A Coppe/UFRJ recebeu nesta terça-feira, 25 de abril, os presidentes de duas das principais entidades científicas no Brasil, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, para discutir os impactos do enorme corte orçamentário promovido pelo governo federal. A mesa contou ainda com o diretor de Relações Institucionais, o Acadêmico Luiz Pinguelli Rosa, e a professora Silvana Allodi, representando a Adufrj (Seção Sindical dos Docentes da UFRJ).
Dos R$ 15 bilhões constantes da Lei Orçamentária Anual (LOA) para as despesas (custeio e investimento) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), somente 2,8 bilhões sobraram para efetivo empenho do ministério após o corte de 44% em seu orçamento, anunciado pelo governo federal no dia 30 de março.
Os presidentes da SBPC e ABC expuseram a gravidade do cenário e conclamaram a comunidade a se mobilizar e defender a ciência nacional a tempo de reverter essa situação. A Acadêmica Helena Nader disse que estudavam a possibilidade de entrar com ações jurídicas, junto ao Supremo Tribunal Federal, para impedir o contingenciamento de recursos dos fundos sociais, cuja destinação é legalmente garantida.
De acordo com Helena Nader, nenhum fundo pode ser contingenciado, por isso o governo federal tem chamado o contingenciamento de reserva de contingência, um eufemismo que não muda a finalidade do represamento das verbas federais. “Vamos estudar a viabilidade jurídica de entrarmos com uma ação no STF para garantir a destinação dos fundos que são vinculados à Educação e à Ciência. Isso vem de impostos cujos recursos têm que ser direcionados para a finalidade a que foram destinados. O fundo é criado com uma função, que não é a de afundar o país. Todos esses fundos estão sendo usados para fazer superávit primário, essa que é a verdade”, afirmou Helena.
Segundo dados apresentados pela presidente da SBPC, a Lei Orçamentária Anual consignava R$ 15, 6 bilhões para o MCTIC. Com a reserva de contingência já prevista na própria LOA, foram subtraídos 5,098 bilhões deste montante. Dos 10, 549 bilhões que sobraram, 5, 5 bilhões são de despesas com pessoal e demais despesas obrigatórias, sobrando apenas 5,049 bilhões de reais de valor líquido para custeio e investimento, o que representam 32% do valor original constante da LOA. Com esse corte anunciado recentemente de 43,99%, sobraram apenas 2,828 bilhões, o que equivale a apenas 18% do valor orçado em lei.
“Eu me sinto naîve (ingênua), pois acredito quando dizem que se preocupam com a ciência. No entanto, o governo libera 1,5 bilhão de reais em recursos repatriados e em seguida contingencia mais de dois bilhões. Com uma das mãos dá e com a outra retira mais do que deu”, lamenta Helena.
Hora de somar forças
Segundo Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da UFRJ e presidente da ABC, corrigindo os valores pela inflação, o limite de empenho do MCTIC no ano passado foi apenas 1/3 daquele de 2010. Considerando os restos a pagar, a necessidade financeira do ministério era de oito bilhões de reais, mas o limite de empenho apenas três bilhões. “A partir de 2013 houve uma queda vertiginosa tanto no orçamento do setor quanto no limite de empenho. A ciência brasileira está sendo estrangulada pela redução contínua de investimentos”, criticou o professor.
“De 2010 a 2012 também houve uma queda no orçamento, então fizemos (ABC e SBPC), em conjunto com as federações de indústrias, um manifesto publicado em página inteira na Folha de São Paulo, e em 2013 já tivemos um orçamento um pouco mais robusto. É hora de buscarmos as indústrias, a Marinha, quem mais puder somar forças em defesa da ciência e da tecnologia, para fazermos algo semelhante”, propôs Davidovich.
Para o presidente da ABC, é preciso mostrar à sociedade o que a ciência já fez pelo país, não se limitando aos três exemplos clássicos: Embrapa, Petrobras e Embraer.”Talvez com números, a gente possa passar uma mensagem mais clara. Deveríamos procurar economistas sérios para calcularem o impacto positivo da ciência no PIB”, concorda a Acadêmica Débora Foguel, do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM/UFRJ) e ex-pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da universidade.
O diretor da Coppe, Acadêmico Edson Watanabe, afirmou que as consequências das restrições orçamentárias já são sentidas até mesmo no estado de espírito da comunidade acadêmica. “O impacto dos cortes a gente vê no varejo. Com o atraso no pagamento de bolsas, e no custeio de projetos. Mas o que mais me preocupa é o desânimo, sobretudo dos jovens”, lamentou Watanabe.
O professor Ildeu de Castro Moreira, do Instituto de Física da UFRJ, fez coro ao diretor da Coppe. Em sua opinião, as pessoas estão muito descrentes da ação coletiva. “Eu faço um apelo para que todos façam um esforço suplementar para mobilizar as pessoas. Usem cinco minutos em sala de aula e conversem com seus alunos, expliquem o que está em jogo. Há uma participação muito pequena dos estudantes em nossas mobilizações e são eles que serão massacrados pelos cortes em seu futuro. A comunidade científica não é pequena e se nos mobilizarmos poderemos reverter esse quadro”, exortou.
Segundo Luiz Davidovich, que há muito luta pela preservação dos recursos para a ciência nacional, percebe-se um contraste entre a ficção e a realidade. “Nos dizem que devemos brigar pelos recursos orçamentários no Congresso, mas na realidade o Ministério do Planejamento contingencia os recursos previstos na LOA, a seu critério”, expôs o professor.
Cortes e contingenciamentos representam desmonte de conquistas
Helena Nader destacou ainda que os sucessivos cortes e contingenciamentos representam o desmonte de conquistas obtidas, sobretudo na década passada. “A produção científica brasileira experimentou um crescimento exponencial, de 1995 até 2014, quando chegamos a produzir 110 mil artigos científicos no quinquênio 2010-2014 Em ordem de documentos citáveis, ficamos em 13º lugar no mundo, à frente da Rússia”, informou.
Segundo a professora, até o início da década passada, diversos estados da federação não contavam com cursos de mestrado e doutorado. “Agora todos os 27 estados da federação e o Distrito Federal contam com pós-graduação stricto sensu. Mas a quantidade e a qualidade destes cursos estão distribuídas de modo muito desigual pelo país. A região Sudeste concentra 62,6% dos cursos avaliados com conceito 6 pela Capes e 84,1% dos cursos que obtiveram conceito 7 (grau máximo). Em contrapartida, há um único curso com grau 7 no Nordeste, e nenhum na região Norte”, relatou a presidente da SBPC.
“Temos que lutar pela ciência. O Brasil está numa fase muito crítica, em que se nega até mesmo a evidência científica. Vivemos um momento no qual o Congresso delibera projeto de lei para instituir o ensino do criacionismo. Mesmo que estivéssemos nadando em dinheiro, teríamos que marchar contra o obscurantismo, contra o recesso que se torna um fenômeno mundial”, criticou Helena.
De acordo com a professora, em 1998, a Coreia do Sul saiu de uma crise, igual a que o Brasil atravessa no momento. “E a forma que escolheram para superá-la foi investindo em ciência e tecnologia. O país antes investia 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) no setor, e agora investe o dobro, superando os patamares dos Estados Unidos e da União Europeia”, comparou a presidente da SBPC.
Em meio à gravidade do cenário, a Academia Brasileira de Ciências segue propondo políticas públicas para o futuro do país. O professor Luiz Davidovich convidou o público presente a participar da Reunião Magna da ABC, que será realizada de 8 a 10 de maio, no Museu do Amanhã. O tema da reunião deste ano é “Um projeto de ciência para o Brasil”, dividido em várias áreas temáticas. A área de Energia tem como um de seus coordenadores o diretor da Coppe, professor Edson Watanabe.
Confira as apresentações dos presidentes da ABC e SBPC:
Luiz Davidovich (ABC) – apresentação
Helena Nader (SBPC) – apresentação