Conduzido pela jornalista Luisa Massarani, coordenadora do site SciDev.Net /América Latina e diretora do Museu da Vida da Fiocruz, o encontro Amazônia: visões construídas pela mídia fez parte da programação científica da 61ª Reunião Anual da SBPC em Manaus.

O representante da União Local dos Ecólogos do INPA (ULE) questionou a dificuldade de comunicação de especialistas em geral com a mídia. “Será que os economistas têm a mesma dificuldade com os jornalistas que cobrem Economia?” Ele colocou também que os jornalistas científicos não costumam tratar de temas de política científica, que são desenvolvidos em outras partes dos jornais que não as editorias de ciência, o que ele considera uma falha. “Faz parte do trabalho, o jornalista científico precisa entender e tratar das políticas públicas na área.”

A assessora de comunicação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Maria Carolina Ramos, diz que sente dificuldades em emplacar pautas na mídia. “A imprensa quer mitos e lendas que gerem impacto, é o jornalismo do espetáculo”. Ela diz que os aspectos sociais e humanos, como trabalhos com as comunidades ribeirinhas e mesmo o manejo do pirarucu, projeto bem sucedido da Reserva que ampliou a produção oito vezes não são temas que despertem muito interesse na mídia local.

O jornalista Mario Dias, doutorado na UFMG em Poética Indígena, afirmou que a Amazônia hoje é mais que um espaço geopolítico, virou uma marca. Para ele, a imprensa reflete os paradoxos existentes. “A sociedade brasileira não tem vínculo com a Amazônia, não se sente parte do problema”, diz Mario, observando que para o Sudeste o conceito de globalização o aproxima mais dos EUA, Europa e até de outros países da América do Sul, mas não da Amazônia. Em seu ponto de vista, “a mídia bebe no imaginário. Quem vive na Amazônia não se identifica com esses estereótipos criados sobre a região”, destaca Mario.

A jornalista ambientalista free-lancer paulista Karina Miotto, sediada em Manaus há alguns anos, concorda que o brasileiro em geral não conhece a Amazônia. Vem ocorrendo, em sua opinião, uma maior divulgação de notícias sobre a região, porém num sentido negativo: só se fala do desmatamento, das queimadas, das plantações de cana. “É preciso mostrar também as belezas da Amazônia e, principalmente, as perspectivas de sustentabilidade”, destaca.

Karina acha que a mídia brasileira deve se articular mais com a mídia internacional no sentido de estimular a sociedade a fazer pressão pela preservação sustentável da Amazônia. “O governo brasileiro responde mais às pressões internacionais do que às internas”, opinou a jornalista.

Segundo o editor do jornal A Crítica, de Manaus, Antônio Roberto Ximenes, há dois meses foi criada a agência Amazônia Press, que já está enviando matérias para a imprensa internacional. “É pouco o que estamos fazendo, os problemas são muito maiores. Mas estamos fazendo”, acentuou Ximenes. Ele citou alguns dados expressivos: de toda a população do Estado do Amazonas, 68% está nas cidades, e desse total 55% está em Manaus. Ou seja, toda ação desejável deve se esperar que parta de Manaus.

A concentração do poder em Manaus também foi destacado pelo médico sanitarista paraibano Antônio Ramalho, secretário do Conselho Regional de Medicina do Amazonas, especialista em saúde dos povos indígenas. Ele conta que não há interesse nessa área, não são abertos concursos públicos, já que 64% do eleitorado está em Manaus. “Não se dá importância aos povos da floresta”.

Ramalho destaca que o único tema enfocado pela mídia mais recentemente foi relativo ao suicídio coletivo de jovens indígenas de São Gabriel da Cachoeira. “Mas isso não gerou nenhum trabalho social dirigido a essa comunidade, ficou no sensacionalismo. Na realidade, houve um aumento de 100% na contratação de psicólogos para o posto de saúde local: tinha um e passou a ter dois.”

Em seu ponto de vista, falta percepção da sociedade brasileira em relação aos aspectos humanos e sociais da Amazônia, que é uma região de exclusão social. “O meio de transporte básico no interior é fluvial, muito lento. São 21 dias para ir de São Gabriel para Manaus, por exemplo. E só temos 180 mil médicos em todo o interior do Estado”. Isso se reflete, segundo Ramalho em estatísticas deprimentes. “O Vale do Javari, por exemplo, tem o maior índice de hepatite mundial”, destacou o sanitarista.

O físico, especialista em Sociologia e jornalista científico italiano Yurij Castelfranchi, da UFMG, tem consciência de que existem, sem dúvida, ONGs de fachada cujo compromisso é com interesses bem pouco nobres, assim como pesquisadores, engenheiros e técnicos estrangeiros que viajam em busca de vantagens para si ou suas instituições e empresas.

Mas o que o surpreende no discurso que circula frequentemente no exterior e nos ataques e perseguições efetuadas contra algumas ONGs é que os perseguidos quase nunca são empresas multinacionais, quase nunca são os autores de práticas abusivas contra os índios ou a biodiversidade. Ele expôs seu ponto de vista de forma mais aprofundada na palestra Amazônia: olhar estrangeiro, no mesmo evento.

“Em muitos casos, o discurso é utilizado por setores corruptos do poder político e das forças armadas, para ameaçar, intimidar e perseguir pessoas que estão lutando, a custa de sacrifícios de uma vida, junto com a sociedade civil amazônica, em defesa da lei federal e da Constituição”, afirma Castelfranchi.