Leia abaixo a entrevista do academico Miguel Nicolelis à revista Veja, sobre o lançamento de seu livro “Muito Além do Nosso Eu – A Nova Neurociência que Une Cérebro e Máquinas e Como Ela Pode Mudar Nossas Vidas”.

Para apresentar Muito Além do Nosso Eu – A Nova Neurociência que Une Cérebro e Máquinas e Como Ela Pode Mudar Nossas Vidas (Companhia das Letras; 552 páginas; 39,50 reais), o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis cita o ensaísta e poeta americano Ralph Waldo Emerson: “Não seja escravo do seu passado. Mergulhe em mares grandiosos, vá bem fundo e nade até bem longe, e voltarás com respeito por si mesmo, com um novo vigor, com uma experiência a mais que explicará e superará a anterior”. A escolha faz jus à obra. O livro, o primeiro de Nicolelis para o grande público, é um relato apaixonado de seus 27 anos de pesquisas sobre o funcionamento da mente. Uma jornada, tal como descrito na epígrafe de Emerson, cheia de desafios e descobertas. Desde 1994 à frente do Centro de Neurociências da Universidade Duke, nos Estados Unidos, esse paulistano de 50 anos foi pioneiro na interação entre o cérebro humano e os computadores, área em que se tornou referência mundial. Seu trabalho rendeu-lhe 38 prêmios internacionais e a capa da prestigiosa revista Science – a única dedicada a um brasileiro nos 131 anos da publicação. A coleção de láureas deve-se não somente ao brilhantismo científico, mas a seu espírito inovador. `Acho que nasci revolucionário. Busco a ruptura a todo momento-, disse ele a VEJA.

Desta vez, a ruptura começa com a própria concepção do livro. Trata-se de um híbrido literário: uma autobiografia que abarca a defesa de uma nova teoria do cérebro. “Uso minha história como fio condutor para desvelar a visão de cérebro que emergiu de minhas pesquisas – um cérebro plástico, maleável e democrático, mais parecido com o cosmos do que com o computador”, explica o autor. A narrativa tem início em 1954, quando. graduado em medicina pela Universidade de São Paulo, Nicolelis optou pela neurofisiologia, a disciplina que estuda os mecanismos físicos da consciência humana. Na ocasião, todas as tentativas de decifrar o cérebro humano concentravam-se em pesquisar o neurônio de forma isolada. “Não fazia sentido. É como tentar ouvir uma sinfonia com o som de um violino apenas”, compara. Determinado a ouvir a orquestra inteira, Nicolelis foi trabalhar na Universidade Hahnemann, também nos Estados Unidos, como bolsista. Lá desenvolveu uma técnica que reconfigurou a neurociência moderna: foi o primeiro pesquisador a registrar os sinais elétricos de uma centena de neurônios simultaneamente. A partir desse mapeamento, Nicolelis e sua equipe apresentaram pela primeira vez o registro total de uma via neural sensorial termo que designa a atividade cerebral relacionada à sensação, neste caso, do tato. Ao contrário do que se pensava. os neurônios dessa via não estavam alocados numa única estrutura, mas distribuídos por todo o cérebro.

Foi o começo do fim de dois dogmas: o de que o cérebro é compartimentado e o de que ele é estático, imutável, e só se reconfigura quando é preciso compensar uma lesão. O trabalho, primetro a provar inequivocamente que todo o órgão participa de cada ação do indivíduo. é até hoje o mais importante entre as duas centenas de estudos do pesquisador e o colocou entre os grandes nomes da ciência mundial. A fama, porém, só veio com os experimentos de implante de chips em cérebros de macacos. A técnica, que consiste na captação e digitalização dos sinais elétricos emitidos pelos neurônios, possibilitou. entre outros feitos tremendos, que uma macaca Rhesus situada erra uni laboratório nos Estados Unidos movimentasse urra robô no Japão apenas com o pensamento. Listada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) como uma das dez tecnologias capazes de mudar o mundo, a interface cérebro-máquina poderá, em breve, permitir a um tetraplégico andar enviando seus comandos cerebrais a uni exoesqueleto uma espécie de traje robótico. Nicolelis garante que isso acontecerá em 2014. na abertura da Copa do Mundo. Há quem duvide. já que várias vezes se anunciou que a empreitada estava prestes a acontecer. Simples, porém, ela não é.

Recentemente, a partir de um inovador método cirúrgico para o tratamento da doença de Parkinson, pelo qual recebeu um prêmio dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. Nicolelis provou que sua teoria sobre o cérebro não é uni devaneio. Pelo contrário, terra aplicações práticas. A técnica cirúrgica atual consiste no implante de um chip rios gânglios da base, área do cérebro estimulada em pacientes portadores de Parkinson. Os sinais elétricos emitidos ,pelo chip regularn a atividade dos neurônios da região. atenuando os sintomas da doença. Na versão de Nicolelis, uni chip é implantado na medula espinhal do doente. Os sinais elétricos não são direcionados a uma região específica, mas a todo o cérebro. -Em testes com ratos. conseguimos uni efeito superior ao da terapia tradicional. É mais uma prova de que as funções cerebrais e as doenças não estão restritas a um único local. Isso vai revolucionar a medicina. profetiza Nicolelis. Se a técnica se provará ou não revolucionária. só o tempo dirá. Mas é certo que seu conceito, ao menos. corresponde a mais uni mergulho profundo e desafiador de um cientista sempre erra busca de se superar.

O Cérebro inimitável

“A consciência baseada em silício, se ela algum dia surgir, certamente se manifestará de formas muito distintas daquelas exibidas pela versão humana. (…) Nossa peculiar história evolutiva não pode ser comprimida em nenhum algoritmo computacional,’, um fato que elimina qualquer esperança de que máquinas, simulações computacionais ou formas artificiais de vida poderiam ser sujeitas a uma lista idêntica de pressões evolutivas, geradas por qualquer código de computador ou outra máquina criada pelo homem. (…) Por carregar o legado de sua própria história impresso dentro de seus circuitos, o cérebro recebeu como recompensa a imunidade mais poderosa contra possíveis tentativas de copiar seus mais íntimos segredos e arte.”
Trecho de Muito Além do Nosso Eu, de Miguel Nicolelis