“Ver as nuvens e o mundo do alto me fascinava e era mágico ver aquela ruidosa caixa de metal com duas hélices sair do chão. Meu interesse pela ciência certamente começou pelas experiências que tive voando com meu pai.”
Filho do meio de uma família de classe média, cuja mãe trabalhou até o nascimento do primeiro filho no subúrbio do Rio de Janeiro, Marcus Fernandes de Oliveira adorava quando o pai, piloto e instrutor de voo laureado pela Força Aérea Brasileira e pela Assembleia Legislativa, o levava aos voos de treinamento. O menino era entusiasmado e queria seguir a mesma carreira. Assim, com um objetivo claro a seguir, dedicou-se à matemática, física e química nas escolas públicas em que estudou por toda a infância e adolescência.
Uma porta que se fecha, uma janela que se abre
Chegou a ser aprovado no concurso da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, mas o sonho de se tornar piloto acabou no exame médico, por não ter a visão perfeita, critério obrigatório para o ingresso. “Foi um banho de água-fria e eu tinha que pensar numa saída”, relata Marcus Oliveira. Como havia feito dois outros concursos e passado em ambos – no curso de técnico em meteorologia no CEFET-RJ e no recém-criado curso técnico em biotecnologia na Escola Técnica Federal de Química, hoje IFRJ – escolheu a segunda opção, sem saber direito o que era biotecnologia, mas baseado no seu gosto pela biologia.
Foi ali, ao longo de quatro anos de capacitação de excelente qualidade, que consolidou a ideia de seguir a carreira científica. “O ensino público naquela época tinha outra qualidade, as aulas práticas de química orgânica, cultura de células e bioquímica que tive foram inesquecíveis. Achava sensacional o processo de realizar experimentos, obter resultados e descrevê-los em relatórios”, relata o Acadêmico. No último ano do ensino médio precisava estagiar, então bateu de porta em porta nos inúmeros laboratórios do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), perguntando sobre a disponibilidade de vagas para estagiários. Depois de muitos “nãos”, ouviu um “sim” do professor Nissin Moussatché, doutor em virologia e um dos docentes do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus do IBCCF. Foi ali então que se iniciou de verdade sua vida científica.
De técnico a orientador
Começou como técnico de laboratório, mas ao longo do tempo Moussatché percebeu seu interesse crescente na ciência. Ao final do período de estágio, continuou no laboratório e em seguida foi aprovado no vestibular para o curso de Ciências Biológicas na UFRJ. Ali continuou, então, passando direto para a iniciação científica (IC). Nesse período, Marcus conta que teve a oportunidade de aprender sobre o funcionamento de um laboratório na vida real e de participar dos primeiros congressos nacionais e internacionais apresentando seu trabalho.
Assim, nos quatro anos seguintes, cursava as disciplinas da graduação em biologia, mas a maior parte do seu esforço e dedicação era para o laboratório. Mesmo não sendo muito assíduo às aulas, identifica as de bioquímica do professor Ricardo Chaloub como marcantes em despertar seu interesse pelo metabolismo celular e pelo processo como as células obtêm energia para seu funcionamento. Querendo experimentar novos ares, entrou no Laboratório de Bioquímica de Artrópodes Hematófagos (LBAH), chefiado pelo professor Pedro Oliveira, no Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da UFRJ. Lá, se interessou por uma linha de pesquisa completamente nova, sobre um mecanismo de eliminação do grupo heme, gerado durante a digestão da hemoglobina do sangue. Até então, este mecanismo – que consistia na cristalização do heme em uma estrutura conhecida como hemozoína – só havia sido identificado nos parasitos da malária. O professor Pedro tinha fortes suspeitas de que algo semelhante pudesse ocorrer no trato digestório de insetos hematófagos e Marcus abraçou o projeto de pesquisa para o seu mestrado, que durou apenas 18 meses.
Após esse período de muito trabalho, sem fins de semana nem feriados, com discussões enriquecedoras com seu orientador e em colaboração com o grupo da professora Marílvia Dansa-Petretski (UENF) e do Acadêmico Wanderley de Souza (UFRJ). Marcus Oliveira defendeu sua dissertação de mestrado. Nela, apresentava sua descoberta de que os insetos transmissores da doença de Chagas, popularmente chamados “barbeiros”, ingerem cerca de 3 a 5 vezes o seu peso em sangue e eliminam a maior parte do heme ingerido sob a forma do cristal de hemozoína. Essa era a primeira descrição de outro organismo capaz de gerar o mesmo produto de eliminação do heme, além do parasito da malária. A descoberta gerou seu primeiro artigo científico – publicado na Nature, em 1999.
Já no doutorado, Oliveira ampliou os horizontes do projeto da hemozoína e descobriu aspectos muito interessantes, como o fato deste cristal de heme ser produzido também pelo helminto causador da esquistossomose humana, o Schistosoma mansoni. Nesse processo, contou com valiosas colaborações dos Acadêmicos Sérgio Ferreira e Franklin Rumjanek, ambos do IBqM da UFRJ. Demonstrou, em seguida, que era possível tratar a esquistossomose humana utilizando drogas quinolínicas antimaláricas, como a cloroquina, dado que estas drogas exercem seu efeito antimalárico através da inibição da formação de hemozoína nos parasitos. “Visto que os vermes causadores da esquistossomose humana também produzem a hemozoína, pensamos que valia a pena testar esta hipótese. Posteriormente, mostramos que outras drogas antimaláricas também possuem potente efeito no tratamento da esquistossomose humana”, recorda Oliveira.
Concursado como professor do IBQM/UFRJ, Marcus Oliveira começou seu grupo de pesquisa, passando a orientar, buscar financiamento próprio e lecionar. “Nunca foi fácil, meu desenvolvimento como chefe de laboratório e orientador foi bem mais difícil do que imaginava, mas aos poucos fui aprendendo a lidar com a pressão, as demandas e a gerenciar meu grupo de pesquisa”, relata.
Pesquisa visa doenças causadas por animais hematófagos
O trabalho que desenvolve no Laboratório de Bioquímica de Resposta ao Estresse (LBRE), que chefia desde 2007, é voltado no momento para duas linhas de pesquisa principais. Uma delas investiga os mecanismos envolvidos na formação do cristal de heme (hemozoina) e sua importância fisiológica em animais hematófagos. “Acreditamos que uma melhor compreensão dos mecanismos envolvidos na formação de hemozoina seja muito importante para o desenvolvimento de novas estratégias de controle e/ou tratamento das doenças transmitidas ou causadas por estes animais”, relata Oliveira.
Outra linha de pesquisa investiga o envolvimento da mitocôndria em diversos processos celulares. “Nosso foco é tentar entender de que maneira a função da mitocôndria pode contribuir para preservar o balanço energético e redox em situações de estresse, evitando, com isso, a morte celular”, explica.
Oliveira e seus alunos acham tempo para atuar em extensão universitária, implementando aulas teóricas e práticas em uma escola municipal na Ilha do Governador. “Tem sido uma experiência muito gratificante ver meus alunos se engajarem intensamente nesta iniciativa e ver os alunos do ensino básico tão ávidos – e ao mesmo tempo tão carentes p
or conhecimento – adorando fazer ciência.”
Interesse em política científica… e rock n roll
Para Marcus Oliveira, certamente é uma grande honra poder ingressar no rol de afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Ele espera que nesse período de cinco anos possa participar de discussões sobre questões que considera nevrálgicas para o avanço científico do país, como as políticas de avaliação dos projetos de pesquisa e dos cientistas pelas agências financiadoras, o papel da ética na ciência brasileira, a qualidade do ensino nas universidades e o papel da extensão nos fóruns avaliativos das agências de fomento.
Ele concilia suas atividades científicas e educacionais com a de pai dedicado e de músico amador. “Compartilho com outros três amigos, também professores do IBqM da UFRJ, a banda The Docs Alive!, que mantém uma agenda de shows no Rio bastante ativa”, acrescenta o Acadêmico.