Maria Manuela da Cunha

A primeira mesa-redonda do evento Amazônia: Desafios e Perspectivas de Integração Regional foi coordenada pela Acadêmica Maria Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago e teve como tema a diversidade sócio-cultural e a integração sul-americana.

A antropóloga abriu a mesa colocando algumas questões. Qual o papel das populações amazõnidas nesse processo de desenvolvimento regional sustentável? Que populações são essas? Quais os efeitos do modelo atual de desenvolvimento sobre esses grupos sociais?

Ela destacou que as populações da floresta tem um cabedal enorme de conhecimentos, não só ancestrais mas construídos recentemente, portanto são também produtores de inovação. A professora lamentou o fato das populações tanto urbanas quanto rurais estarem sendo até hoje desconsideradas, tanto pelas políticas públicas como por alguns pesquisadores. Para Manuela, estas populações têm suas funções, devendo ser vistas como parte integrante da floresta. “Portanto, a inovação também deve ser aproveitada por elas e, para tanto, deve se levar para a floresta saúde, educação e energia, junto com a estrutura de comunicação”. Manuela destacou que esta é uma responsabilidade das instituições que devem assumir logo o seu papel, pois há interesse do mercado nesse tipo de ação.

Adalberto Verissimo, Adriana Ramos, Maria Manuela, Margarita Benavides, Sergio Leitão e Elaine Elisabetsky
Adalberto Verissimo, Adriana Ramos, Maria Manuela, Margarita Benavides, Sergio Leitão e Elaine Elisabetsky

 

Pelo diálogo intersetorial

O agrônomo e ecólogo Adalberto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), instituto de pesquisa e formação de recursos humanos fundado em 1990 em Belém, no Pará, questionou qual é a dinâmica que move a Amazônia. Destacou que apesar da redução do desmatamento, as forças que desmatam continuam presentes. “O fato de a febre baixar não significa que a infecção está debelada”, ilustrou.

A Imazon integra a Articulação Regional Amazônica (ARA), um grupo de 40 entidades de diversos países que compõem a região amazônica. Verissimo aponta que a integração vem se dando mais em termos de estradas e transporte do que no âmbito das políticas sociais e de Ciência e Tecnologia (C&T). Ele informou que no bioma amazônico moram 40 milhões de pessoas, das quais 25% são povos indígenas e populações extrativistas tradicionais. “Precisamos desenvolver na região uma economia do século 21 que dê conta da exuberância da biodiversidade, inclusive humana, valorizando as culturas da região”, disse o ecólogo.

Fazendo um histórico da ocupação da Amazônia desde os anos 70, Veríssimo chegou à década de 90, quando as forças extensivas e predatórias se estabeleceram de vez na região, com a indústria madeireira e a pecuária. “É uma riqueza passageira, ilusória. Depois da extração da madeira vem a pecuária, explora a área por cinco a doze anos e fim”, esclareceu. A alternativa ideal, a seu ver, seria a implantação de uma economia verde. “Só que a predatória gera 100 bilhões por ano, enquanto a verde geraria 60 bilhões. Só que é mais estável.”

O difícil é esclarecer e convencer os trabalhadores da madeira e da pecuária de fazer essa passagem e entender que há um prejuízo imediato, mas um lucro a longo prazo. “O enfrentamento do desmatamento envolve o enfrentamento com essa população trabalhadora”, ressaltou o pesquisador. E os governos dos estados, segundo ele, também se deixam seduzir pelo modelo atual, que injeta receita de forma imediata. “Serão necessários 340 bilhões por 20 anos – 17 bi por ano – para conseguirmos desenvolver infra-estrutura, ciência, tecnologia e direitos de propriedade na região”, informou Veríssimo, baseado em dados recentes da McKinsey Consultoria.

Ele reforçou a questão das cadeias produtivas. “Se queremos uma Amazônia sustentável, temos que criar uma geopolítica que proteja as pequenas iniciativas. O açaí, por exemplo, movimenta 80 a 120 toneladas diárias no porto de Belém. Mas é uma cadeia produtiva pouco estudada, a pesquisa é incipiente. Mesmo assim, os lucros triplicaram em cinco anos. Se houver investimento de C&T, a renda dos produtores pode ser triplicada novamente, e podem ganhar com organização social”, apontou Veríssimo, para quem o caminho é o diálogo intersetorial, com investimentos de empresas e o fortalecimento do Estado.

Pela valorização das demandas sociais

Para a jornalista especializada em política ambiental Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), sediado em Brasília, a Amazônia é uma região de disputas e seu desenvolvimento traz desafios de superação de muitos limites, além dos político-institucionais. Em seu ponto de vista, a integração deve ser planejada não só pelo aspecto da infra-estrutura, mas pela perspectiva social.

“É preciso pensar a sociodiversidade como base desse upgrade para uma Amazônia 2.0.”, ilustrou a palestrante. Esta sociodiversidade envolve 170 povos indígenas, 357 comunidades quilombolas, além de ribeirinhos, seringueiros e quebradeiras de coco. “São 107 milhões de hectares onde vivem 2,2% da população brasileira”, contextualizou Adriana.

Ela ressaltou que as áreas indígenas têm um papel na contenção do desmatamento, pois utilizam a floresta de forma sustentável, dado que ela é a bases da sua sobrevivência. Para Adriana, “a história de vida dessas populações pode indicar o que será essa economia da floresta tão falada.”

Pelo direito de posse e propriedade

A antropóloga peruana Margarita Benavides, do Instituto Del Bien Común (IBCPeru), deu um panorama da Amazônia peruana. Ela contou que o processo de colonização trouxe uma diminuição abrupta da população, com mudanças nas configurações dos povos e território indígenas. “Hoje, são 60 povos indígenas pulverizados pelo país, correspondendo a 9% da população amazônica que ocupa 17% da área do país”.

A base da sobrevivência desses povos é a mineração. Os conflitos têm ocorrido, segundo Margarita, pelo fato das mudanças nas políticas públicas referentes aos territórios indígenas sofrerem mudanças sem consulta aos povos que habitam a região. “As comunidades indígenas são tratadas como obstáculos ao desenvolvimento. Mas o conceito de desenvolvimento deles é diferente do conceito do governo”, observa a antropóloga. Os povos indígenas, segundo ela, querem ser consultados sobre iniciativas de desenvolvimento que afetem seus territórios e mais, querem beneficiar-se delas. “O maior desafio é conseguir melhores condições de diálogo e obter segurança jurídica sobre seus direitos de posse e propriedade.”

Margarita finalizou com uma questão fundamental, referente às mudanças climáticas. “O mercado de carbono vai beneficiar os países desenvolvidos ou servir como compensação e benefícios para os povos que habitam a floresta?”

Pela valorização do conhecimento tradicional

A etnofarmacologista Elaine Elisabetsky, do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), abordou os sistemas culturais da região amazônica. “As espécies são naturais, mas os produtos são frutos do conhecimento humano”, disse a pesquisadora, que identifica como prioridade para o desenvolvimento regional a organização do novo conhecimento e sua conversão em processos e produtos de qualidade.

Citando Lévi-Strauss, ela reforça que os povos indígenas têm consciência plena do valor concreto do seu saber. Elaine citou uma experiência local, relativa a uma doença chamada de “mal de guta”, cujos sintomas incluíam convulsões e era tratada com uma determinada planta nativa. Ao estudar a farmacologia da planta, Elaine identificou uma substância – o linalol – que é reconhecidamente anti-convulsivante. Outra vivência que ela teve foi com a utilização de uma determinada planta para o tratamento de idosos, do que a comunidade chamava de “doença dos nervo”. Analisando a planta, ela identificou propriedades neuroprotetoras.

A pesquisadora explicou que desenvolver drogas não é fácil: para cada 250 mil estudadas, apenas uma chega ao mercado. Mas 42% das vendas das maiores indústrias farmacêuticas do mundo são de produtos biológicos, naturais ou derivados de produtos naturais. E para descobrir esses produtos, o conhecimento dos povos indígenas é fundamental. “Quando há uma indicação de que tal planta serve para tal coisa, o índice de acerto é muito maior do que numa pesquisa cega”.

Elaine observa também que a cultura local em relação ao uso medicamentoso da natureza abrange inclusive um dos paradigmas da medicina ocidental, que é a utilização de múltiplos componentes em determinadas fórmulas – vários ingredientes ativos que têm múltiplos mecanismos de ação potencializados por sua combinação. “A ciência indígena é baseada na observação sistemática de fenômenos naturais, exatamente como prega o método científico”. O conhecimento tradicional, inclusive, é dinâmico. “O povo Andoke, por exemplo, tem um calendário epidemiológico que associas os meses a determinadas doenças, sempre atualizado. É um paradigma de inovação”, conclui a farmacologista.

Pela capacitação de recursos humanos locais

O advogado cearense Sérgio Leitão, do Greenpeace, identificou um conflito básico com relação a aplicação de recursos na Amazônia. “O que é mais importante: resolver uma série de urgências amazônicas ou investir nos conhecimentos necessários para resolver a agenda amazônica?” Tanto para ele quanto para todos os palestrantes do evento, a questão fundamental é inserir a Amazônia na agenda do Estado. O governo, em seu ponto de vista, ainda carrega traços autoritários no seu relacionamento com populações diferenciadas. “Precisamos qualificar a mão de obra local. Temos que trazer professores do Sul e do Sudeste sim, mas com o objetivo de oferecer oportunidades para que o filho do seringueiro se torne um biólogo especializado em látex, por exemplo, e possa criar soluções para os problemas de sua própria região.”