Desde a primeira mulher a receber um diploma de graduação no Brasil, em 1887, as brasileiras ocuparam cada vez mais as instituições de ensino superior. Segundo o Censo da Educação Superior de 2016, as mulheres, que são a maior parte da população brasileira, já representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação no país. Ainda assim, este aumento não acompanhou a proporção entre homens e mulheres nos cursos de ciências exatas. O mesmo relatório mostra, por exemplo, que no curso de engenharia mecânica a participação feminina está em 10,2%, fenômeno que se repete na engenharia elétrica (13,1%) e na engenharia civil (30,3%). Então, se as brasileiras já são maioria no ensino superior, por que são tão poucas nas ciências exatas e engenharias?

Segundo a socióloga política e Acadêmica Elisa Reis – doutora em Ciência Política pelo Massachusetts Institute of Technology, professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ) e membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS) – a resposta para esta questão está nos processos e mecanismos de socialização, que “fazem tanta gente ainda acreditar que existem características intrínsecas e divisões naturais de funções na sociedade, reservando a homens e mulheres distintos caminhos para aprender e conhecer”. Para Reis, a escolha da carreira se deve muito mais a cultura apreendida durante a infância e adolescência do que a um fator biológico.

A Acadêmica alerta para os padrões de socialização no interior das famílias, nas escolas, nos meios de comunicação e em outros nichos de difusão de valores, que se prestam a recriação de mitos e preconceitos sobre habilidades e vocações diferentes para homens e mulheres.

Um exemplo disso são os brinquedos discriminados por gênero, como destaca a física e Acadêmica Yvonne Mascarenhas –  doutora em química (físico-química) e livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado pela Universidade de Harvard e professora titular aposentada do Instituto de Física de São Carlos, da USP, ainda em exercício. Ela trabalha há muitos anos com divulgação científica na educação básica, e observa: “São diferentes os brinquedos oferecidos às meninas e meninos, e as meninas tem menor contato nas atividades do pai, que tem uma cultura social mais ligada a temas tecnológicos”.

No Instituto de Estudos Avançados (IEA) – Polo São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), Mascarenhas coordena o projeto Agência Multimídia de Difusão Científica e Educacional Ciência Web, que deu origem ao Portal Ciência Web. No portal são disponibilizados vídeos, jogos e outros conteúdos multimídia como forma de complementar o ensino de ciências em escolas públicas e divulgar a produção universitária.

Em correlação com a divulgação das lutas e direitos conquistados pelas mulheres no passado e de histórias sobre o sucesso alcançado por mulheres cientistas, a Acadêmica vê nos blogs de ciência na Internet um grande aliado para despertar o interesse das meninas em ciência.

No Reino Unido, a campanha Let Toys Be Toys, concebida a partir de um segmento no site parental Mumsnet, tem alertado aos pais sobre o aumento de marketing e propaganda para crianças que reforçam estereótipos de gênero. Eles apoiam que as crianças decidam com o que brincar e também defendem que elas precisam de uma ampla gama de jogos para desenvolver diferentes habilidades.

Este é também o argumento levantado pela farmacêutica e Acadêmica Vanderlan Bolzani, doutora em ciências pelo Instituto de Química da USP, com pós-doutorado na Universidade Estadual da Virgínia, EUA, e livre-docente pelo Instituto de Química da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) , onde é professora titular.

Ela tem participado ativamente do debate sobre mulheres na ciência. “Eu fui de uma geração em que a minha mãe não queria que eu brincasse com meninos. E eu gostava das brincadeiras dos meninos, achava mais interessantes. Ficava olhando os meninos jogarem bolinha de gude. Se analisarmos friamente, esta é uma brincadeira que exige do cérebro um estímulo maior”, compartilha a Acadêmica. Ela assegura: “Quanto mais você colocar uma criança em contato com desafios, com situações que estimulem a capacidade cerebral, melhor”.

Reis lembra que, da mesma forma que perpetua o status quo, a família pode transformar crenças e valores. Bolzani observa ainda que a divulgação científica feita de forma igualitária para ambos os gêneros é também responsabilidade do Estado. “As escolas são muito importantes para colocar para meninas e meninos a importância do conhecimento, e como ele é um instrumento maravilhoso de descoberta dos segredos do mundo”, ela complementa.

Como indica a socióloga Elisa Reis, a quebra de estereótipos que segregam meninas e mulheres corresponde também ao fim de preconceitos que oprimem, de maneira reversa, meninos e homens. “Livres de tais preconceitos todos poderão exercer com mais liberdade suas escolhas, desenvolver melhor suas potencialidades e assim contribuir, plenamente, para o avanço do conhecimento científico e do bem-estar da sociedade”.

Iniciativas aproximam meninas das ciências exatas

Apresentando-se como alternativas aos ambientes que reforçam escolhas de carreira baseadas nos estereótipos de gênero, universidades, institutos científicos e ONGs tem oferecido ao público projetos e atividades de iniciação nas ciências exatas para meninas. Conheça alguns exemplos:

Tem Menina no Circuito

Coordenado por professoras do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o projeto propõe oficinas de eletrônica têxtil e em papel para alunas do ensino médio. Nessas oficinas, as adolescentes fazem desde circuitos elétricos simples a sistemas mais complexos que podem ser como conjuntos de LEDs e motores que respondam a estímulos sonoros. O trabalho realizado nas oficinas pode ser facilmente relacionado ao conteúdo de física do ensino médio, na parte de eletricidade e magnetismo.

Meninas Olímpicas do Impa

Criado pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o programa visa promover a efetiva presença de meninas em atividades ligadas à matemática, inclusive nas olimpíadas escolares, para que elas possam se interessar e desenvolver carreiras no âmbito científico e tecnológico.

Ainda em fase de desenvolvimento, o projeto contará com a participação de cinco escolas públicas do estado do Rio de Janeiro e será coordenado por Leticia Rangel, docente aposentada do Colégio de Aplicação da UFRJ. Serão desenvolvidas, em cada escola, atividades motivadoras e educativas complementares para turmas de alunas. A ideia é que os encontros sejam semanais. Também acontecerão sessões de preparação das alunas para as olimpíadas escolares, além de visitas das escolas participantes ao Impa para atividades como palestras e oficinas.

ELAS nas Exatas

Resultado de uma parceria entre o Fundo ELAS, único fundo voltado exclusivamente para a promoção de direitos de mulheres no Brasil, o Instituto Unibanco e a Fundação Carlos Chagas, o Programa ELAS nas Exatas tem por objetivo incentivar projetos que estimulem meninas a se envolverem com as ciências exatas e tecnológicas, sensibilizando a gestão escolar para transformar o cenário de desigualdade de gênero existente no Brasil.

O Programa ELAS nas Exatas investiu R$ 553 mil em projetos inovadores que, em apenas 1 ano, alcançaram: mais de 1 mil beneficiárias diretas; mais de 12 mil beneficiárias indiretas; 10 escolas públicas; 18 organizações da sociedade civil; e 10 instituições governamentais.