Mostrar à sociedade o papel fundamental da ciência, da tecnologia, da inovação e do meio ambiente para o desenvolvimento do Brasil foi um dos caminhos apontados no Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) para evitar retrocessos e buscar avanços para estes campos no novo governo, que se iniciará em 1º de janeiro de 2019. Com a presença do presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, e do diretor do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Sérgio Besserman Vianna, o evento foi realizado no dia 8 de novembro, no campus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro. A atividade foi integrada ao VI Encontro do IOC e contou com o apoio da Presidência da Fiocruz.

“O tema deste encontro é ‘Ciência, tecnologia, inovação e meio ambiente no novo governo: the day after’. Passadas as eleições, estamos num ponto de inflexão entre dois governos e precisamos iniciar o debate sobre o futuro”, afirmou, na abertura do evento, o Acadêmico Renato Cordeiro, que coordena o Núcleo de Estudos Avançados do IOC juntamente com a pesquisadora Maria de Lourdes Oliveira.

Além da interlocução com governo, encontro destacou necessidade de diálogo com diferentes setores da sociedade para expandir investimentos. Foto: Gutemberg Brito

De acordo com o detalhamento apresentado pelo presidente da ABC, do total de R$ 15,3 bilhões previstos para o MCTIC em 2019, R$ 5,2 bi estão contingenciados, ou seja, são recursos que serão retidos pelo governo. Outros R$ 1,3 bi representam gastos com Inversões Financeiras, que incluem a aquisição de imóveis, cotas de empresas e outros bens, que tiveram um aumento de 758% em relação a 2018. Assim, a parcela para as despesas correntes ficará em R$ 3,7 bi, correspondendo a uma redução de 10% em relação ao orçamento desse ano. Nesse pacote, entram as bolsas e o edital universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ao todo, o órgão sofreu um corte de 14%, fechando com orçamento de R$ 1,2 bi. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) terá o montante de R$ 4 bi no próximo ano, uma elevação de 0,7%. Já a verba para investimentos, que inclui as despesas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), teve um acréscimo de R$ 100 milhões, alcançando R$ 654 mi.

Fatia do bolo
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, destacou que para atingir a meta anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro de elevar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para 3% do Produto Interno Bruto (PIB) será necessário rever a destinação de verba para a área já no próximo ano. O pesquisador apresentou detalhes do Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2019. Segundo ele, apesar do aumento no orçamento total para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), haverá redução das verbas para pesquisa e desenvolvimento. “O problema está no orçamento destinado para custeio e capital, aquele que representa o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Em 2019, teremos cerca de R$ 4,3 bilhões, incluindo os investimentos da Finep. Em 2018, tínhamos R$ 4,7 bilhões. Já houve um decréscimo”, enfatizou Davidovich.

Apesar do aumento no orçamento total do MCTIC em 2019, haverá redução das verbas para pesquisa e desenvolvimento, aponta Luiz Davidovich. Foto: Gutemberg Brito

O presidente da ABC apontou que países como China, Coreia do Sul, Ruanda e Eslovênia têm investido fortemente em Ciência e Tecnologia. Ele também lembrou a experiência recente dos Estados Unidos, em que o presidente Donald Trump enviou ao congresso norte-americano um orçamento com cortes severos na área. Em resposta, num movimento bipartidário, congressistas republicanos e democratas anularam os cortes e acrescentaram U$$ 20 bilhões de dólares ao orçamento. “Pode-se dizer de maneira muito genérica que, em parte, isso reflete a sensibilidade do congresso norte-americano em relação à importância da C&T para o desenvolvimento dos Estados Unidos e para o protagonismo internacional do país. Mas tem mais do que isso. Além do PIB norte-americano, as grandes empresas dos Estados Unidos pressionam o congresso para financiar as pesquisas básica e aplicada nas universidades e institutos do país. Isso falta no Brasil. São poucas as empresas nacionais que fazem esse tipo de mobilização”, explicou.

Davidovich comentou ainda a escolha do astronauta Marcos Pontes para assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações no próximo governo. “O ministro indicado tem mostrado boa vontade para conversar com a comunidade científica. Mais do que isso, tem mostrado o desejo de aumentar substancialmente os investimentos na área. É uma obrigação da comunidade científica conversar com o novo governo, apresentar propostas de políticas públicas e estudos que foram feitos sobre vários itens”, afirmou o pesquisador.

Riscos e oportunidades
O diretor do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Sérgio Besserman Vianna, também defendeu a interlocução com o novo governo. “Com qualquer governo, temos a obrigação republicana do diálogo, de trabalhar juntos onde houver convergência e de atuar no debate político onde houver divergência”, afirmou. O economista ressaltou que os desafios gerados pelo aquecimento global representam oportunidades para o Brasil e, especialmente, para a ciência nacional. “Precisamos comunicar a relevância da ciência e não temos feito um bom trabalho. Nas próximas duas ou três décadas, vamos fazer escolhas mais relevantes para o futuro da humanidade do que tudo que aconteceu no século XX. A ciência tem um papel crucial nesse momento, não só para fornecer respostas para os desafios das mudanças climáticas, mas para ganhar a opinião pública global”, disse.

Besserman enfatizou que para convencer a sociedade, assim como os governantes, da urgência das ações contra as mudanças climáticas – e do papel fundamental da ciência – é preciso deixar claro que o fenômeno não representa um risco para a natureza, mas sim para a humanidade. “A Terra já passou por cinco grandes extinções e, após cada uma delas, a natureza se refez, com mais biodiversidade do que havia antes. Se houver uma nova grande extinção, a ciência ensina que em cinco a dez bilhões de anos, a biodiversidade estará novamente no planeta. Mas a humanidade não vai mais estar aqui”, ponderou.

Para Sérgio Besserman, relevância da ciência se torna ainda maior para o Brasil diante das mudanças climáticas. Foto: Gutemberg Brito

Entre outros dados, o diretor do Jardim Botânico citou que três dos nove limites do planeta – apontados como fronteiras seguras de atuação humana para evitar mudanças irreversíveis do ecossistema terrestre – já foram ultrapassados. Segundo ele, o primeiro limite ultrapassado está ligado ao excesso de moléculas de nitrogênio e fósforo, que são usadas como fertilizantes na agricultura e chegam aos oceanos, provocando a morte da vida marinha e reduzindo a capacidade de absorção de moléculas do carbono, o que contribui para o aquecimento global. O segundo diz respeito à redução da biodiversidade, que além de representar a perda de formas de vida que poderiam dar origem a descobertas de medicamentos e outros produtos, também implica no fim de serviços ecossistêmicos importantes para a humanidade, tais como a regulação dos regimes de chuva, fundamentais para o abastecimento de água nos centros urbanos. O alto índice de emissões de carbono, resultante principalmente da utilização de combustíveis fósseis, constitui o terceiro limite planetário ultrapassado, sendo o acúmulo de moléculas de carbono na atmosfera a principal causa do aquecimento global.

Para o especialista, nos três casos, há possibilidade de expandir a inserção competitiva do Brasil na economia mundial, mas o investimento na ciência é uma condição fundamental para atingir esse potencial. “O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e pode produzir sem usar fosfato nitrogenado. Porém, tem que desenvolver biotecnologia. Possuímos a maior biodiversidade do planeta, o que representa uma oportunidade gigante, especialmente considerando que, na Amazônia, por exemplo, só 4% das espécies são conhecidas. Por fim, na transição para uma economia de baixo carbono – que vai ter que ocorrer para evitar um aquecimento acima de 2°C com riscos muito elevados para a humanidade – só existe um país do mundo que ganha competitividade: o Brasil, que tem a matriz energética renovável mais barata. Depende da ciência conseguir demonstrar que através desses três caminhos temos uma ponte para o desenvolvimento do país”, afirmou Besserman.

Debate: articulação como palavra-chave
Planejamento orçamentário, parcerias entre instituições públicas e iniciativa privada e a importância da articulação com o novo governo foram destaques do debate realizado após as palestras. O vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz, Marco Krieger, destacou o planejamento de ações com o objetivo de preservar as atividades finalísticas da instituição. “Tomamos a decisão de que com o mesmo orçamento iríamos aumentar nossa capacidade de investimento nas áreas consideradas finalísticas. Nos últimos dois anos, tivemos um aumento de R$ 121 milhões para R$ 156 milhões nessas atividades, mesmo sem ter tido elevação no orçamento como um todo”, ressaltou Krieger, que participou do encontro representando a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima.

Coordenador da estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, Paulo Gadelha ressaltou a necessidade de construção de alianças e lembrou a experiência da Fiocruz na elaboração do projeto do Complexo Econômico e Industrial da Saúde. “Conseguimos ampliar a sustentação entre a demanda social da saúde, a base produtiva industrial do país e o processo de inovação”, disse.

O diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, destacou o potencial do diálogo entre a comunidade científica e a iniciativa privada. Foto: Gutemberg Brito

Davidovich ponderou que é preciso ir além da concepção de política econômica unicamente como equalização entre receitas e despesas. “A política econômica é muito importante e precisa ser pensada de maneira multidisciplinar”, afirmou, acrescentando que a articulação com o setor empresarial também tem sido foco de ações da ABC. “Temos organizado encontros com as indústrias farmacêutica, química, de energia, entre outros setores, para conhecer os gargalos das empresas e estabelecer alianças”, completou. A interlocução com o setor agrícola também foi apontada como um caminho por Besserman. “A agricultura no Brasil é muito heterogênea e a preocupação com a sustentabilidade não é apenas um interesse de ambientalistas”, afirmou.Já o diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, destacou que a articulação entre a comunidade científica e a iniciativa privada ainda é um campo a ser explorado. “Instituições que representam a ciência, como a ABC, poderiam buscar um caminho via empresários para tentar sensibilizar o congresso nacional da relevância dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, como é feito nos Estados Unidos?”, questionou. A pesquisadora Tania Araújo-Jorge, chefe do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC, ressaltou ainda a importância da integração entre as diversas instituições de ensino e pesquisa do país e lembrou o convênio entre o IOC e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC). A iniciativa possibilitou a formação de 19 novos doutores na Amazônia [relembre].