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A cena é comum quando a nota chega à mesa do restaurante e precisa ser dividida. Tem sempre alguém que diz logo “eu não sei fazer conta” e passa adiante a tarefa. “E isso é considerado normal, ninguém acha nada demais”, espanta-se o matemático Artur Avila [membro titular da Academia Brasileira de Ciências], de 38 anos, o único brasileiro ganhador da Medalha Fields, honraria internacional conhecida como “o Nobel da matemática”. “Mas as pessoas teriam vergonha de dizer: eu não sei ler. Né?”, questiona.
O horror à matemática é um traço cultural significativo no Brasil. Não por acaso, o país tem um dos piores desempenhos no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) justamente nesta disciplina. O curioso é que este mesmo País abrigue o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), considerado um centro de excelência no ensino da matéria, comparável a algumas das mais importantes universidades do mundo, como Princeton, Stanford, MIT e Harvard.
Popularizar a matemática é, justamente, o maior desafio do Impa, que acaba de completar 65 anos. Fundado em 1952, o instituto foi a primeira unidade científica criada pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), do governo federal, e já tinha como objetivo, além da formação de pesquisadores, a difusão e o aprimoramento da cultura matemática no Brasil.
Do ponto de vista de produção de conhecimento e reconhecimento internacional a história do Impa é de sucesso absoluto. Este ano, o país foi sede, pela primeira vez, da Olimpíada Internacional de Matemática. No ano que vem, também pela primeira vez, o Brasil receberá o Congresso Internacional de Matemáticos, que acontece a cada quatro anos e onde são anunciados os agraciados com a Medalha Fields.
Justamente neste encontro há outro brasileiro com chances reais de receber a honraria. Trata-se do matemático Fernando Codá Marques [membro titular da ABC], que trabalhou durante onze anos no Impa. Atualmente, é professor da Universidade de Princeton.
“O Impa é uma instituição verdadeiramente excepcional”, atesta Marques, em entrevista por email. “É um centro de excelência reconhecido internacionalmente e está na fronteira do conhecimento nas várias linhas de pesquisa que possui. Chegar a tal patamar em pouco mais de meio século não foi tarefa fácil, não conheço exemplo igual.”
Outro matemático premiado, Jacob Palis [ex-presidente da ABC], de 77 anos 50 anos de Impa, já recebeu 59 prêmios.
“A escolha dos pesquisadores sempre foi muito criteriosa”, afirma ele, que já recebeu até a Legião de Honra, outorgada pelo governo francês. “Nunca houve concessões.”
Do ponto de vista da popularização da matemática, no entanto, os avanços são mais lentos. “Existe uma aceitação de que a matemática não é para todos, e a nossa sociedade reproduz isso”, afirma Avila. Ele é pesquisador do Impa, e foi o primeiro – e único – matemático de todo o hemisfério sul a receber a Medalha Fields. O atual diretor do Impa, Marcelo Viana [membro titular da ABC], concorda com ele.
“A matemática não é um grande problema para as crianças pequenas; para a grande maioria, não há mistério em aprender as quatro operações aritiméticas, área, volume. Nesta fase, a matemática da sala de aula faz sentido, fala de coisas que as crianças entendem: maior, menor, mais bala, menos bala”, avalia Viana.
Segundo ele, a matemática se torna um bicho papão depois, quando a criança avança um pouco e a matéria se torna mais abstrata, com uma relação menos óbvia com a realidade e o papel do professor se torna mais importante.
“De modo geral, eles não estão preparados, não receberam a formação adequada”, diz.
A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), organizada pelo Impa, é a maior olimpíada escolar do mundo, com 18,24 milhões de participantes em 99% dos municípios brasileiros. Em comparação, o Enem, por exemplo, tem apenas 6 milhões de participantes anualmente.
“A Olimpíada é um grande sucesso, mas pode ser melhorada”, diz Viana. “Este ano vamos ampliá-la e teremos a participação também das escolas particulares. E um dos nossos projetos é que ela seja aberta a crianças mais novas, antes do sexto ano.”
Um desafio maior ainda será derrubar a barreira do gênero. Se para as crianças em geral a matemática é um bicho papão, como diz Viana, no caso das meninas é ainda pior.
“O problema começa em casa, com a própria família, e os brinquedos ‘de menino’ e ‘de menina’”, atesta a matemática Carolina Araujo [ex-membro afiliado da ABC], de 41 anos, única mulher entre os 47 pesquisadores do Impa. “Depois segue na escola com o preconceito dos próprios professores.”
Para Araujo, a falta de diversidade é ruim para a ciência.
“Já está comprovado cientificamente que grupos heterogêneos são mais eficientes justamente porque contam com mais pontos de vista diferentes”, afirma.