valor_edit.jpgEste é um cenário muito provável para as eleições de 2018: o de uma guerra de informações, com duas dimensões fundamentais: o conteúdo e o dispositivo. Neste ano eleitoral, essa guerra se espalhará por todos os fronts, televisão, jornais, rádio e Internet – em particular a internet, que independe de lugar ou de horário. As notícias chegam pelo celular, no ônibus, no metrô ou no carro. Chegam pelo WhatsApp, pelo Google, pelo Facebook, pelo Twitter e atingem mais de 100 milhões de brasileiros. Chegam no trabalho, chegam na escola ou no bar. Chegam pela manhã, chegam à noite, chegam de madrugada, sem horário definido como nos noticiários de TV e rádio. O celular será o campo central dessa guerra. Em relação ao conteúdo, a internet desponta como um veículo chave nas eleições, justamente pela possibilidade de distribuir com baixo custo qualquer tipo de informação, sem um controle “editorial”. Além disso, as campanhas irão explorar a velocidade de distribuição de informação nas mídias sociais que, com a dinâmica permitida pelos celulares, é quase instantânea.
A recente experiência eleitoral em países como Estados Unidos e Reino Unido revelou que parte significativa do conteúdo na internet deverá ser marcado pela desinformação, intolerância, boatos e notícias falsas, as chamadas “fake news”. Uma guerra de informações que busca alcançar todo e qualquer cidadão, independente de classe social ou econômica, com um objetivo muito claro: influir sobre seu voto.
Ainda que haja uma percepção de gravidade e urgência em relação a este quadro, de certa forma retro-alimentada por recentes resultados eleitorais em outros países, há também um grande risco em agir apressada e desmesuradamente para tentar remediar uma situação cujo diagnóstico não é absolutamente claro. Um recente relatório do prestigioso instituto americano “Pew Research” mostra que a maioria dos especialistas consultados acredita que nos próximos dez anos o ambiente online continuará disseminando notícias falsas e desinformação.
Tomando-se como parâmetro algumas movimentações que já se verificam no Brasil, como tentativas de conter e punir a disseminação de notícias falsas ou mesmo os recorrentes alarmes sobre a atuação de agentes inteligentes que interferem na propagação de informação (os “bots” em redes sociais), parece ser o momento de respirar fundo e agir com cautela. Há risco concreto de se adotarem medidas que possam reduzir a livre circulação da informação e afetar a liberdade de expressão no país.
O cerne do problema da manipulação de informações está na alteração deliberada do fluxo informacional por agentes interessados em determinados resultados. Isto pode ser obtido por uma ampla gama de técnicas: seja pela propagação de notícias falsas como por outras práticas de desinformação, como o posicionamento de fatos verdadeiros sob uma ótica vexatória ou acusatória, pela cuidadosa segmentação de pontos de vista entre diferentes públicos ou pela mera cobertura não isonômica e parcial de fatos verdadeiros pela mídia.
Há risco de ações apressadas para tentar remediar uma situação cujo diagnóstico não é absolutamente claro
As iniciativas para desinformar e polarizar eleitores serão intensas na internet, principalmente nas redes sociais, onde é sempre possível segmentar a propaganda eleitoral e o fluxo informacional. Resta então a pergunta: o que pode ser feito para evitar esse cenário nas eleições de 2018?
O fato de que em outros países não tenha surgido uma “bala de prata” – uma solução clara e precisa para o problema – é representativo da dificuldade em abordá-lo. Isto não deve, porém, ser tomado como um convite à inação; há providências de curto e longo prazo que podem ser tomadas. Primeiro, reconhecer o problema da guerra das informações como uma vertente moderna das técnicas de desinformação, que demandam uma análise rigorosa de todo o ecossistema da informação.
Há também providências que, ainda que não tenham efeitos imediatos, são imprescindíveis para o encaminhamento da questão à médio e longo prazo. Uma delas é a elaboração de garantias legais e concretas para a proteção de dados pessoais dos cidadãos brasileiros – tema que tramita na Câmara dos Deputados (PL 5276/2016) e no Senado Federal (PLS 330/2013).
A situação é diretamente conectada: muitas das técnicas de desinformação hoje utilizadas devem sua eficácia justamente ao fato de que são endereçadas a grupos de cidadãos (eleitores) devidamente identificados e selecionados pelos seus dados pessoais. Não por acaso, pesquisas revelam que o potencial efeito das “fake news” teve peso muito menor nas recentes eleições realizadas na França e na Alemanha do que nas eleições americanas muito provavelmente pela menor disponibilidade de informações sobre os eleitores franceses e alemães, países em que há leis de proteção de dados pessoais e privacidade que garantem ao cidadão maior controle sobre suas informações.
Uma das fontes de desinformação são os dados que são “hackeados” por adversários políticos e que acabam sendo distorcidos e usados para desinformar. À medida que as campanhas tornaram-se cada vez mais digitais, é necessário proteger as informações de candidatos e partidos políticos. Após os problemas na eleição de 2016, a Escola de Governo em Harvard criou um guia prático (i.e., Cybersecurity Campaign Playbook) de medidas que os políticos devem seguir para mitigar os riscos de ataques de “hackers”. Outra providência é o fortalecimento da educação para as mídias e informação (a chamada midia literacy), procurando fornecer ao cidadão instrumentos para que possa, autonomamente, localizar-se e utilizar livremente os recursos em uma sociedade na qual a informação é superabundante.
Virgílio Almeida é professor associado ao Berkman Klein Center na Universidade de Harvard e ex-secretário de política de informática no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação de 20112015.
Danilo Doneda é doutor em direito civil, advogado, professor no IDP e especialista em privacidade e proteção de dados.