A ABC começou a receber os pré-candidatos à Presidência da República em sua sede para debater com membros da comunidade científica e jornalistas documento com propostas para um plano de Estado em ciência, tecnologia e inovação. Todos os pré-candidatos estão convidados.

A Academia defende que os setores da sociedade contribuam para a construção dos programas políticos para o país e cobrem os compromissos assumidos em campanha após a eleição.

O primeiro encontro foi realizado em 18 de junho, com a pré-candidata Manuela D’Ávila. Nascida em Porto Alegre, em 1981, a jornalista é filiada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Foi deputada federal pelo Rio Grande do Sul entre 2007 a 2015 e líder de seu partido na Câmara dos Deputados, em 2013. Exerce atualmente o mandato de deputada estadual.

Acompanhada por membros da sua equipe, pelo presidente estadual do PCdoB-RJ, João Batista Lemos e pela deputada federal Jandira Feghalli, Manuela foi recebida pelo presidente da ABC Luiz Davidovich  e por uma plateia cheia. Foram registradas as presenças dos Acadêmicos Alexander Kellner , Carlos Alberto Aragão , Diógenes Campos , Edmundo Albuquerque de Souza e Silva , Edson Watanabe , Fernando Rizzo , Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira , Jerson Lima da Silva , José Murilo de Carvalho , José Roberto Boisson de Marca , Lucia Previato, Luiz Bevilacqua , Nicim Zagury , Otávio Velho , Paulo Diniz, Ronald Shellard  e Wanderley de Souza . Estavam presentes também a representante da Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG) Danielle Balbi; Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); e Fernando Lins, diretor do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem).

O presidente da ABC abriu a sessão demonstrando contentamento em começar a série de encontros com pré-candidatos que tem como objetivo a inserção de pautas de ciência tecnologia e inovação nos programas de governo, visando o desenvolvimento do país. Ele mostrou os documentos da ABC disponíveis no site com recomendações para educação em todos os níveis de ensino e destacou que no Brasil a ciência é feita por um número pequeno de pessoas, e que o problema começa na educação básica que, em vez de remover as diferenças sociais, as reforça. “Milhões de cérebros de brasileiros são desperdiçados nas favelas, nas periferias, nos mangues, nos sertões. A inclusão social tem que ser uma prioridade, pois o talento não escolhe onde nascer”, reforçou Davidovich.

Ele mostrou grandes feitos da ciência brasileira na agricultura, na área do petróleo com o pré-sal, na aviação, no enriquecimento de urânio e muitas outras contribuições expressivas que ecoam na melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro. Diversos estudos, de acordo com o presidente da ABC, demonstram o alto impacto dos investimentos em CT&I. No entanto, o país conta com muito pouco investimento privado na área, ao contrário dos países que tiveram expressivo e rápido crescimento recente, como a Coreia do Sul. “Menos de 1% das empresas brasileiras utilizam a Lei do Bem, por exemplo, que foi criada para incentivar o investimento privado em pesquisa e desenvolvimento”, apontou Davidovich. E isso se reflete no lamentável processo de desindustrialização por que o país vem passando. Cada vez mais o Brasil é refém das commodities.

O físico apresentou dados que mostram a queda brusca no financiamento de CT&I: os recursos realmente disponíveis hoje correspondem a um terço dos recursos de 2013. Ou seja: o país está andando para trás. Em fases de crise, a China, a Índia e a Rússia cortaram gastos de forma não linear, aumentando os investimentos em CT&I, porque sabem que essa é a fórmula para sair da crise. O Congresso norte-americano, inclusive, deu uma grande demonstração de força e de consciência recentemente aumentando em 20 bilhões de dólares o orçamento previsto para CT&I pela Casa Branca. “Mas aqui, não. O corte horizontal é uma prova lamentável de incompetência, mostra que não há uma agenda nacional de desenvolvimento sustentável.”

As agências de financiamento das áreas de CT&I e educação – Finep, CNPq e Capes – foram severamente atingidas com os cortes no orçamento da União. “E isso simplesmente impede a inovação no país. O Brasil agora está em último lugar nos BRICs em termos de desenvolvimento”, apontou Davidovich.

Ele passou então a palavra à convidada Manuela D’Ávila, para que ela expusesse suas reflexões sobre o tema.

A jornalista apresentou sua equipe, que conta com o cientista político Luis Manuel Rebelo Fernandes, ex-presidente da Finep (2007-2011; 2015), como coordenador de Programa de Governo. Ela relata que seu partido não indicava candidato à presidência desde a década de 40 e que ela se sente honrada pela pré-candidatura.

Manuela concordou com a análise apresentada de que há um projeto de desmonte do Estado, focado principalmente nas instituições ligadas à ciência, tecnologia, inovação e educação. O ensino superior público está sendo destruído, e ela credita esse movimento ao fato de termos uma elite financeira antinacionalista no Brasil.

“Nosso programa está sendo construído sobre a pauta da ciência, tecnologia, inovação e educação. Sobre democratizar o conhecimento, visando a saída desta crise. Mas o empobrecimento da população está se dando numa velocidade inacreditável”, alertou Manuela.

Ela destacou dados do jornal Folha de S.Paulo mostrando que 62% dos jovens brasileiros gostariam de sair do país. “Este desmonte da educação superior em dois anos vai contra todos os indicadores internacionais. O mundo está no ápice do desenvolvimento tecnológico e o Brasil andando para trás. Basta conferir o aumento de 70% nas ocorrências de queimaduras nos hospitais, devido ao aumento exponencial do número de brasileiros que voltou a usar lenha e álcool para cozinhar, dado o aumento extorsivo do preço do bujão de gás”, pontuou.

Manuela mostrou-se preparada: destacou que a média de investimento do PIB em CT&I nos países desenvolvidos é de 2%, enquanto que no Brasil é de menos de 1%. “Cortar essas áreas e na educação é o caminho para continuar ou piorar a situação”, ressaltou, dizendo que seu programa visaa recomposição da capacidade de investimento público através da tributação par aos mais ricos. “Temos que tributar grandes fortunas, heranças, lucros e dividendos. O Brasil tributa os mais pobres através do consumo e a classe média através do Imposto de Renda. Só quem sonega são os mais ricos”.

Sobre o grave processo de desindustrialização do país, Manuela não só concordou como acrescentou um dado: o nível de industrialização no Brasil hoje é igual ao de 1947. Ela diz que considera mexer nos juros e no câmbio, e que os parâmetros para o nosso país não devem ser os mesmos dos países desenvolvidos. “Precisamos sim de inovação tecnológica, mas precisamos também de indústria tradicional, básica, focada em infraestrutura. Queremos estimular os investimentos privados no país para reduzir a dificuldade em pesquisar, em patentear, enfim, em gerar desenvolvimento sustentável. Queremos qualificar a população para garantir os recursos humanos estratégicos para o desenvolvimento nacional.”

Assista a transmissão do debate na íntegra.