Você já deve ter ouvido expressões como “isso é coisa de menino, isso é coisa de menina”. Embora as mulheres tenham conquistado espaços importantes na sociedade nas últimas décadas, os estereótipos ainda contribuem para que elas tenham baixa participação nas ciências exatas, segundo a pesquisadora e diretora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Marcia Barbosa.
No mundo todo, o percentual da participação feminina nas ciências exatas é em torno de 30%. Argumentos como o do talento inato – que propõem que pessoas nasçam com determinadas habilidades – ainda geram polêmica. Durante uma conferência, em 2005, o então reitor da Universidade de Harvard, o economista Lawrence Summers, declarou que a reduzida participação das mulheres nas ciências se explicaria por uma inaptidão das meninas para tais áreas. A declaração sem respaldo científico rendeu a Summers sua destituição do cargo. Para Marcia Barbosa, esse argumento não se justifica: “O menino é estimulado a se sujar, a se desafiar; se uma menina aparece suja, ela é criticada; quer dizer, não tem nada de inato aí, e sim de muito treinamento”, diz.
Com a pesquisa “Mulheres na física: por que tão poucas? Por que tão lentamente?”, Marcia avaliou bolsistas de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre 2001 e 2011, nas áreas de física e medicina. O estudo evidencia que na física há apenas 10% de mulheres no nível 2 – o mais básico -, e à medida que se sobe na carreira essa taxa diminui ainda mais. Mesmo no caso da medicina, em que o percentual de mulheres chega a quase 40% no nível 2, esse fenômeno também ocorre, e cai para 20% no nível 1A, que é dado a pesquisadores mais experientes na classificação do CNPq. Para a professora, além dos estereótipos sexistas, o que explica esse decréscimo é a maneira como a carreira é desenhada: “É feita de homens para homens. Para um perfil de alguém que pode fazer mestrado e doutorado sem nenhuma interrupção, como seis meses para cuidar de um filho”, afirma.
“Eu achei que estava no lugar errado no primeiro dia de aula”
Marcia Barbosa foi a primeira e única mulher a coordenar o Comitê de física e Astronomia do CNPq. Mas desde muito cedo se acostumou a estar em menor número: “Eu achei que estava no lugar errado no primeiro dia de aula. Em uma turma de 40, éramos apenas quatro mulheres; no final do curso, só eu me formei”. Essa percepção de isolamento foi o que motivou Marcia a desenvolver a pesquisa sobre gênero.
Foi apenas no ano 2000 que a União Internacional de física reconheceu o problema. Assim, foram formados grupos de trabalho para analisar o tema. Durante as conferências, percebeu-se o baixo percentual de mulheres nos 75 países participantes – um obstáculo que contribui ainda mais para que as estudantes se afastem. “Uma menina que goste de ciência, mas que não enxerga nenhuma mulher de destaque, não vai para a ciência”, enfatiza Marcia. No entanto, a negação do preconceito ainda persiste, particularmente no Brasil. A pesquisadora diz que a apresentação dos dados obriga as pessoas a reconhecerem sua existência. Ela vai além: “Eu costumo perguntar às pessoas quando foi a última vez que sentiram medo. Os homens normalmente lembram-se de um episódio antigo, engraçado. As mulheres vão se lembrar de algo daquela manhã: às vezes atravessando o campus, estando num elevador com um estranho, ouvindo um comentário de um professor. Além de executarmos nossas tarefas, ainda convivemos com o medo”.
Visibilidade e políticas afirmativas
Para mudar esse cenário, os grupos de trabalho têm desempenhado papel fundamental localmente. No Brasil, foi conquistado o direito de licença maternidade para bolsistas de mestrado, doutorado e produtividade. A pesquisa realizada por Marcia ainda se mostra estável, mas, de acordo com ela, as políticas de afirmação não tiveram tempo suficiente para dar resultado. Para a professora, a mudança mais significativa tem sido a construção de espaços por parte das mulheres para discutir essas questões nos eventos.
No ano de 2006, o censo escolar apontou que 58% dos concluintes do ensino médio eram meninas. No ano seguinte, mais da metade dos ingressantes e 60% dos concluintes no ensino superior foram do sexo feminino. As mulheres constituem a maioria dos estudantes do ensino superior brasileiro, segundo dados do IBGE/Censo 2010. Ainda que elas sejam maioria, na universidade concentram-se em cursos como Letras e Enfermagem. Na UFRGS, iniciativas como o Meninas na Ciência, do Instituto de Física, visam à promoção da presença das mulheres nos campos da ciência e da tecnologia. O projeto tem realizado ações nas escolas para incentivar o interesse das meninas pela ciência.
Em 2013, a diretora do Instituto de física recebeu o prêmio LOréal Unesco para mulheres em função de sua pesquisa sobre anomalias da água. Para Marcia, prêmios que visibilizem o trabalho das mulheres são importantes para despertar o interesse feminino pela ciência. Por outro lado, ela também acredita que toda instituição de ensino deveria ter uma secretaria específica para tratar de gênero e corrigir comportamentos que gerem preconceito. Afinal, lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na física.