“O pensamento crítico é uma das principais características que um bom cientista deve ter”, acredita Carolina Cavaliéri Gomes, ganhadora do Prêmio L’Oréal-Unesco-ABC Para Mulheres na Ciência 2012 . A moradora de Belo Horizonte, Minas Gerais, é a irmã mais velha de três. O pai era gerente de um banco e a mãe ficava em casa, para cuidar dos filhos. As recordações de sua infância passeiam pelas reuniões de família, que aconteciam mais à noite, hora em que todos se reuniam para assistir televisão e brincar com jogos de memória e de tabuleiro. O quintal da casa também era palco para muita diversão.

Muito estudiosa, a jovem Carolina adorava ler e escrever, sendo a leitura um de seus hobbies favoritos até hoje. Fez aulas de dança de balé clássico, dança contemporânea e sapateado dos nove aos 17 anos, quando entrou para a faculdade. Um investimento a que deu continuidade foram as aulas de piano. No colégio, gostava de todas as matérias e era excelente aluna em matemática e física. “Durante o tão temido ano do vestibular, pensei em biologia, em especial na área de genética, até mesmo em jornalismo, já que adorava escrever e me relacionar com as pessoas”, revela. No entanto, optou pela graduação em odontologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que tem sido sua casa desde então e da qual sente muito orgulho.

Ao longo da faculdade, descobriu que a área escolhida era mais abrangente do que pensava. O interesse pela pesquisa cresceu gradualmente. O contato com disciplinas que envolviam o atendimento integral e a saúde coletiva foi essencial para estimular ainda mais sua dedicação. “Consegui enxergar a importância da odontologia no atendimento coletivo da população, não somente em indivíduos de maneira isolada”, afirma. A laureada atuou como monitora em algumas disciplinas de clínica e atenção básica, iniciativa que fazia parte do “Programa de Iniciação à Docência”.

No mesmo período, com a disciplina de patologia bucal, descobriu o que era a tão comentada pesquisa acadêmica e os artigos científicos. Também não tinha ainda noção do que era a iniciação científica (IC), muito menos a diferença entre mestrado e doutorado. “Conversei com alunos que faziam iniciação, mas ainda me parecia algo abstrato. Muitos faziam para complementar o currículo, ter um algo a mais”, observa.

Quando começou o 6º período, foi convidada pelo professor Ricardo S. Gomez para fazer iniciação científica no Laboratório de Patologia Molecular, onde começou acompanhando os experimentos do doutorando André Guimarães, que era dedicado e muito entusiasmado com o que fazia. O estágio voluntário perdurou até o final da faculdade, momento em que Carolina já estava decidida sobre a carreira acadêmica. Assim, sentia-se realizando diversas expectativas dos tempos de adolescência: trabalhar com genética, pessoas, muito estudo e compartilhando conhecimento. “Estudei durante um ano após me formar e, então, participei da seleção para o mestrado em odontologia e patologia bucal na UFMG”, conta.

Em seguida, ingressou no doutorado do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da universidade, durante o qual prestou concurso para o cargo de professora substituta no Departamento de Morfologia do próprio ICB. “A docência me traz um prazer imenso: eu adoro estar em sala de aula”, enfatiza. Outra oportunidade foi o estágio-sanduíche que realizou durante o doutorado no Kings College London, “um período curto, mas de aprendizado intenso.” Após a conclusão de seu doutorado em 2009, a pesquisadora foi bolsista de pós-doutorado por alguns meses e, logo em seguida, passou no concurso para professora adjunta do Departamento de Patologia Geral do ICB/UFMG.

Falar das pessoas que mais a incentivaram ao longo de todo o caminho é uma tarefa difícil para Carolina, pois, segundo ela, “muitos foram importantes”. “Destaco o professor Ricardo Gomez, uma pessoa que sempre acreditou em meu trabalho e o que mais me motivou a concorrer este prêmio”, revela.

Nos últimos anos, de acordo com a premiada, a preocupação com a possibilidade de aparelhos celulares causarem efeitos nocivos à saúde humana tem aumentado. De acordo com dados do final de 2011, o número de usuários ultrapassou seis bilhões, o equivalente a 90% da população mundial. “É preocupante a partir do momento que muitas crianças já os utilizam e se desconhece a consequência do uso em longo prazo”, sublinha.

Por isso, seu trabalho concentra-se exatamente neste assunto. Recentemente, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, integrante da Organização Mundial da Saúde – OMS), concluiu, após uma reunião com 31 cientistas de 14 países, que os celulares deveriam ser classificados como possíveis geradores de câncer. “No comunicado à imprensa, eles explicaram que as conclusões basearam-se em estudos que observaram uma maior chance de desenvolvimento de tumores cerebrais nos usuários de aparelhos celulares, principalmente os que utilizavam por um período maior de tempo”, explica.

No entanto, de acordo com a pesquisadora, com os dados disponíveis não é possível afirmar se o uso dos aparelhos celulares implica em uma maior chance de desenvolver tumores nas glândulas parótidas – que são glândulas salivares maiores localizadas bem próximas à orelha e, portanto, ficam em contato direto com os celulares. “Todos eles emitem alguma quantidade de radiação. Inicialmente, o que pretendemos com este projeto piloto é verificar se o uso de tais aparelhos está associado a alterações moleculares nas glândulas parótidas. Acreditamos que os resultados poderão fornecer evidências de que a radiação leva a um desequilíbrio nas células que compõem essa glândula”, afirma.

A pesquisadora ressalta que as pessoas não devem se sentir alarmadas, pois, em primeiro lugar, o estudo encontra-se em um estágio inicial. Além disso, existem alternativas, como o uso consciente. “Enquanto não temos evidências, recomenda-se minimizar a exposição da região da cabeça à radiação emitida pelos aparelhos. Isto pode ser feito utilizando-se fones de ouvido, viva-voz, mensagens quando possível e evitando o uso em locais fechados.”

Em um seminário recente, Carolina descobriu o que considera ser o fato mais encantador da ciência: o de que todas as verdades são transitórias. “Independente da profissão, o importante é estudar muito e dedicar-se ao trabalho com entusiasmo”, opina. “Com a minha experiência, descobri que não existe como explicar o fracasso da vida profissional através do sucesso da relações pessoais, ou vice-versa. Se uma pessoa ama o que faz, com determinação, esforço e muito trabalho é possível ser bem-sucedido em todos os campos da vida”.

Para ela, o prêmio conquistado significa uma enorme responsabilidade, além de um reconhecimento pela ciência praticada por mulheres mineiras e pela pesquisa realizada na UFMG. “Além disso, sinto-me representando a excelência do trabalho dos dentistas, incluindo toda a minha rede de colaboração”, frisa. Os recursos a ajudarão a dar continuidade ao projeto, alavancando sua carreira científica.