A história de vida dos pais de Rodrigo Alexandre Panepucci é, no mínimo, interessante. Argentinos naturalizados brasileiros, eles deixaram o país em razão da ditadura militar. Professor universitário, seu pai se uniu aos demais docentes – além de inúmeros estudantes – em repúdio ao decreto que acabava com a autonomia universitária na Argentina. Após serem retirados à força da universidade e levados à prisão, em episódio conhecido como “La noche de los bastones largos”, os pais de Panepucci decidiram sair do país.
A família teve uma breve passagem pelos Estados Unidos e, em seguida, seu pai recebeu um convite – por parte do Acadêmico Sérgio Mascarenhas de Oliveira – para lecionar física experimental na Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. “Minha mãe, que havia sido obrigada a abandonar os estudos de medicina na Argentina, resolveu cursar biologia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde posteriormente obteria seus títulos de mestrado e doutorado em genética e bioquímica”, orgulha-se. Ela, no entanto, só decidiu retomar os estudos após dar à luz quatro filhos.
No papel de caçula da casa, Rodrigo muitas vezes era levado aos locais de trabalho de seus pais. Até hoje, ele guarda claras lembranças de suas sensações ao entrar naqueles ambientes que achava fascinantes. Seus irmãos mais velhos, que também contaram com a influência da ciência em seus cotidianos, formaram-se em física e química, respectivamente. “Ambos realizaram mestrado e, logo em seguida, doutoraram-se no exterior. O primeiro veio a trabalhar na área de nanotecnologia e o segundo, na de estruturas de proteínas. O caminho por eles traçado me fazia enxergar como lógico o fato de que, após a faculdade, eu deveria obter os títulos de mestrado e doutorado. Isso era tão óbvio como fazer o colegial após a escola primária”, explica.
Influência que surtiu efeito
Crescer cercado por tanta ciência, pesquisa e incentivo aos estudos acarretou resultados positivos na vida de Rodrigo. Na escola primária, o menino interessava-se principalmente pelas disciplinas de ciências e história: “Experimentos simples realizados em aula me faziam enxergar a ciência como algo simples, lógico e palpável. A história, por sua vez, me fascinava por permitir que eu tivesse uma ideia de que a civilização humana tinha percorrido longos e variados caminhos para chegar onde está.”
Além dos carrinhos de rolimã, bicicletas e skates, em casa os pais de Rodrigo presenteavam os filhos com kits de química para que eles realizassem reações coloridas e divertidas. Panepucci também gostava muito de brinquedos como o Meccano e o Rasti, “primos distantes do Lego” que contavam com motores, partes móveis diversas e inúmeras possibilidades de construção. Mais tarde, a família adquiriu computadores – os primeiros a que Rodrigo teve acesso em sua vida – e os irmãos passaram a se entreter com os joguinhos dos antigos modelos Commodores Vic-20 e 64. “Era um trabalho árduo e meticuloso. Qualquer erro e os programas não funcionavam”, recorda.
Tendo em vista toda essa influência, é claro que seus pais e irmãos exerceram papel crucial no despertar de sua paixão pela ciência. Ainda assim, ele conta que a escolha de carreira foi um pouco complexa: “Meus interesses eram amplos demais – iam desde a veterinária até a robótica – o que me impediu de focar numa determinada profissão logo de imediato.” Ao final do terceiro ano do ensino médio, pensando em eliminar créditos para o curso de engenharia mecânica, ele optou por prestar vestibular para matemática. No entanto, após iniciar a graduação na USP de São Carlos, ele mudou de ideia e resolveu que queria estudar medicina, mas não obteve sucesso nas provas de vestibular. “Resolvi, então, cursar biologia na USP de São Paulo. No ano seguinte, pedi transferência para a UFSCar, em minha cidade natal, e lá conclui a graduação”, explica.
Nesse período, a mãe de Rodrigo atuava como pesquisadora colaboradora no Departamento de Fisiologia da UFSCar e o convidou a ingressar no campo da pesquisa. Depois de aceito o convite, ele passou a trabalhar, sob a orientação do professor Tadeu Rantin, com a bioquímica adaptativa de peixes. “Tive a oportunidade de aprender com a minha própria mãe os mais diferentes métodos laboratoriais. Além disso, foi com grande prazer que escrevi e publiquei meu primeiro artigo científico em coautoria com ela”, reconhece.
Durante a faculdade, teve sua curiosidade voltada para o estudo da genética molecular – que, na época, era também chamada de engenharia genética – um tema relativamente novo na biologia. “O interesse pelo campo me levou a buscar um estágio nessa promissora área de pesquisa. Acabei tendo a oportunidade de trabalhar no laboratório do professor Flávio Henrique Silva, onde não só desenvolvi minha monografia, mas também pude estabelecer contato com a área pela qual realmente me apaixonei, a biologia molecular”, relembra.
A especialização
Outra vez sob a orientação de Flávio Silva, no mestrado Panepucci se especializou em genética e evolução. Nesse período, trabalhou com técnicas na vanguarda da biologia molecular e, para analisar os resultados obtidos, teve de desenvolver suas habilidades em relação ao uso de ferramentas de bioinformática. “Com o término do mestrado, senti uma grande vontade de participar de algo novo e desafiador. Foi quando tomei conhecimento do grupo de pesquisa liderado pelo Acadêmico Marco Antonio Zago na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto”, conta. Algum tempo depois, o professor se tornaria seu orientador no doutorado, cursado na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.
Durante o tempo que trabalharam juntos, publicaram vários trabalhos relevantes. Em razão de sua contribuição para a concretização desses projetos, Panepucci figurou – no ano de 2005 – entre os vencedores do Prêmio Jovem Cientista do CNPq. “Isso me deu destaque e reconhecimento entre os outros pesquisadores da área, alavancando minha carreira”, credita.
Apesar da alegria proporcionada pelo bom momento profissional, Rodrigo estava emocionalmente abalado devido à recente morte do pai, derrotado pelo câncer. Ele sentia que seu pai – um cientista que, pela incansável dedicação demonstrada, era considerado referência em sua área – deveria ter aproveitado mais a vida. Assim, sempre que era interrompido por questões de trabalho quando estava com sua família, Panepucci passou a questionar se tanta dedicação valia à pena. Optou, então, por utilizar o dinheiro que recebeu do prêmio para a concretização de um sonho de infância: começou a praticar voo livre nas horas vagas. Além de ajudá-lo a atingir um equilíbrio saudável entre suas vidas profissional e pessoal, ele acredita que o hobby permitiu que ele trabalhasse com mais foco.
Ainda na USP sob a supervisão de Zago, Panepucci cursou um pós-doutorado no Centro de Terapia Celular (CTC). Meses depois, prestou concurso público e assumiu o cargo de pesquisador científico e tecnológico da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, instituição pela qual obteve seu título de doutorado. Atualmente, ele estuda as células tronco (CT), em especial as hematopoiéticas – que produzem sangue – e as mesenquimais – que produzem ossos, cartilagem e tecido adiposo. De acordo com Rodrigo, que é também editor acadêmico da Revi
sta Internacional PLoS ONE, as CT atraem a atenção dos pesquisadores pois, em teoria, seria possível utilizá-las para reparar ou até criar órgãos inteiros no tratamento de pacientes doentes.
Um exercício de humildade
Rodrigo Panepucci enxerga a atividade científica como um constante exercício de humildade, pois mostra, dia após dia, que ainda há muito a se aprender. “Dogmas estabelecidos podem cair por terra de um momento para o outro e regras podem, subitamente, se tornarem exceções”, explica. Para lidar com as particularidades da carreira científica, o assessor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) enxerga como características imprescindíveis foco, capacidade de planejamento, dedicação, perseverança e paciência. Ele, no entanto, alerta: “A obstinação em busca dos resultados não pode ser intransigente. O pesquisador tem de ser flexível para poder interpretar os resultados sem ser tendencioso.”
Sobre a titulação da ABC, Panepucci afirma: “Este reconhecimento não apenas abre portas, mas também alimenta a paixão que temos pela ciência e nos dá fôlego para que continuemos dedicados e produtivos. Para contribuir com o grupo, espero poder realizar workshops regionais voltados à discussão de temas estratégicos para o desenvolvimento e o avanço científicos em minha área de atuação. Congregando membros afiliados e titulares, além de outros convidados, pretendo aprofundar a discussão de como aproximar a ciência básica de sua aplicação prática.”