Marcus Lacerda, Yvon Le Maho, Jean Luc Imler, Daniele Medeiros e João Batista Calixto

No dia 7 de junho, a sessão sobre saúde humana do Simpósio Brasil-França sobre Biodiversidade, realizado em Manaus pela ABC em parceria com a Academia de Ciências da França, reuniu especialistas com diferentes abordagens do tema.

Avanço no conhecimento requer parcerias diversificadas

O médico Marcus Vinicius Lacerda, que coordena o Centro Internacional de Pesquisa Clínica em Malária em Manaus desde 2007 e atua como diretor de Ensino e Pesquisa da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD, falou sobre doenças tropicais. Segundo ele, diversas destas doenças apresentam relevância na região amazônica. Entre elas, se destacam malária, febre amarela, leishmaniose, dengue, zika, chikungunya e doença de Chagas.
Ele falou sobre a pesquisa sobre malária, que tem uma rede de colaboração em pesquisa centrada no sudeste do país, embora a maior parte dos casos esteja concentrada ao norte. “O número de casos no Brasil vem caindo. Mas não na Amazônia”, apontou Lacerda.

Ampliar o financiamento de pesquisa para que se desenvolva realmente uma ciência da erradicação da doença é fundamental, na visão do cientista. “São poucas as drogas conhecidas que combatem a malária. A vacina tem pouca eficácia e há uma grande descrença da população em relação às possibilidades de erradicação efetiva da doença”, observou o palestrante.

Lacerda ressaltou a importância de fomentar a diversificação das parcerias em pesquisa para avançar no conhecimento sobre a doenças tropicais. Ele integra o Expert Scientific Advisory Committee (ESAC) do Medicines for Malaria Venture (MMV) e da World Wide Antimalarial Resistance Network (WWARN).

Legislação brasileira impede a pesquisa da biodiversidade amazônica

O vice-presidente da ABC para a Região Sul, João Batista Calixto , dirige o Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP) em Santa Catarina. Suas principais áreas de atuação são etnofarmacologia, farmacologia autonômica e farmacologia bioquímica e molecular.

Em sua palestra, Calixto explicou que grande parte dos medicamentos é derivada de micro-organismos, plantas e animais. “Uma vez que a biodiversidade do Brasil é gigante, há grande potencial para o desenvolvimento de medicamentos a partir de produtos naturais”, apontou o Acadêmico.

Ele esclareceu que os produtos naturais são usados como fontes de agentes terapêuticos diretos, como drogas puras e como fitoterápicos. “Estes produtos servem também como matéria-prima para a elaboração de drogas semissintéticas”, disse Calixto, destacando que as plantas podem ser utilizadas como marcadores taxonômicos para a descoberta de novas drogas. “Hoje, 60 a 80% das drogas antibacterianas e anticâncer são derivadas de produtos naturais”, destacou.

No entanto, o Brasil não possui um programa robusto para explorar sua biodiversidade e gerar conhecimento científico de alto nível. E há dificuldades grandes para desenvolver pesquisas na área. Primeiro, porque não há uma legislação específica para controlar e facilitar o acesso às fontes biológicas em seus habitats naturais. Depois, porque é realmente difícil isolar, purificar e caracterizar quimicamente os compostos ativos, sendo este processo muito mais demorado do que o desenvolvimento de drogas sintéticas.

Ele citou diversos exemplos de parcerias com empresas no desenvolvimento de produtos cosméticos e fitoterápicos a partir do abacate, do babaçu, do cacau, do coco, do murumuru, do buriti, do açaí, do cajá e outros frutos.

“É importante que a legislação brasileira, em especial aquela que rege o acesso a biodiversidade, deixe de impor entraves burocráticos à pesquisa que visa o desenvolvimento de medicamentos a partir de produtos naturais”, defendeu Calixto.
Ele reforçou, por fim, a necessidade de um projeto estratégico de longo prazo do Governo Federal que ofereça condições adequadas para os pesquisadores terem acesso ao conhecimento genético para propósitos científicos e para inovação tecnológica, com facilidades para a geração de patentes.

Novos arbovírus introduzidos no país impactam a saúde pública

A pesquisadora em saúde pública do Instituto Evandro Chagas, em Belém do Pará Daniele Barbosa Medeiros é membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (2018-2022).

Ela explicou que as arboviroses apresentam forte impacto na saúde pública brasileira. “Surtos recentes de chikungunya, zika, e febre amarela são exemplos disso, e novas introduções de doenças podem acontecer”, alertou.

Além de enfoques de cunho médico, abordagens ambientais são essenciais para o entendimento dos ciclos de transmissão e de estratégias de mitigação dos impactos de arboviroses. “Para melhor compreender o comportamento destas doenças, é importante prestar atenção à Amazônia”, observou, destacando que antes do surto de febre amarela de 2016 o último caso registrado da doença no país havia ocorrido em 1942. “E o surto ocorreu muito mais amplamente na região amazônica, porque o vírus se adaptou muito bem ao ecossistema”, alertou a pesquisadora, apontando que isso pode acontecer com outros arbovírus mais à frente.

Drástica redução na população de pinguis-rei

O ecofisiologista francês Yvon Le Maho é diretor emérito de Pesquisa da Universidade de Strasbourg. Seu trabalho trata da adaptação de vertebrados marinhos às mudanças ambientais, com foco nos impactos do aquecimento global na população de pinguins-rei.

A biodiversidade é uma valiosa e ainda pouco explorada fonte de informação biomédica. Estudos envolvendo animais como ursos e pinguins-rei com o uso de robôs têm servido como exemplos de como podemos aprender a partir da fisiologia de organismos de vida livre.

Seus resultados de pesquisa indicam uma queda de 40% nos nascimentos destes pinguins nos últimos dez anos. Além disso, houve uma queda de 16% na sobrevivência de animais adultos e de 50% nos filhotes até três anos.
Yvon Le Maho, que é membro da Academia de Ciências da França, na seção de biologia integrativa, defendeu que a fisiologia de animais constitui uma promissora fonte de informação biomédica a ser explorada.

Manipulação genética de mosquitos podem impedir novas epidemias

O engenheiro Jean Luc Imler é diretor do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade de Strasbourg, na França. Desenvolve colaboração com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre a interação entre mosquitos e os vírus que transmitem doenças aos seres humanos, como a dengue e chikungunya.
Ele relatou que a pesquisa sobre o controle genético de infecções virais tem avançado muito nos últimos anos, em virtude do uso de moscas do gênero Drosophila como modelos de estudo.

A informação sobre biodiversidade de vírus, segundo Imler, pode ajudar a entender a dinâmica da competência dos vetores, a descobrir ferramentas virais para manipular mosquitos e assim prevenir epidemias de novos vírus.
“A biodiversidade representa uma fonte promissora de moléculas que exercem papeis-chave na resistência e resposta imune ao mais diversos tipos de infecções”, concluiu o palestrante.