Leia o obituário enviado à ABC pelo Acadêmico Gerhard Jacob, com colaborações do Prof. Darcy Dillenburg e sugestões do Acadêmico Fernando Zawislak.

Theodor August Johannes Maris

“Faleceu, em 20 de agosto, o físico e Acadêmico Theodor August Johannes Maris – Theo, para os amigos.

Maris nasceu em Weert, Holanda, em 3 de janeiro de 1920 e realizou sua formação na Universidade de Munique (Luwig-Maximilians-Universität), obtendo seu doutorado summa cum laude em 1954, com tese sobre entropia em estados não-estacionários, sob a orientação de F. Bopp.

De Munique, Maris mudou-se para o Instituto Nobel, em Estocolmo e daí para o Instituto Gustaf Werner, em Uppsala. Nesse instituto iniciou pesquisa teórica e experimental nas chamadas reações quase-livres, [(p,2p)], importantes para a investigação da estrutura nuclear, especialmente do modelo de camadas. Os resultados dessas pesquisas tornaram Maris internacionalmente conhecido, além de mostrarem desde cedo sua maneira original de pensar a Física.

Após passar um ano no Instituto Niels Bohr em Copenhague, transferiu-se para a Universidade Estadual da Flórida, em Tallahassee; enquanto nessa Universidade, recebeu em 1959 um convite para orientar, por um ano, o início da pesquisa em Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Observe-se desde já que ficou em Porto Alegre pelo resto da vida, salvo alguns sabáticos no hemisfério norte.

Nessa universidade havia sido fundado, em 1953, a partir de uma iniciativa de Antonio E. P. Cabral, um pequeno Centro de Pesquisas Físicas que, em 1959, deu origem a um novo Instituto de Física. A colaboração de um físico experiente era essencial para dar início à pesquisa, razão pela qual o mencionado convite foi formulado. Maris mostrou extrema competência não só para orientar estudantes, mas também para sugerir políticas científicas que garantissem um desenvolvimento harmônico, orgânico e qualificado, em nível internacional, para o Instituto como um todo.

No que diz respeito à pesquisa, inicialmente continuou, sempre em colaboração com estudantes locais, seus trabalhos em reações quase-livres. Entre esses estudantes eu me incluo, pois a ele devo praticamente toda a minha formação como físico.

Quase que simultaneamente, partindo de sua convicção de que, numa região do tamanho do Rio Grande do Sul, necessariamente deveria existir um Instituto de Física “completo” e de nível internacional, e que o “completo” incluía pesquisa em física experimental (e também em física aplicada), incentivou estudantes a iniciarem trabalhos em correlações angulares perturbadas.

Mesmo havendo sugestão de colegas de São Paulo e do Rio de Janeiro de preparar os físicos experimentais fora, ele insistiu que se iniciasse trabalho experimental com um grupo na Universidade em Porto Alegre, ao mesmo tempo em que o mais promissor dos estudantes – o hoje Acadêmico Fernando C. Zawislak – fosse estagiar na Universidade de São Paulo (USP), onde a pesquisa experimental à época já estava bastante desenvolvida. Isso baseado em uma de suas máximas: um fogo não se faz espalhando as brasas, mas reunindo-as.

E, coerente com sua atitude de participação ativa e não só a de sugerir o que deveria ser feito, ele se envolveu de imediato, juntamente com Darcy Dillenburg, em estudo teórico de efeitos de relaxação sobre correlações angulares.

Depois de em princípio sedimentadas essas áreas, Maris entendeu que era chegada a hora de começar a diversificar na área teórica. Aliás, mesmo antes de chegar ao Brasil, já começara a aprofundar-se em Teoria Quântica de Campos.

Iniciou então o desenvolvimento de uma antiga ideia sua, a de formular a eletrodinâmica quântica partindo de massas nulas para o elétron e o múon, atribuindo a origem das massa à interação eletromagnética. A ausência de unidade de massa em uma teoria dessa natureza implica que só fazem sentido razões entre massas; a relação entre a massa do elétron e do múon, em que Maris trabalhou pelo resto de sua vida, continua um problema aberto até hoje.

Na área experimental, deu o impulso inicial para que se realizassem trabalhos em Efeito Mössbauer e em Física de Laser, já com vistas a futuras aplicações, inclusive tecnológicas. Isso novamente dentro de sua ideia básica de que o único Instituto de Física em uma região do tamanho do Rio Grande do Sul deveria necessariamente contribuir também para o desenvolvimento sócio-econômico do estado e do país.

Na mesma linha, propôs a criação de um grupo de pesquisa em Física de Plasmas, por envolver forte componente de Física Clássica e amplo espectro de aplicações tecnológicas (soube-se depois que, nessa mesma época e de forma independente, iniciativa semelhante estava sendo tomada na Unicamp).

Outra característica de Maris era a de não ter interesse algum em cargos ligados a poder. Jamais pensaria em postular a direção do Instituto, sequer a chefia do departamento; isso deixava para os colaboradores. Mas, por outro lado, não abria mão de forma alguma de dar suas opiniões sobre a política científica geral do Instituto; a execução era atribuição de outros; a dele era fazer boa Física e orientar estudantes.

O Instituto cresceu na forma em que Maris sempre entendeu que deveria crescer: organicamente. E ele jamais perdeu a visão geral sobre todas as atividades que tinham lugar: teóricas e experimentais; em algumas dando sua opinião, sempre forte e pertinente, em outras somente acompanhando os progressos e se informando. Dito de outro modo: Maris jamais perdeu a visão global das atividades em desenvolvimento no Instituto, mesmo depois de se aposentar compulsoriamente em 1990. Por isso ele deve com justiça ser considerado o Pai da Física na UFRGS.

Deve ainda ser ressaltado que convites para cátedras no exterior não faltaram: para universidades da Alemanha, dos EUA, do Canadá; Maris recusou todos. Ele não só gostava da vida no Brasil, mas suas já mencionadas convicções contribuem para explicar as recusas: “no hemisfério norte sinto-me como uma rodinha na engrenagem, aqui tenho mais a sensação de participar do motor que move a engrenagem”.

Para que o presente texto não permaneça completamente fora dos padrões usuais das manifestações dessa natureza na Academia, adiciona-se o que segue.

Maris publicou perto de uma centena de artigos científicos em revistas indexadas, praticamente todos em colaboração com estudantes, autores juniores ou colegas, na grande maioria sendo ele o autor principal – apesar de sua insistência em que nas publicações a ordem dos nomes fosse alfabética, com raríssimas exceções. Orientou um grande número de estudantes, de mestrado e de doutorado: a primeira e a segunda geração de físicos do Instituto de Física da UFRGS foram por ele formados, total ou parcialmente. Parte de seus ex-alunos estão espalhados pelo Brasil.

Enquanto ainda estrangeiro, foi eleito em 1974 Membro Correspondente da Academia e, em 1989, depois de se naturalizar brasileiro, foi eleito (novamente) Membro Titular. Em 1996 foi admitido na Ordem Nacional do Mérito Científico, na categoria mais alta, Grã Cruz. Em 1990, a UFRGS concedeu-lhe o título de Professor Emérito e em 2007 foi agraciado com o título de Pesquisador Emérito pelo CNPq.

Resume-se assim a carreira de um físico brilhante e original, que recusou ao longo de décadas reiterados convites para assumir importantes cargos de pesquisa em instituições estrangeiras, preferindo contribuir para o crescimento científico e tecnológico de um país em desenvolvimento.”