Diante do possível cenário nas próximas décadas para os fenômenos de estresse hídrico e altas temperaturas em um ambiente de aumento da concentração de CO2 atmosférico, torna-se necessário desenvolver variedades adaptadas a esses processos. A afirmativa é do Acadêmico Paulo Arruda, da Unidade Mista de Pesquisa em Genômica Aplicada a Mudanças Climáticas (Umip GenClima), um trabalho conjunto entre a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Luiz Louzano, Paulo Arruda e Elibio Rech
Desenvolver tolerância a secas e enchentes
O Acadêmico falou sobre como as duas instituições vem enfrentando o desafio das mudanças climáticas através da biotecnologia avançada, durante a sessão sobre inovação nas ciências agrárias da Reunião Magna da ABC. Arruda foi taxativo: ou desenvolvemos qualidades mais tolerantes a essas situações de estresse hídrico, ou não teremos comida para alimentar toda a população mundial – com todos os impactos econômicos e sociais que esse fato gera.
No entanto, o problema é mais complicado. Desenvolver, por exemplo, uma variedade de milho tolerante a seca utilizando genética avançada, que envolve descoberta de genes, prova de conceito, validação em germoplasma e outras fases, demora pelo menos dez anos e custa cerca de cem milhões de dólares. Ou seja, esta variedade tem que ter um valor ainda mais alto. “Se valer menos que o custo, a ideia pode ser academicamente bacana, mas pouco comercial”, afirma Arruda.
Algumas empresas já desenvolvem variedades tolerantes a seca, como Pioneer, Monsanto e Syngenta. A Unicamp e a Embrapa decidiram enfrentar esse problema produzindo ciência voltada ao desenvolvimento desse tipo de produto. Na Umip GenClima, cujos laboratórios já estão em fase de implantação no parque científico e tecnológico da universidade, ficarão sob o mesmo teto várias expertises: bioinformática, biologia molecular, tecnologia de expressão gênica, transformação, análise fenotípica, tecnologia da informação, passando por propriedade intelectual e regulamentação. “Desde o início, tomamos conta de todos os aspectos envolvidos no desenvolvimento de variedades usando genética avançada.”
Mas como encontrar um gene que faça com que uma planta seja tolerante a seca? Existem microrganismos que vivem em condições extremas – a 100ºC ou próximo dessa temperatura. Alguns desses que vivem em condições extremas deram origem a outros organismos que vivem em temperaturas mais baixas, ou seja, um derivou do outro. É nessa capacidade de sobreviverem em condições tão extremas que está focado o desenvolvimento dessas tecnologias. “Elas têm grande impacto econômico e social e podem promover de forma efetiva a manutenção da produtividade em situações adversas em geral – não apenas seca, mas também enchentes etc”, explica Arruda.
O exemplo da BASF
Com formação em engenharia agronômica, o diretor de biotecnologia da BASF, Luiz Louzano, falou sobre os já conhecidos desafios da agricultura: recursos limitados e demanda crescente. O problema não é a falta de terras – “é só viajar de carro e ver que tem muito terreno livre”, disse o palestrante. O que é escasso é a terra que dá para usar, efetivamente, no cultivo.
“No Brasil ainda temos muito espaço, e dá para melhorar a produtividade sem derrubar uma árvore, mas no mundo não é assim.” Há muitos fatores relacionados, como o aumento do consumo de carne na medida em que a renda das pessoas cresce. Os números podem assustar: a produtividade da agricultura precisa dobrar em 40 anos. “Ainda nem geramos 200 milhões de toneladas de grão, e temos que passar a produzir 400, 500 milhões”, adverte Louzano.
Tendo em vista esse panorama, a BASF formou, em 1998, a plataforma BASF Plant Science, que conta com 750 colaboradores e recebe investimento de 150 milhões de euros por ano da empresa. O objetivo é fornecer soluções agrícolas que oferecem “mais com menos”, como o desenvolvimento de culturas geneticamente modificadas, e, assim, abrir o caminho para tornar a agricultura global mais sustentável. Entre os projetos, há parcerias com a Embrapa para desenvolver produtos tolerantes a herbicida e o teste de genes em cana de açúcar resistentes a seca.
Louzano se disse surpreso com o interesse da plateia pelo tema. “Participar de uma sessão da Academia dedicada às ciências agrarias, para um agrônomo, como é o meu caso, é uma honra.” Já o pesquisador da Embrapa e Acadêmico, Elibio Rech, que coordenou a sessão, afirmou que é essencial intensificar a parceria público-privada nessa área para que se possa inovar: “A estrutura agropecuária brasileira é um segmento carente, mas de enorme pujança, e, com a introdução de tecnologias, ela tem muito a contribuir”.