Leia a seguir o artigo do Acadêmico Hernan Chaimovich, para “Ciência & Matemática”, blog do Acadêmico Claudio Landim no jornal O Globo:

Palavras muito usadas possuem, às vezes, acepções distintas e, por isso, vale a pena refletir sobre o sentido de “política científica”, pois são estes termos que caracterizam o drama que vivem muitos cientistas brasileiros hoje. Proponho uma reflexão sobre o significado de estas palavras, pois quiçá assim possamos nos comunicar, evitando bate-bocas improdutivos.

Política científica se preocupa com a alocação de recursos para a produção da ciência procurando atingir o objetivo de melhor servir ao interesse público. Definida de esta forma é evidente que neste texto os termos “Política Científica” se identificam com o papel do Estado na promoção da ciência.

Os tópicos da Política Científica incluem: a) O financiamento da ciência; b) O financiamento da formação de pessoal para a ciência; c) O financiamento das carreiras de cientistas; d) A tradução de descobertas científicas em inovações tecnológicas para promover o desenvolvimento de produtos comerciais; e) A tradução de descobertas científicas para competitividade e o crescimento econômico; f) A tradução de descobertas científicas para o desenvolvimento econômico com equidade social.

A política científica enfoca a produção de conhecimento e o papel das redes de conhecimento, as colaborações e as complexas distribuições de conhecimento, equipamento e know-how. Entender os processos e o contexto organizacional de ideias inovadoras de ciência e engenharia é também uma preocupação central da política científica. A política científica também lida com todo o domínio de questões que envolvem a ciência. Uma grande e complexa teia de atores e fatores influencia o desenvolvimento da ciência e da engenharia. Esta teia inclui formuladores de políticas governamentais, empresas privadas (incluindo firmas nacionais e multinacionais), movimentos sociais, mídia, organizações não-governamentais, universidades e outras instituições de pesquisa.

Além disso, a política científica é cada vez mais internacional, conforme definido pelas operações globais de firmas e instituições de pesquisa, bem como pelas redes colaborativas de organizações não-governamentais e pela natureza da própria investigação científica.

É claro que política científica é bem mas que reflexão/ação sobre financiamento. Inclusive porque ciência para política é, especialmente hoje, um imperativo, onde a comunidade científica tem um papel insubstituível. Temas como: terra plana, importância da vacinação, terapias alternativas, distribuição de regimes tributários, entre outros, requerem a decidida participação dos cientistas na formulação de políticas científicas e no debate social sobre estes temas.

Porque o tema a ser debatido é intricado introduzo somente duas dimensões das políticas científicas, pesquisa fundamental e missões para pesquisa, para mostrar a sua complexidade.

Como lidar com a aparente tensão entre pesquisa básica, suas aplicações e implicações quando se pensa em política científica?.Antes de mais nada é conveniente usar algumas definições sobre os componentes de P&D. P&D compreende pesquisa básica (criar novos conhecimentos sem necessariamente visar uma aplicação específica), pesquisa aplicada (criar novos conhecimentos visando um objetivo prático específico), e desenvolvimento experimental (de novos produtos ou processos). Se as aplicações e as implicações, as vezes, são aparentes e resultam fáceis de justificar, o termo pesquisa básica é, muitas vezes, mal definido. Pesquisa celeste (péssima tradução de blue sky research); pesquisa de descoberta; pesquisa não orientada, pesquisa de fronteira; pesquisa fundamental. Pode ter nomes diferentes, mas há elementos constantes na pesquisa básica: a pergunta surge a partir da curiosidade de um pesquisador e o resultado é inerentemente imprevisível. Se os resultados, e/ou os impactos da pergunta são inteiramente previsíveis não vale a pena fazer a   reflexão ou o experimento.

A importância da ciência básica é tão evidente que não vou aqui me estender sobre isso. Basta dizer que nos países desenvolvidos, apesar das pressões por desenvolver políticas científicas que privilegiem somente aplicações, as percentagens de investimento exclusivo para pesquisa básical vêm se mantendo e, em muitos países, aumentando. Em média, os 35 membros da Organização de Cooperação Econômica para o Desenvolvimento dedicam 17% de seus orçamentos de pesquisa a pesquisa básica (OECD Science, Technology and Industry Scoreboard, 2017). Em todos estes países o Estado é o principal financiador da pesquisa básica, devido à necessidade de investimento contínuo a longo prazo. Pesquisa básica ajuda a se adaptar a um mercado em rápida evolução e a sua força é essencial para qualquer país que deseje continuar produzindo tecnologias de fronteira em mercados em rápida evolução. Se isso é obvio para países desenvolvidos não é evidente para países com desenvolvimento menor. A falta de visão quanto a possibilidade de enfrentar diferentes classes de desafios criando ciência básica muitas vezes escapa no mundo em desenvolvimento.

Políticas cientificas também podem ser orientadas para missão, definidas como políticas públicas sistêmicas que se baseiam em geração de conhecimento de fronteira para atingir objetivos específicos, em cronogramas bem definidos, com gestão centralizada e grande liberdade na execução. Missões se dirigem a solução de grandes problemas sociais. As missões fornecem uma solução, uma oportunidade e uma abordagem para enfrentar os inúmeros desafios que as pessoas enfrentam nas suas vidas diárias. Por exemplo: a) ter ar limpo para respirar nas cidades; b) viver uma vida saudável e independente em todas as idades; c) ter acesso a tecnologias digitais que melhorem os serviços públicos; d) ter tratamento melhor e mais barato de doenças como câncer ou obesidade; e) enfrentar o déficit habitacional. As missões requerem direção clara e soluções de baixo para cima. Para engajar a pesquisa e a inovação no enfrentamento desses desafios, deve-se dar uma direção clara, ao mesmo tempo em que permite soluções de baixo para cima. O debate sobre a direcionalidade deve envolver uma ampla gama de partes interessadas, cada uma contribuindo para as questões-chave: Quais são os principais desafios que a sociedade enfrenta; como as missões concretas podem ajudar a resolver esses desafios? Como as missões podem ser mais bem projetadas para possibilitar a participação em diferentes atores e como organizar a pesquisa de baixo para cima e a inovação em todo o sistema.

Reflexões semânticas, como a aqui apresentada, podem ajudar a planejar estrategicamente um futuro onde as condições necessárias para ser um cientista numa Instituição pública sejam melhores que as presentes.