Há quem diga que aquilo que admiramos na infância pode ser um prenúncio do acontecerá ao longo da vida. A carioca Paula Murgel Veloso é matemática, professora adjunta do Departamento de Análise da Universidade Federal Fluminense (UFF) e conta que, de certa forma, sempre soube que seria uma cientista. “Eu venho de uma família cheia de acadêmicos, então eu já tinha certa noção do que o trabalho envolvia e do estilo de vida”. O ambiente, certamente, contribuiu bastante: seus pais são professores universitários especializados em Lógica e têm outros parentes dedicados à diversos ramos da ciência.

Afeiçoada à leitura e aos estudos, na escola gostava de muitas disciplinas: biologia, física, matemática, química e português. Fora dela, preferia os jogos de montar e desmontar. Desde pequena, se interessava por outros idiomas: hoje é fluente em inglês, francês e italiano, além de possuir conhecimentos do russo. A imaginação era colorida por livros, filmes e programas de TV que mostravam cientistas à margem da vida comum, decifrando enigmas e explicando-os para o mundo, “vendo o mundo de uma maneira singular, mas com clareza”, observa Paula.

Antes da matemática, Paula pensou em cursar biologia, medicina e física. Cursou engenharia de computação. Isto soa como indecisão, mas talvez fosse a curiosidade característica dos cientistas, que desde então já falava mais alto do que salário, mercado de trabalho ou o que fosse. Tanto que Veloso, cursando graduação-sanduíche em Engenharia de Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pela Universidade da California, em Berkeley, por pouco não completou o curso de Matemática paralelamente. “Eu me sentia meio deslocada dentro do curso: meus colegas ou tinham o perfil empreendedor e queriam abrir a própria empresa ou eram micreiros, daqueles que gostavam de desmontar computadores e sabiam tudo sobre sistemas operacionais – e eu gostava das matérias mais teóricas, aquelas que todo mundo detestava”, recorda a pesquisadora. Por isso, estendeu ainda mais sua formação, com iniciação científica na engenharia elétrica e estudando ciência da computação e matemática na Universidade da Califórnia por um ano.

A vivência universitária contribuiu para que ela optasse por seguir a carreira de pesquisa. Aquela imagem de cientista que ela havia construído na infância foi ganhando novos contornos. “Agradava-me a ideia de ter um trabalho envolvente, não convencional, num meio fervilhante de ideias – como eu imaginava ser a universidade -, e de lidar com jovens”, comenta. Interessada pela área de Álgebra Não-Comutativa, Veloso cursou mestrado e doutorado no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), sob a orientação de Arnaldo Garcia, Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), em co-orientação com Guilherme Leal, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Neste mesmo período, estudou um ano na Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, com a orientação de Eric Jespers. No pós-doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), seu orientador foi Jairo Gonçalves.

Seus estudos sobre anéis de grupo, anéis de semigrupos e subgrupos livres são a contribuição científica que fizeram a ABC, a L’Oréal e a Unesco escolherem Paula Murgel Veloso para receber o prêmio de U$ 20 mil, dentro do programa Para Mulheres na Ciência. “Meu objetivo é entender quando alguns elementos especiais de um anel de grupo [os elementos simétricos sob uma involução] satisfazem ou não algumas equações, chamadas identidades de Lie. A identidade de Lie mais simples é a comutatividade: x.y = y.x. Isto vale para números, mas não para matrizes e também não para elementos de um anel de grupo. Eu quero estudar outras identidades de Lie, que são mais complexas”, explica Veloso.

Se na infância ela se encantava com certa imagem caricata do cientista, ser incomum repleto de excentricidades, o passar dos anos, o volume de experiências e a aquisição de conhecimentos deram à Paula Veloso outras razões para ser cientista. Ela acha o pensamento científico encantador. “Lidar com conceitos abstratos, distinguir o que é essencial do que é acessório, estabelecer o que é causa e o que é consequência, tudo isso acaba moldando o raciocínio, o modo de pensar do cientista de um jeito que não é a maneira como as pessoas normalmente pensam”, ela afirma. E até descreve a beleza de seu objeto de estudo: “Na área de anéis de grupos, especificamente, eu gosto sobretudo da elegância dos conceitos, dos cálculos… uma elegância bem característica da álgebra. Quando algo dá certo, quando eu encontro algo novo, os resultados são tão bonitos e limpos, tudo se encaixa tão bem, que é como se eles já estivessem lá, prontos, apenas esperando que alguém os descobrisse.”

Para ela, o prêmio L’Oréal-Unesco-ABC significou um grande incentivo e reconhecimento, que a estimulou a continuar trabalhando muito. Com os recursos do prêmio, ela planeja melhorar a infraestrutura de seu ambiente de trabalho na Universidade Federal Fluminense, além de comprar livros e empregar parte do recurso em colaboração com outros pesquisadores e na divulgação dos resultados de sua pesquisa em congressos e reuniões científicas.

Considerando que a ciência não é exclusiva de gênios predestinados, Paula Murgel Veloso destacou algumas características que acha fundamentais para quem quer se tornar cientista. “É preciso, em primeiro lugar, gostar bastante de estudar. O trabalho de pesquisa é, por sua própria natureza, envolvente: não é um trabalho que termina ao fim do expediente. Os problemas invadem a cabeça do cientista sem pedir licença, sem escolher hora ou lugar – leva-se trabalho para casa, mesmo sem querer. Então, para ser cientista, é preciso ter essa disponibilidade, tem que querer se envolver.”