No último dia da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma sessão especial emocionou a todos os presentes: a apresentação de João Candido Portinari sobre o trabalho que vem fazendo há quase 40 anos para manter viva a memória de seu pai, o prestigiado pintor Candido Portinari, autor de algumas das mais importantes obras da arte brasileira.

A Reunião Magna 2016 aconteceu no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, entre 4 e 6 de maio, e comemorou o centenário da ABC. João Candido Portinari parabenizou a Academia pelos 100 anos nas pessoas de Jacob Palis, que presidiu a instituição por nove anos, e Luiz Davidovich, que assumiu a gestão durante o evento, no dia 5 de maio.
“Nenhum outro pintor pintou mais um país do que Portinari pintou o seu.” A frase do pintor e escritor Israel Pedrosa, dita em 1983, representa bem o legado do artista que é autor de mais de 5 mil obras, de pequenos desenhos a grandes murais, bastante representativas da realidade brasileira em seus diversos aspectos.
Para eternizar esse legado, João Candido Portinari, diretamente do Departamento de Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), criou, em 1979, o Projeto Portinari. Durante a apresentação, o filho do pintor mostrou uma reportagem do jornal O Globo de 1980, com o título “Portinari, o pintor: um famoso desconhecido”.
O texto dizia que mais de 95% da obra do artista estavam inacessíveis. “O Projeto Portinari nasceu de uma vontade de documentar seu acervo após a ditadura, como o CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação] da Fundação Getúlio Vargas e o Projeto Pixinguinha”, comentou João Candido. Ele iniciou, então, um trabalho de detetive para desvendar as obras do pintor. Reuniu método científico e alta tecnologia a serviço da arte e da cultura. Catalogou mais de 25 mil documentos, e muito se descobriu sobre como aprender a ler Portinari. “Isso passou a dar um novo sentido a obra.”

Os primeiros anos foram um trabalho de formiguinha, disse João Candido Portinari. No início, tudo era feito à mão; só mais tarde é que o serviço foi computadorizado. Toda essa documentação gerou o Catálogo Raisonné de Portinari, com 4.991 obras identificadas pelos pesquisadores. A Presidência da República adotou a publicação como presente de Estado, sendo entregue a presidentes da França, à rainha da Inglaterra e outras autoridades.
João Candido Portinari mostrou as exposições interativas feitas pelo país com as obras do pintor. A mostra “O Brasil de Portinari” rodou o território brasileiro, parando em pequenos povoados no Pantanal. “Tivemos até mesmo exposição de barco. Os índios visitavam e se identificaram com as pinturas do Portinari, de outros indígenas.” No Portal Portinari, os visitantes podem acessar gratuitamente mais de 5 mil obras e 30 mil documentos, todos cruzados entre si e embasados em uma linha do tempo mundial.
O filho do artista informou que um dos maiores problemas enfrentados pelo projeto foram os falsários. “Para isso, tivemos que envolver alta tecnologia, reconhecimento de padrões, redes neurais, inteligência artificial, análise físico-química e o olho do perito. Analisamos a morfologia da pincelada de Portinari”, disse João Candido. Um algoritmo do professor Arne Jensen confirmou que as pinceladas caracterizam o pintor. “A matemática está em toda parte.”

João Candido Portinari é aplaudido de pé

João Candido falou, também, sobre o Projeto Guerra e Paz. Após obter da ONU a guarda dos originais “Guerra” e “Paz” durante o período 2010-2015, o Projeto Portinari trouxe a obra-prima do pintor para restauro e exposição no Brasil, e em Paris, com filas enormes por onde passava. Em seguida, foi feita a reinauguração no grande plenário da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 8 de setembro de 2015, com o discurso inaugural proferido pelo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, Ban-Ki-Moon, que afirmou que os painéis “são mais do que obra de arte, são chamadas para ação”. Clique aqui para assistir o vídeo do discurso.

João Candido lembrou que, em 2007, pela primeira vez, um brasileiro mencionou a obra máxima de Portinari em uma Assembleia Geral da ONU, que tem por tradição sempre ser iniciada pelo representante do Brasil. Na ocasião, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou não ser por acaso que o mural “Guerra” estava colocado na entrada e “Paz” estava na saída: “É para transformar a aflição em esperança. É a essência das Nações Unidas.”