons parceiros. Vamos começar!