Envolvido com a questão da educação associada à economia, Aloísio Pessoa de Araújo ouviu de um economista americano comentários sobre o papel preponderante da Americana National Academy of Sciences (NAS) no estudo dos diversos métodos de alfabetização, estudo esse que repercutiu muito nas políticas educacionais norte americanas. Propôs ao presidente da ABC, Jacob Palis, a criação de um grupo de estudo semelhante. “A Academia Brasileira de Ciências pode obter bons resultados na área de aprendizagem infantil. Não podemos definir um caminho, mas podemos indicar os que deveriam ser abandonados. A ABC é o fórum adequado para incrementar a relação entre os cientistas e a educação”, avaliou.

Araújo coordenou o simpósio que apresentou resultados de mais de um ano de trabalho do grupo multidisciplinar da ABC. O físico Luiz Davidovich representa a diretoria da ABC; Jaderson Dacosta, Edson Amaro e Erasmo Barbante são neurocientistas; João Batista Oliveira é psicólogo e educador e Simon Schwartzman, sociólogo. Flávio Cunha, que não pode comparecer, é ex-aluno de mestrado de Aloísio Araújo na Fundação Getúlio Vargas (FGV), com PhD em Ciência Política na Universidade de Chicago. Atualmente é professor da Universidade da Pensilvânia, já tendo lecionado, também, na Universidade de Chicago e no Instituto Brasileiro de Mercados de Capital (IBMEC), no Rio de Janeiro.


João Batista Oliveira, Erasmo Casella, Edson Amaro, Aloísio Araújo, Jaderson Dacosta e Simon Schwartzman

Resumindo o relatório do trabalho no ponto em que se encontra hoje – ainda não há uma versão final -, o Acadêmico ressaltou que a formação do cérebro se dá muito cedo, na primeira infância, e determina grande parte das habilidades futuras. “Quando se mede o impulso cerebral de uma criança de um ano, o resultado independe do nível de escolaridade da mãe. Aos cinco anos, porém, a diferença é brutal e daí para frente não muda mais”.

Ele diz que nos EUA não se consegue melhorar muito os resultados da educação a partir dos cinco anos de idade. “A partir daí as crianças vão mais ou menos reproduzir o nível de desenvolvimento da mãe”, esclarece o especialista. Araújo apresentou dados que mostram que o número de crianças na pré-escola é maior em famílias de renda mais alta e que mães com maior escolaridade têm filhos pelo menos do mesmo nível. Por outro lado, o nível de reprovação de crianças cujas mães nunca estudaram é de 60%. “Essa situação tende a perpetuar uma sociedade desigual. Se não se atuar agora sobre essas crianças eles terão baixo rendimento no mercado de trabalho nos próximos 60 anos”.

O problema é muito grave porque quanto mais pobres as mães, mais geram filhos. No Brasil, as diferenças regionais são imensas. No Nordeste, o percentual de crianças geradas por mães que ganham menos de dois salários mínimos é de 55% , sendo que no Sudeste este índice cai para 25%.

Um estudo interdisciplinar desenvolvido nos EUA por economistas, psicólogos e neurobiólogos avaliou que uma proporção crescente da força de trabalho americana, em função de um ambiente desfavorável, era formada por indivíduos com habilidades sociais e cognitivas reduzidas. “As habilidades cognitivas e não cognitivas interferem na performance no mercado – as cognitivas têm que ser desenvolvidas cedo, as não-cognitivas podem ser desenvolvidas mais tarde”, explicou Aloísio.

Os economistas americanos envolvidos nesta pesquisa mediram os dados de performance no mercado de trabalho e analisaram, ao longo da vida dos indivíduos estudados, sua composição de capital humano total. Os resultados mostraram que quanto mais cedo começaram os investimentos educacionais no indivíduo, melhores os resultados. “Métodos econométricos bem definidos concluíram que a taxa de retorno é muito maior quando se começa a educação mais cedo, dando então mais ênfase à aprendizagem infantil, complementando com mais estudos posteriores. O rendimento do adulto com menor nível cognitivo e não-cognitivo é menor e assim permanecerá por toda a vida. Se os fatores não-cognitivos – comportamento social, disciplina etc. – são mais desenvolvidos, a situação financeira já melhora.”

Estas avaliações tiveram uma importância muito grande nos EUA, onde o problema era com as minorias. “A diferença é que no Brasil esse é um problema da maioria, então buscar soluções é ainda mais importante.”

No governo Lyndon Johnson, nos EUA, na década de 60, foi realizado um trabalho de pesquisa significativo de assistência às famílias pobres. Os dois grupos formados – um grupo de controle e um grupo de tratamento – foram acompanhados ao longo da vida e esse último alcançou resultados muito positivos. “Onde essa intervenção foi bem feita houve diminuição de criminalidade e de gravidez na adolescência, aumento do índice de finalização do ensino médio e de entrada na universidade”, relatou Araújo.

Hoje nos EUA grupos interdisciplinares estão desenhando métodos para que se faça essa intervenção bem cedo, através do trabalho com crianças com menos de cinco anos e com as mães. “No Brasil, sabemos que é preciso mais dinheiro e mais bom senso, investimento em escolas técnicas, investimento na qualidade do professor, no capital humano de quem ensina. A rede de creches vem sendo ampliada, mas a qualificação dos professores e cuidadores é muito baixa”, observou Araújo.

Em alguns lugares já se experimentou aproveitar inclusive a rede de saúde, com a colaboração de médicos e enfermeiros. “Mas temos que desenvolver um desenho adequado. O grupo de estudo da Academia de Ciências deve servir exatamente para pensar em soluções interdisciplinares para questões que não sabemos resolver, mas que são fundamentais. Precisamos incentivar a pesquisa científica nessa área, visando a obtenção de dados consistentes para desenvolver estratégias de intervenção adequadas”, concluiu Aloísio Araújo.