A internacionalização das universidades brasileiras é um tema crítico que tem sido pauta constante das agências governamentais de gestão da educação. Nesse aspecto, uma das mais ativas é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), cujo presidente, o Acadêmico Jorge Guimarães, falou sobre o assunto na 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Rio Branco, no Acre.
O tema já havia sido abordado em janeiro, durante o Simpósio “Excellence in Higher Education”, realizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Na ocasião, foram discutidas as perspectivas para que as instituições de ensino superior do Brasil se tornem de classe mundial. Atualmente, são poucas as universidades do país que desfrutam de algum reconhecimento internacional – que, para Guimarães, tem mais significado do que o “marketing dos rankings”. O debate se desenvolveu e, recentemente, a Capes apresentou uma proposta de internacionalização das universidades à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Ensino superior de baixa qualidade
“O sistema dos países ibero-americanos é um emaranhado com os mais distintos propósitos, nem todos focados em avanços qualitativos. No mundo proliferam opções educacionais com caráter puramente comercial”, afirmou Guimarães. Segundo o Acadêmico, países em estágio atrasado de desenvolvimento, como os da África e América Latina, constituem um “rico cardápio de soluções educacionais”. São desde instituições com ensino de qualidade muito baixa até promessas de título de doutorado em duas semanas, a preços convidativos. No Brasil, por exemplo, em que há milhões de analfabetos funcionais, esse cenário é uma realidade.
Esse é um desafio que deve ser enfrentado pelas próprias instituições de ensino, com forte ênfase na pesquisa, graduação e, sobretudo, na pós-graduação. Mas, além da explosão de ofertas de educação globalizada sem garantia de qualidade, há outras questões que, na visão de Guimarães, devem ser observadas. Uma delas são os rankings que divulgam, por exemplo, as 200 melhores universidades do mundo. “Por que as melhores universidades dos países nórdicos, que têm a melhor educação do planeta, não estão nessas listas? Ou as renomadas escolas de engenharia da Alemanha, bem como nossas escolas de agronomia, que estão entre as melhores do mundo?”
Os países precisam, primeiramente, consolidar um eficiente processo educacional, promovendo mudanças e avanços qualitativos. Hoje, há o seguinte dilema: é forçoso reformar a formação universitária e, ao mesmo tempo, ampliar o acesso, principalmente dos marginalizados, para dar vazão à demanda. “Massificar, melhorar a qualidade e administrar o aumento de custos. Resta às autoridades educacionais enfrentar essa tríplice tarefa”, declarou o Acadêmico.
Características da internacionalização
De acordo com Guimarães, a ênfase da internacionalização é aproveitar a globalização para expor os alunos a ambientes mais avançados e ricos, que estimulem a inovação. Não se trata apenas de enviar alunos e docentes para o exterior, mas globalizar suas atividades e ofertar acesso a conteúdo internacional, além de propiciar mecanismos de atração de estudantes, professores, pesquisadores e pessoal técnico-administrativo de outros países. Para isso, a facilidade de residência é imprescindível.
Nesse aspecto, o palestrante constatou alguns fatos: as universidades de classe mundial, geralmente, são de pequeno e médio porte; seus elevados conceitos derivam de uma atividade forte de pesquisa científica e tecnológica; raramente elas são homogeneamente qualificadas, ou seja, não são todas as suas áreas de estudo que são consideradas de excelência; e desfrutam de total autonomia e plena governança de suas ações.
Guimarães frisou bastante esse último ponto, enfatizando que a falta de autonomia e incapacidade de assumir responsabilidade pelos seus próprios atos são grandes obstáculos nas universidades brasileiras.
Para internacionalizar as atividades de ensino e pesquisa, será necessário substituir os processos informativos de sala de aula por atividades formativas, além da adoção de currículos internacionais. “O ensino em que prevalece a grade curricular e o excesso de aulas informativas não contribuirá para alcançar a classe mundial”, alertou.
A experiência do CsF
Também é preciso ter capacidade de oferecer cursos regulares na graduação e na pós-graduação em inglês e outras línguas. E é importante, ainda, estabelecer procedimentos efetivos de colaboração internacional, em temas de áreas bem definidas, e buscar associação com o setor privado. Essas constatações, informou Guimarães, foram extraídas das experiências dos bolsistas do programa Ciência sem Fronteiras (CsF).
Eles vêm contribuindo com algumas percepções importantes. Entre elas, a necessidade de domínio de um idioma além do inglês, a importância da residência no próprio campus, que permite o contato com diferenças culturais, o benefício do treinamento em empresas durante as férias e o número reduzido de horas de aula teóricas, que permite tempo para adquirir conhecimento individual. Essa medida estimula a curiosidade, a descoberta e a capacidade de questionamento.
As instituições que estão um passo à frente
Por incorporar obrigatoriamente pesquisa e atividades de extensão, a pós-graduação oferece o caminho mais curto pra alcançar a classe mundial. Nesse sentido, algumas instituições já oferecem algo próximo dos padrões internacionais e poderiam se habilitar a esse objetivo, de forma setorizada, priorizando as unidades e departamentos que serviriam de linha de frente.
Assim, a Capes fez uma consulta com todos os cursos de nota 6 e 7, de modo que avaliassem o que falta para que atinjam um padrão internacional. No entanto, 30% dos 415 cursos não responderam e, segundo Jorge Guimarães, grande parte dos que deram retorno não sabia bem o que significa internacionalização. “Alguns acharam que mais recursos financeiros seriam suficientes, outros, que a língua inglesa é o único caminho. Os que ignoraram a pesquisa parecem dispostos a ficar de fora desta iniciativa.”
A Universidade de São Paulo (USP) tem 53% dos seus cursos com notas 6 e 7, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem 46,5% e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tem 32%. São instituições em que, a princípio, este processo pode começar a ser pensado, mas não de forma homogênea, e sim em relação aos cursos que mais se destacam. “Não vamos internacionalizar nenhuma universidade inteira. Vamos focar nas áreas em que são mais fortes.” Ainda assim, Guimarães afirmou que mesmo cursos de conceito 4, mas de campos de estudo pouco desenvolvidos no Brasil, estariam aptos.
Jorge Guimarães informou que essa proposta de internacionalização, estruturada em dois eixos – pós-graduação e a experiência do CsF – já foi entregue à Andifes.
Mercantilização das universidades
Durante o debate, ao ser questionado sobre o risco de as universidades públicas deixarem de ser gratuitas após a internacionalização, Guimarães alertou que isso pode, de fato, se tornar uma realidade: “O Brasil é um dos únicos países que restam com universidade públicas e gratuitas. É algo que eu defendo, mas estamos apanhando até a morte. Mesmo países pobres estão cobrando dos alunos na universidades públicas”.
De acordo com o Acadêmico, a mercantilização das universidades é algo que derivou do processo de Bolonha, que estabeleceu mudanças em relação a políticas de ensino superior nos países europeus que assinaram sua declaração.