Sérgio Mascarenhas e Isaac Roitman

Confira o artigo escrito pelos Acadêmicos Sérgio Mascarenhas e Isaac Roitman, sobre a importância do painel “Guerra e Paz”, reinstalado recentemente na sede da ONU, para reacender a esperança de um mundo mais humanitário.
 
“Em 1952 os painéis Guerra e Paz foram encomendados a Candido Portinari para o Brasil presentear à Organização das Nações Unidas. Após 4 anos de intenso trabalho, a obra foi finalizada. Antes de seguirem para Nova York, os painéis foram exibidos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em fevereiro de 1956. Em 1957, o artista assim se expressou, em entrevista concedida à Agência Reuters: Guerra e paz representa sem dúvida o melhor trabalho que já fiz… Dedico-o à humanidade”.
 
Em 2012, a obra foi exposta no Memorial da América Latina em São Paulo. João Candido Portinari, filho do renomado artista, assim se expressou: “Esta não é apenas uma exposição de arte. Esta é uma grande mensagem ética e humanista e que se dirige ao principal problema que o mundo vive hoje em dia: a questão da violência, da não cidadania, da injustiça social. Essa é a grande mensagem de toda a vida de Portinari e que ficou sintetizada nesses trabalhos finais que ele deixou”.
 
Em 8 de setembro de 2015, na sessão solene comemorativa da reinstalação dos painéis na ONU, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pronunciou históricas palavras de agradecimento ao Brasil e à Fundação Portinari, dirigida pelo filho de Portinari, o cientista e professor João Cândido Portinari, que, num esforço gigantesco, organizou o retorno dos painéis ao Brasil para restauro. Nessa época de crise e baixa estima, o evento resgata para a nação brasileira e para o conjunto das nações importante dose de esperança lançando como arauto desse reerguimento moral de autoestima a voz da grande arte universal de Portinari. Guerra e paz, disse Ban Ki-moon: “Além de magníficas obras de arte são o chamado de Portinari para ação. Graças a ele todos os líderes que entram na ONU visualizam o terrível resultado da guerra – e o sonho universal pela paz.”
 
Conta ainda o drama de que Portinari, avisado pelos médicos de que deveria parar de pintar devido ao envenenamento por pelas tintas, recusou-se, terminando a obra que, aliás, não pode sequer inaugurar, tendo-lhe sido recusado visto aos EUA por sua filiação ao partido comunista. Pediu, então, Ban Ki-moon um “solene minuto de silêncio em memória desse artista visionário”. João Portinari levou cinzas de Portinari num escrínio em bronze, simbólico de suas mãos, para fazerem parte da exposição permanente fazendo, assim, presente o artista na cerimônia que originalmente não pôde assistir.
 
Seria pertinente lembrar, nesse contexto, o pensamento de outro magnífico brasileiro Celso Furtado: “O desafio colocado no albor do século 21 é nada menos que a mudança do curso da civilização, para mudar seu eixo da lógica dos meios de acumulação temporária para a lógica dos fins, a serviço do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos”. Nessa época de crises globais econômicas, de migrações famintas, desesperadas de inteiras populações desamparadas enfrentando mesmo a morte de crianças, mulheres, idosos, essas palavras ganham o terrível sentido e os painéis de Portinari, realidade e esperança que somente a arte pode emocionalmente expressar.
 
Para onde indicam os caminhos atuais na educação, saúde, meio ambiente, política global, senão para a racionalidade paradoxalmente recomendada pela arte de Portinari, bem como nas palavras do cientista-economista Celso Furtado em direção ao altruísmo, à paz e à cooperação. A cerimônia da ONU simboliza e ressalta momento histórico de independência cultural do Brasil. Num relance surrealista de imaginação, vemos Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Oswaldo Cruz, Monteiro Lobato, Villa-Lobos, Josué de Castro, José Reis, Marcelo Damy, Costa Ribeiro, Sérgio Buarque de Hollanda, Paulo Freire, Crodowaldo Pavan, Rachel de Queiroz, Bertha Lutz, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Chagas pai e filho, Oscar Niemeyer, Celso Furtado, e até Vinicius de Moraes e Ary Barroso, juntos na ONU e irmanados com Portinari. Quase nos esquecemos de contar que todos comemoraram a festa ouvindo Chiquinha Gonzaga ao piano.”
 
Presidente honorário da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência, membro da Academia Brasileira de Ciências e professor do Instituto de Física da USP de São Carlos.
 
Professor emérito da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro daUnB e membro da Academia Brasileira de Ciências.