Pôr mais crianças na escola, como tem feito o Brasil, é bom. Cuidar da melhoria da qualidade do ensino é ainda melhor. Mas essas duas iniciativas, por mais bem executadas que sejam, não chegarão a fazer muita diferença se não for tomado um cuidado extra: investir também nas crianças de zero a 3 anos de idade, a chamada primeira infância.

Esse foi o recado dado em 17/12 ao governo do Brasil, no Rio de Janeiro, por um dos maiores especialistas em efeitos da educação na vida econômica dos países, James Heckman, prêmio Nobel de Economia em 2000. Ele abriu o seminário Educação na Primeira Infância, que terminará hoje, na Fundação Getulio Vargas, advertindo que já aos 3 anos de idade começa a aumentar a distância – em termos de melhoria nas condições de vida – entre as pessoas cujos pais tratam de estimulá-las, lendo para elas, engajando-as em jogos e conversas, e aquelas que são negligenciadas por eles. “É a partir daí que começa a surgir a grande divisão, fazendo com que a desigualdade se perpetue nas gerações posteriores – disse ele.”

Heckman, professor da Universidade de Chicago e que há pouco mais de 40 anos faz pesquisas no setor, disse que muita gente ainda hoje acredita que as habilidades de uma pessoa são herdadas ao nascer. Ele desmentiu esse mito exibindo alguns dos resultados de seus estudos iniciados nos anos 60, por meio de um programa de educação com crianças e que envolveu também os seus pais.

O mais impactante deles é o custo-benefício da iniciativa: cada dólar investido no programa deu um retorno de nove dólares para a sociedade. “Um programa de primeira infância de qualidade para a população carente é uma condição necessária para avançarmos em direção a uma sociedade mais educada, igualitária e, sobretudo, menos violenta”, disse Heckman.

Críticas ao sistema do Brasil

Segundo ele, o investimento na primeira infância – zelando pela saúde das crianças e educando os pais a serem pais de verdade – é o meio mais eficiente para garantir êxito na escola, reduzir a criminalidade e os gastos com medidas socioeducativas para remediar deficiências na juventude e na vida adulta.

O prêmio Nobel comentou que o Brasil “tem feito um enorme progresso nos últimos 20 anos, promovendo educação e reduzindo a desigualdade”. Mas, em seguida, lembrou que a pobreza ainda é muito aguda no país. E afirmou que, a menos que se passe a dar mais atenção à primeira infância, o futuro será incerto.”Do jeito que as coisas estão, vocês estão criando uma situação que tornará muito difícil que a próxima geração de brasileiros alcance o sucesso. A política do Brasil, e de outros países, focaliza demais nos adultos e em colocar crianças na escola, e não reconhece a importante base que começa antes da escola. Em vez de consertar problemas, é mais negócio a gente evitá-los logo cedo.”

Heckman sugeriu, ainda, que o Brasil passe a encarar de forma distinta os notórios desequilíbrios socioeconômicos da população. “Há uma outra causa para a desigualdade no Brasil, além da distribuição de renda: é o seu sistema de educação”, disse ele, lamentando que o ministro do setor, Fernando Haddad, já houvesse deixado o recinto do seminário quando ele fazia a sua palestra. “Pena que o ministro da Educação já tenha ido, e que o da Justiça não tenha vindo, com alguns outros, pois este é um assunto que vale a pena discutir amplamente”, disse Heckman.

Ao responder sobre qual deveria ser a prioridade do poder público, ao investir em educação, ele não titubeou: a primeira infância. “Se as crianças que estão chegando à escola já estão preparadas, e com maior motivação, a performance do sistema de ensino no geral será muito mais efetiva”, afirmou.

Ao longo de uma apresentação que durou 82 minutos, o professor americano desconstruiu vários mitos – como o de que é importante investir nas escolas para que elas façam com que os estudantes melhorem o seu QI (quociente de inteligência). “Quando se pensa em ensino, pensa-se basicamente sobre QI, em como desenvolvê-lo, e não em se criar caráter, em promover motivação, cidadania, em propiciar que as pessoas se socializem com outras, e se engajem. Enfim, em coisas que têm um papel muito maior em nossa vida. Isso é negligenciado aqui no Brasil e em toda parte. É um problema que os responsáveis pela criação de políticas não encara”, afirmou. “Esses testes que fazem nas escolas servem para muito pouco. O que falta são políticas que criem motivação.”

Heckman insistiu que os governos não precisam gastar mais dinheiro e, sim, gastar com mais eficiência os recursos disponíveis.

Programas reduziram criminalidade

Programas dedicados à primeira infância elevaram a taxa de conclusão do ensino médio e reduziram a criminalidade nos Estados Unidos, mostra artigo do professor da Universidade de Chicago e prêmio Nobel de economia James Heckman. O atendimento em alguns deles começa nos primeiros meses de vida dos bebês, envolvendo diretamente as famílias. Professores com formação específica, turmas com menos de dez crianças por docente, currículos claramente estruturados e atividades diárias fazem parte do roteiro.

A professora da Georgetown University Sharon Ramey disse que os ganhos obtidos com esses programas, no entanto, podem ficar para trás se a criança for depois matriculada em escolas de baixíssima qualidade. Disse que isso já foi observado com crianças negras e pobres em Washington, onde a rede pública é uma das piores do país. “O atendimento na primeira infância não é suficiente para crianças de ambientes de baixa renda”. A professora afirmou ainda que, para surtir efeito, as intervenções na primeira infância exigem planejamento e dedicação. Ou seja, ações isoladas não bastam.

Uma das iniciativas citadas por Heckman é o Programa Perry, que começou a atender crianças de 3 anos, de famílias negras de baixa renda, no estado de Michigan, nos EUA, na década de 1960. Ao longo de dois anos letivos, cada aluno tinha duas horas e meia diárias de atividades, como jogos e brincadeiras, sob orientação de professoras.

As informações estão em artigo de Heckman e três pesquisadores brasileiros (Aloísio Araújo, Flávio Cunha e Rodrigo Moura), publicado na coletânea Educação Básica no Brasil, sob o título A educação infantil e sua importância na redução da violência. Uma vez por semana, uma professora visitava a casa do aluno. Nesses contatos, segundo Heckman, deve-se alertar os pais sobre cuidados com o bebê, assim como estimular a leitura de histórias em voz alta. “Coisas que pessoas de classe média sabem, mas famílias carentes, não”, disse Heckman.

Os jogos eram baseados na solução de problemas e eram guiados por perguntas das professoras, que estimulavam o desenvolvimento cognitivo das crianças. Participaram 123 crianças. Ao final, 66% delas concluíram o ensino médio, contra 45% do chamado grupo de controle, isto é, alunos que não receberam o mesmo tipo de atendimento.

Outro programa foi o Abecedarian, que atendeu 111 crianças nascidas entre 1972 e 1977. Na média, os bebês ingressavam no programa aos 4 meses de vida e ficavam até os 8 anos. O custo ficou em US$15.121 por aluno, a preços de 2006. Isso é cerca de 50% mais do que o gasto médio por estudante de ensino fundamental e médio, nos EUA. O custo do programa Perry era menor: US$9.785.