A tríplice epidemia vivida pela população brasileira – dengue, zika e chikungunya – é motivo de preocupação nacional. Por isso, o tema foi tratado por Rodrigo Stabeli, vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) no período 2009-2013, em uma conferência na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu no início de julho na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro.
Rodrigo Stabeli, vice-presidente da Fiocruz
“Quando olhamos para essas doenças, temos que ver os aspectos científicos da infecção e também para o ambiente que as cercam”, afirmou Stabeli. Segundo o cientista, doenças infecciosas resultam de uma relação direta do meio ambiente com o homem, que envolve condições sanitárias, higiene e educação. “Apesar de termos uma mudança importante do comportamento populacional para as doenças crônico-degenerativas, no Brasil não podemos negligenciar as doenças infectocontagiosas.”
O Aedes aegypti, até então conhecido como o principal vetor dos três vírus (leia mais sobre a possibilidade de o pernilongo comum ser o maior transmissor de zika no Brasil), é um mosquito que passou a ser conhecido por nós por conta da dengue. Não é, no entanto, um problema apenas brasileiro, mas de 200 países que não conseguem fazer a erradicação ou abaixamento. “O combate ao vetor passa por aspectos multissetoriais e disciplinares da sociedade. A possibilidade de resolução da dengue por meio de mudanças ambientais é de 95%.”
A integração de ações no manejo de vetores (IVM) é mais eficaz do que formas recorrentes, normalmente químicas, de combate aos mosquitos. No Brasil, a desordem urbana e densidade populacional dificultam esse processo. Segundo Stabeli, o mosquito é um problema social que abrange todas as classes, já que há muitos locais sem esgotamento, saneamento básico e distribuição de água garantindo as condições mínimas de qualidade de vida para a população. “O combate ao vetor vai desde o comportamento educacional e social, com a responsabilidade dentro de casa, até políticas públicas que possam integrar o manejo onde se tenha a oferta de condições de infraestrutura e saneamento básico.”
Em outras palavras, o saneamento básico corresponde a 95% da ação efetiva para a erradicação e controle do Aedes aegypti no Brasil e em outros países. “O Aedes gosta de água limpa e parada, mas também gosta de desorganização social. Onde há aglomeração populacional é onde há maior incidência do mosquito.” Stabeli ressaltou, no entanto, que, sem novo aporte de recursos em ciência, tecnologia e inovação, não há como controlar o vetor em curto prazo, ou seja: continuaremos tendo epidemias.
Histórico
O vírus teve origem na floresta de Zika, em Uganda, e foi isolado pela primeira vez em macacos sentinelas, em 1947. Depois houve incidências de rastreamento do próprio vírus na Nigéria, espalhou-se para a Ásia, passou pelas ilhas da Oceania, pela Micronésia Francesa e, em 2013, chegou ao Brasil e outros países da América Latina. Agora, voltou para a África, infectando Cabo Verde. Acredita-se que a zika tenha entrado no Brasil pelo Nordeste, durante a Copa das Confederações. “É importante conhecer o perfil histórico da doença para que se possa desenvolver o melhor mecanismo vacinal”, afirmou Stabeli.
Primeiro, a zika foi observada como uma febre de origem desconhecida. Em julho de 2015, surgiu a desconfiança da relação com a síndrome de Guillain-Barré e, em outubro de 2015, com a microcefalia, em recém-nascidos entre agosto e outubro. Em dezembro, o Ministério da Saúde fez a notificação do aumento de casos e o alerta para a relação entre zika e microcefalia. Então, foi criado o gabinete da crise na Fiocruz. Em fevereiro de 2016, a Organização Mundial de Saúde declarou a associação entre zika e microcefalia como uma emergência de saúde pública internacional.
O vírus zika tem um rápido espalhamento. Em pouco tempo, atingiu as Américas e, na Europa, alcançou 61 países, dos quais 47 vivem a primeira epidemia e, em dez, constatou-se a transmissão pessoa por pessoa, de ordem sexual. É um vírus da família flavívirus, a mesma da dengue, porem o espalhamento e processo de infecção são muito maiores. “É comum vermos um quarteirão inteiro infectado”, afirmou Rodrigo Stabeli, ele próprio já infectado pela zika. “O vírus tem uma dinâmica de adaptação importante. Por ser novo, não sabemos como é o processo de infecção em população humana; é preciso investigar para saber os melhores mecanismos de intervenção.”
O vírus atingiu quase todo o Brasil, mas, atualmente, há uma decadência da epidemia. “O país conseguiu dar uma rápida resposta às perguntas científicas em relação à zika, e é nesse momento que não podemos baixar a guarda; temos que colocar nossos mecanismos de controle e vigilância para que não tenhamos uma nova incidência”, apontou Stabeli, comentando que o poder público acaba baixando o monitoramento nesse quadro de declínio.
O caso da chikungunya
Chikungunya é um vírus diferente, mas também teve sua origem ao circular da África para a Ásia e se movimentando, em seguida, para as Américas. No Brasil, deve ter entrado pela Bahia, provavelmente em Feira de Santana, em 2013. “Os aspectos clínicos do chikungunya, que incluem dores intensas, podem estar presentes no indivíduo até um ano e meio após a infecção, causando uma morbidade significativa, enquanto a letalidade de zika é baixa e da dengue é média.” Mais de 40 países já foram atingidos pela doença.
Stabeli revelou um aspecto curioso: onde há epicentro da epidemia de zika, há baixa incidência de chikungunya, e quando os casos de zika diminuem, aumenta a incidência de chikungunya. Diferentemente da zika, essa é uma doença vetorial, ou seja, não há relato de transmissão pessoa a pessoa.
A dengue tem quatro sorotipos – uma variedade genômica maior. Sabemos que se alguém pega o tipo 1, está imune a ele depois, mas não sabemos nada sobre a imunidade em relação ao zika. Por isso, é importante estudar formas de infecção, tratamento e manejo.
Possíveis soluções
“Para o enfrentamento da grave situação epidemiológica apresentada no Brasil, é preciso abordar esse tema a partir de sua configuração como emergência em saúde pública e quanto às questões estruturais que permeiam a organização da vigilância em saúde do país”, destacou Stabeli. Assim, a Fiocruz montou o gabinete de crise, do qual o pesquisador faz parte, responsável por montar um plano para enfrentar a tríplice epidemia, que engloba desde o desenvolvimento tecnológico até a mobilização social e cooperação internacional.
Um dos projetos, por exemplo, visa eliminar a dengue usando a bactéria wolbachia, para impedir que o vírus passe a barreira gastrointestinal, bloqueando a infecção do mosquito. O plano está sendo expandido e Niterói será o primeiro município coberto em caráter experimental.
Outro projeto é a unidade dispersora de larvicida, feita pela Fiocruz Amazônia.
É criada uma armadilha, que é visitada pela fêmea do mosquito. Esta se impregna pelo larvicida e acaba espalhando-o, de modo que o controle entomológico é feito pela própria fêmea.
“A epidemia de chikungunya está crescendo em quantidade e gravidade. Estamos diante de uma epidemia de zika congênita, e não apenas de microcefalia. Não se conhece a história natural da doença. Então é preciso deixar a ciência agir”, concluiu Stabeli.