marceloviana_edit-2.jpgO estudo “Expectativas de brilho determinam distribuição de gênero nas diferentes disciplinas” (em tradução livre do inglês), publicado em janeiro na revista “Science”, afirma que mulheres estão menos presentes nas áreas do conhecimento em que se acredita que brilho e talento inato sejam mais importantes do que trabalho e esforço.
É comum dizer que homens vão para ciências e mulheres para humanidades. Mas a realidade é mais complexa: existem fortes variações dentro dos dois campos.
Há poucas mulheres em matemática, física e computação, muitas em biologia e neurociência. Mulheres são maioria em psicologia e história, e raridade em filosofia e economia.
A conclusão do estudo é que uma crença generalizada, e não fundamentada, de que mulheres não dispõem desse talento inato faz com que elas evitem as disciplinas em que se supõe, certo ou errado, que brilho intelectual seja indispensável.
Como acabar com um estereótipo cultural que priva muitas áreas da ciência da contribuição de metade da humanidade?
Os autores chegam a sugerir que o jeito de atrair mulheres para as disciplinas “difíceis” seria valorizar menos o brilho intelectual, enfatizando mais a importância do trabalho duro. Não acho que seja por aí.
Em artigo publicado no jornal “The New York Times”, minha colega Amie Wilkinson, professora titular na Universidade de Chicago, destacou a importância dos exemplos (“role models”): a melhor forma de assegurar a uma jovem interessada em ciência que ela está no lugar certo é por meio de outras mulheres, bem-sucedidas e felizes na carreira científica.
A leitora Luiza Ramos, mestranda em filosofia na UnB, expressou ideias muito parecidas em mensagem que me enviou ao final de 2017, lamentando a escassez de tais exemplos em sua área: “tive muito mais professoras quando estudei engenharia do que na filosofia”.
Luiza me apresentou ao projeto “A Menina que Calculava”, iniciativa fantástica lançada há um ano por um grupo de jovens mulheres da área de Brasília, com o objetivo de “fazer as meninas se sentirem confortáveis nas áreas de exatas!”
A provocação inicial partiu de Erica Oliveira, licenciada em física e professora da rede pública do DF. Grande fã, como eu, do seriado “Cosmos”, do astrônomo Carl Sagan. Angustiada com “um ambiente predominantemente masculino, que se mostra cada vez mais excludente para mulheres”, em janeiro de 2017 Erica postou um desafio no Facebook: “Mulheres de Brasília em cursos de exatas, vamos fazer um projeto voluntário para meninas de escolas públicas?”.
Entre as muitas que responderam estava Lilah Fialho, graduada e doutoranda em física na UnB. “A partir daí, Lilah encabeçou magistralmente a administração geral do projeto, tanto que após um mês já estávamos atuando”, explica Erica. Confira aqui o projeto.
“A Menina que Calculava” oferece a escolas monitorias gratuitas em matemática e outras matérias de exatas, para turmas de meninas organizadas pelo próprio colégio. A maior adesão tem sido no nível do ensino fundamental: “Achamos isso maravilhoso, pois percebemos que as barreiras que afastam as meninas da ciência começam cedo!”, afirma Lilah.
O projeto já conta com cem monitoras cadastradas, estudantes de graduação e pós-graduação, que vão às escolas dar aulas. São todas mulheres. “Queremos que as meninas tenham visão de um exemplo feminino como professora e amiga, uma mulher que sabe matemática e está ali para ensiná-las.”
Mas homens são bem-vindos a colaborar no planejamento de exercícios e na administração do projeto.
Ana Luisa Brito, estudante do último ano de engenharia ambiental, e Mariana Sabino, engenheira civil e mestranda em arquitetura e urbanismo, ambas da UnB, são monitoras, como Luiza. Elas consideram justificado um projeto para meninas.
“Existe a ideia de que homens têm maior facilidade com exatas e por isso eles são mais direcionados para esses cursos”, explica Mariana, realçando a importância de que mulheres tenham igual acesso e oportunidade de interesse.
Ana Luisa reforça: “O mundo é machista e as meninas vivem essa realidade desde muito cedo. É preciso mostrar às meninas que elas também podem ter o mundo”.
Sentem-se gratificadas pelo reconhecimento das alunas, “que valorizam e nos tomam como exemplo”, segundo Mariana. Luiza afirma que o projeto também é bom para as monitoras: “me ajudou a ter mais confiança e motivação”.
Maria Laura Perpétuo e Hemilly Victória Almeida, ambas do 7° ano do CEF 02 de Brasília, são alunas do projeto. Maria Laura vê “A Menina que Calculava” como uma grande porta para o futuro. “Ganhei mais interesse em trabalhos que contêm grande parte de matemática”, afirma. Para ela, a iniciativa se justifica porque, em sua opinião, poucas meninas gostam de matemática.
Hemilly, que pretende ser médica, conta que o projeto a ajudou muito: “Mudei algumas formas de pensar matemática”. Quando perguntei “por que só para meninas?” respondeu, rindo: “Acho que é porque meninas aproveitam melhor, são mais interessadas”. E voltou para se divertir no churrasco de Carnaval.
Ao final de 2017, “A Menina que Calculava” já dava monitoria para 250 meninas por semana, em 12 escolas de Brasília e cidades vizinhas (sete escolas mais aguardavam disponibilidade de horários). Há esforços em curso para ampliar o projeto a outras regiões do país. Tomara que essa moda pegue!
UM ANO DE MATEMÁTICA NA FOLHA
Com o artigo de hoje, esta coluna completa 52 semanas de existência. Obrigado à Folha e a todos os que vêm tornando tão especial esta aventura de escrever sobre matemática (!!!) em um jornal influente e de grande circulação.