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Fisgado pela ciência

Miguel Elias Mitre Campista foi fisgado pela pesquisa, como um de seus orientadores costumava dizer, porque “o bichinho o picou”. Embora não tenha planejado seguir o percurso acadêmico desde cedo, o engenheiro de telecomunicações se apaixonou pela academia quando estava no mestrado e decidiu seguir carreira. Independente da profissão que viesse a escolher, a aptidão para números já estava clara desde cedo. O menino era aluno nota 10 na escola, e manteve a média durante todo o período de ensino básico. Na faculdade, titubeou entre a física e a engenharia, mas optou pela segunda. “Desisti da física porque não achava que existiriam muitas oportunidades no mercado de trabalho nacional. Tinha medo de ter apenas a carreira de professor como opção e por isso mantive o plano de fazer engenharia”, explicou. Mas a vida é curiosa, e acabou levando o engenheiro para o caminho da docência. Finalizando a graduação na Universidade Federal Fluminense (UFF), começou seu difícil processo de decisão sobre qual caminho seguir. Certo de que devia aprimorar o currículo para entrar com força no mercado de trabalho, iniciou o mestrado em engenharia elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi neste período que a pesquisa o seduziu. “Parece que já era o meu destino e não tinha como fugir”, brinca. Concluído o mestrado e já conquistado pela docência, Miguel Campista seguiu para o doutorado, ainda na UFRJ. A essa altura, o ambiente do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) já lhe servia de inspiração. Lá, sua pesquisa era ligada à rede de computadores, estudo com uma gama ampla de possíveis aplicações, indo desde troca de mensagens telefônicas até o sensoriamento de sinais vitais de um paciente em leito de hospital ou rastreamento de sinais de tempestade em perímetros urbanos. Hoje trabalha com a internet das coisas. Para Campista, são muitos os motivos que explicam sua paixão pela pesquisa e pela docência. O Acadêmico destaca que a possibilidade de despertar interesse e curiosidade em seus alunos, a oportunidade de propor coisas novas e o processo de geração de conhecimento o estimulam em seu dia-a-dia como pesquisador. “Isso tudo é uma enorme recompensa e acredito que extrapola a área de pesquisa.” Uma grande recompensa também, a seu ver, foi a eleição para membro afiliado da ABC. “Foi uma surpresa e uma honra, já que me destaquei em meio a tantos cientistas ilustres”, arrematou. Os experimentos de Miguel Campista extrapolam o laboratório e ocorrem até em casa. Lá, porém, é na cozinha que o cientista se aventura em tentativas e novidades. Apaixonado por músicas e séries, os hobbies perderam espaço há três anos para as batalhas entre robôs e dinossauros. Ele explica: “É como passo o tempo brincando com meu filho, o que é, hoje, além de cozinhar, meu maior prazer nas horas de lazer.” Saiba mais sobre o Simpósio e Diplomação dos Novos Membros Afiliados do Rio de Janeiro 2018-2022, conheça os outros jovens Acadêmicos e acesse a galeria de fotos do evento. 

Dois continentes ligados pela matemática

Vivendo na pequena aldeia de Silverdale, a 15km de Lancaster, na Inglaterra, Robert Morris não poderia imaginar que seu futuro estaria a tantos quilômetros de distância, em uma das cidades mais conhecidas da costa brasileira. O matemático inglês se encontrou na pesquisa carioca e, há oito anos, é pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Robert é o caçula de três irmãos e filho de um casal de médicos. Na família, não foi o único a seguir na matemática. Sua irmã mais velha optou pelo curso, também em Cambridge. A escolha não foi nenhuma grande questão. Desde pequeno, Robert se interessava pelo assunto na escola e sempre procurava por materiais extras e referências. “Com 14 anos descobri as olimpíadas de matemática e, desde então, passei mais tempo resolvendo problemas matemáticos do que lendo livros.” Embora a decisão tenha sido fácil, os primeiros anos da graduação não foram os melhores para Robert. Já no terceiro ano, buscando por um conteúdo interessante na biblioteca, se deparou com um livro de G. H. Hardy “Apologia do matemático”. “Sentei no chão e li o livro inteiro. Pela página final, sabia que queria ser matemático. No dia seguinte, meu primeiro curso de Combinatória começou e meu caminho ficou claro.” Neste período, Robert entrava em uma etapa da graduação decisiva para sua carreira. Segundo ele, na Inglaterra, não existe uma cultura de iniciação científica, porém o quarto ano em Cambridge funciona como uma espécie de mestrado para os estudantes. Por isso, o estudo de combinatória imperou em sua decisão de projeto de pesquisa. Depois de graduar-se em matemática, o caminho de Robert o levou mais ao sul do planeta. Primeiro, viajou para a Escócia para apoiar uma olímpiada de matemática e lá conheceu a professora Béla Bollobás, que o convidou para um doutorado na Universidade de Memphis, nos Estados Unidos. “Em Memphis, eu tive a oportunidade de conhecer vários dos pesquisadores mais importantes da área e de viajar bastante, inclusive para o Rio, para uma conferência no Impa. Depois de duas semanas aqui, eu já sabia que este era o único lugar no mundo onde eu queria morar.” Radicado no Rio de Janeiro, Morris pesquisa combinatória. O estudo foca, em termos gerais, no uso da probabilidade para analisar sistemas numéricos finitos, como grafos, colorações e conjuntos de números inteiros. A área tem aplicação em outros campos matemáticos como a teoria dos números e em exemplos reais, como partículas interagentes, a própria Internet e o funcionamento do cérebro. “Um bom exemplo é o artigo no qual estou me dedicando atualmente, que fala da transição líquido-vidro na física da matéria condensada”. Ao ouvir Morris falar de sua área de pesquisa, é possível perceber a paixão em suas palavras. Ele descreve o momento do entendimento de um determinado cálculo como “um sentimento poderoso e muito agradável”. “Você está tentando resolver uma questão que parece incompreensível e, de repente, uma ideia surge na sua cabeça e você entende todo o problema. A matemática é cheia destes problemas lindos e resolvê-los é o que mais gosto de fazer. ” Morris é muito grato ao cenário da pesquisa carioca e, principalmente, ao Impa, pela recepção. “Os pesquisadores, alunos e funcionários do Impa me deram apoio durante vários anos e sempre me fizeram sentir  bem-vindo no país e na comunidade matemática brasileira.” Sobre a entrada no quadro de membros afiliados da ABC, Morris afirma que pretende apoiar e trabalhar pelo desenvolvimento da ciência brasileira e da matemática no país. O Acadêmico ainda aproveita para reforçar o suporte da família e brinca: “Preciso sempre agradecer pelo apoio e paciência com um matemático que trabalha demais e, muitas vezes, se vê perdido num mundo imaginário de contagem!” Saiba mais sobre o Simpósio e Diplomação dos Novos Membros Afiliados do Rio de Janeiro 2018-2022, conheça os outros jovens Acadêmicos e acesse a galeria de fotos do evento. 

Pesquisa: amor à primeira vista

O plano inicial era cursar medicina, assim como seu pai. Mas o destino colocou as ciências biológicas no caminho de Thiago Motta Venancio e foi amor à primeira vista. Professor associado na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) desde 2010, o novo membro afiliado da ABC conta que seus primeiros passos na pesquisa foram dados já no primeiro período da graduação, realizada também na Uenf. “Fiz iniciação científica a partir do 1° período. Nunca houve plano B. Desde então eu só queria fazer pesquisa”, diz Thiago, que se define como um “apaixonado, quase obcecado”, pela atividade científica. No laboratório, Thiago Venancio começou explorando a área de bioquímica. Lá ele purificava e estudava proteínas. Entre o fim da graduação e o início do mestrado, realizado também na Uenf, ele adquiriu grande curiosidade pelas áreas de genômica e bioinformática. Foi quando elegeu esta linha de pesquisa para o doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), e no pós-doutorado, no National Center for Biotechnology Information (NCBI), instituição de ensino e pesquisa dos Estados Unidos. Lá, ele desenvolveu pesquisa em genômica e proteômica de sistemas biomoleculares sob uma perspectiva evolutiva. Para Venancio, a experiência de estudar fora foi uma excelente oportunidade para que, finalmente, ele conseguisse unir as suas grandes paixões: a biologia e a computação. “Muitas pessoas foram importantes neste período e chega a ser injusto citar nomes. Contudo, não posso deixar de mencionar os professores José Xavier-Filho e Sergio Verjovski-Almeida, ambos membros da ABC, além do professor do NCBI, Aravind”, destaca o Acadêmico. Membro do corpo editorial de cinco periódicos internacionais e revisor de revistas científicas, Venancio dedica-se atualmente a desenvolver projetos onde são aplicadas metodologias computacionais para explorar grandes conjuntos de dados biológicos. Segundo ele, diversos organismos são estudados, de bactérias patogênicas até plantas. “Essencialmente desenvolvemos pesquisa básica, que alicerça a pesquisa aplicada”, resume Thiago Venancio. Fascinado pela ciência desde criança, quando era um ávido leitor de obras do astrofísico Carl Sagan e do biólogo Richard Dawkin, grandes divulgadores, Venancio diz que o que o encanta na ciência “é a capacidade de explorar o desconhecido, de descobrir algo novo e, na minha área em particular, de poder fazer tudo isso utilizando computadores para explorar dados previamente publicados de forma mais sistemática e aprofundada”, diz. Para o jovem afiliado, ser eleito membro de uma instituição centenária como a ABC é uma das maiores honras de sua carreira. “Pretendo me unir aos demais membros da ABC na missão de proteger a ciência brasileira e torná-la um projeto de Estado”, defende Thiago. “Há muito por fazer, especialmente nos anos difíceis que estamos atravessando”, diz ele, que acredita ter também uma missão regional e institucional: a de ampliar a representatividade do Norte Fluminense e da Uenf nos quadros de Acadêmicos da ABC. Saiba mais sobre o Simpósio e Diplomação dos Novos Membros Afiliados do Rio de Janeiro 2018-2022, conheça os outros jovens Acadêmicos e acesse a galeria de fotos do evento. 

Com a cabeça no mundo das estrelas

A relação próxima com os professores e a amizade que criou com o diretor da escola de ensino fundamental em São Paulo foram decisivas para que Ulisses Barres de Almeida rumasse para a ciência. A mãe, que também era professora, estimulava o interesse do menino lhe presenteando com livros sobre o tema. E ele lia com gosto. Até hoje lembra de um dos primeiros que leu, sobre o astrofísico Carl Sagan. “Minha mãe me falava sobre o céu e me levava para ver as estrelas. Assisti a passagem do cometa Halley ainda pequeno e isso me marcou muito.” No colégio, no entanto, Ulisses não dava sinais de sua aptidão. Era apaixonado pelas matérias de humanidades e chegou a estudar sete línguas, chegando a ser fluente em cinco delas. Com a tecnologia, também, não tinha muita afinidade. “Fui ter meu primeiro computador em casa com 14 anos e o celular consegui postergar até os 20.” Mesmo tendo um perfil fora do comum para alguém que se tornaria cientista, a paixão pelas estrelas e pelo céu foram confirmadas antes da escolha do curso universitário. Aos 14 anos, Ulisses tinha recebido o conselho de procurar a Escola Municipal de Astrofísica, junto ao Planetário do Parque do Ibirapuera, que oferecia cursos de extensão sobre astronomia e astrofísica. O contato precoce com a área não lhe deixou dúvidas. Ulisses preferiu optar pelo curso tradicional de física na Universidade de São Paulo (USP) e especializar-se na astrofísica mais tarde. Entrou na iniciação científica ainda no segundo ano da faculdade, sob a supervisão do professor Zulema Abraham, na área de radioastronomia. Dessa época, ele se recorda de momentos instigantes, operando sozinho o radio-telescópio de Itapetinga, mantido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em Atibaia. “Foi uma experiência desafiadora e um pouco solitária – como é a ciência muitas vezes – mas muito fascinante.” O fim da graduação serviu de ponte para o restante de sua carreira acadêmica. Por recomendação de uma professora, Ulisses de Almeida aplicou para um estágio de verão na Universidade de Durham, na Inglaterra. Lá, conheceu a professora Paula Chadwick, que veio a ser sua orientadora no doutorado. Após essa etapa, ainda concluiu um pós-doutorado no Instituto Max-Planck de Física de Munique. O período de estudo no exterior foi importante em outro aspecto da vida de Ulisses. Na Inglaterra, converteu-se ao catolicismo, compondo o time de cientistas que nega uma oposição entre ciência e religião. Atualmente, Almeida é pesquisador adjunto do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e estuda astronomia de raios-gama de muito alta energia. Seu grupo usa o Telescópio Cherenkov Atmosférico para estudar a emissão de radiação de energias altíssimas. “Essa energia é gerada por fenômenos extremos, como supernovas e buracos negros”, explica Almeida, informando ainda que seu grupo estuda as chamadas galáxias “ativas”, que contêm buracos negros com massa de até um bilhão de sóis em seu centro. “Estes objetos astronômicos são capazes de fundir matéria do ambiente ao seu redor, formando gigantescos jatos de plasma relativístico e emitindo enormes quantidades de energia no process”, esclareceu o cientista. Acrescentou que esta energia pode ser equivalente ou superior à radiação produzida por todas as estrelas de uma galáxia. “Por isso, são objetos ideais para estudarmos a física de fenômenos extremos, além de contribuírem na compreensão da evolução das galáxias, da origem e produção dos raios cósmicos e do Universo como um todo”, afirmou Almeida. O Cherenkov Telescope Array (CTA), projeto mundial do qual seu grupo participa, pretende construir a próxima geração de telescópios Cherenkov, que devem entrar em operação a partir de 2020. Parte do sistema da óptica ativa do telescópio foi projetada pelo grupo de Ulisses de Almeida no CBPF. Além disso, ele integra o grupo que planeja e prepara os estudos de galáxias ativas que o observatório fará quando entrar em operação. Almeida lembra que, quando entrou em contato com a pesquisa em astrofísica de raios gama, a área ainda estava no início e ele teve a oportunidade de acompanhar seu crescimento no país. Hoje, afirma que se encontrou nesse processo. “O que me cativa na física é a possibilidade de entender como os corpos e matérias se formam e funcionam”, declara. Ele diz que o desejo de conhecer e entender a realidade sempre o acompanhou como um valor fundamental. “Para mim, a física é a área que mais permite isso, pelo seu olhar sobre os processos fundamentais e mais elementares da natureza”, ressaltou o Acadêmico. O comprometimento com as questões científicas, para ele, extrapola o laboratório. O astrofísico se envolveu, recentemente, no projeto da Organização das Nações Unidas (ONU) chamado Open Universe. O grupo pretende criar uma infraestrutura global de dados abertos em e-Science para astronomia, e tem como objetivo revolucionar o modo como dados astronômicos são usados e compartilhados globalmente para pesquisa, educação e difusão para o público em geral. Além disso, Ulisses de Almeida ainda integra o grupo italiano Associazione Euresis, que trabalha em prol da divulgação científica. Hoje, ele faz parte de seu comitê gestor e promove eventos e encontros, além de fomentar o jornal Associazione Euresis, que fundou junto com um amigo. O Acadêmico pretende atuar ainda mais na missão de difundir a ciência como membro afiliado da ABC e ressalta: “ Vejo a honraria como um chamado a olhar para o futuro. Venho me planejando para usar esse título como uma ferramenta para contribuir ainda mais para o desenvolvimento da ciência no Brasil. Não quero, de maneira alguma, que este acontecimento seja uma experiência passiva”. Saiba mais sobre o Simpósio e Diplomação dos Novos Membros Afiliados do Rio de Janeiro 2018-2022, conheça os outros jovens Acadêmicos e acesse a galeria de fotos do evento. 

A diversidade escondida nas águas amazônicas

Adalberto Val

O Acadêmico Adalberto Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e co-coordenador do evento, proferiu a palestra especial do terceiro dia do Simpósio Brasil-França sobre Biodiversidade. Ele abordou a capacidade adaptativa dos peixes amazônicos aos ambientes heterogêneos e dinâmicos da bacia amazônica e como eles estão ameaçados por mudanças antrópicas, ou seja, provocadas pelo homem.

Val destacou a importância do conhecimento de tais adaptações para o entendimento dos efeitos das mudanças climáticas sobre esses animais.

Mostrou também que a Amazônia apresenta a maior biodiversidade de peixes da água doce do planeta e que essa diversidade é acompanhada por outros grupos animais e vegetais, tanto no ambiente aquático como no terrestre.

Ele apresentou a heterogeneidade dos ecossistemas aquáticos, que apresentam diversas origens e, por isso, têm características diferentes, tais como temperatura, pH (acidez) e oxigênio. “Pode haver falta de oxigênio durante a noite até excesso de oxigênio durante o dia”, explicou Val, destacando que tais características foram moldadas durante a formação da bacia amazônica e estão refletidas na diversidade de peixes.

O Acadêmico mostrou que os peixes podem servir de indicadores na busca de estratégias adaptativas aos ambientes mutáveis, motivo pelo qual é importante compreender como esses animais conseguem conviver com mudanças de curto, médio e longo prazos. Para tanto, são desenvolvidos estudos que visam entender como os peixes sobreviveram a processos geológicos durante a formação da bacia; como estão sobrevivendo a processos gradativos, tais como o aumento progressivo da temperatura média do ambiente e sua acidificação (aquecimento global); a resiliência das diferentes espécies a processos agudos de modificações na qualidade da água, como aqueles provocados pelo homem por meio da poluição urbana e industrial. “Isso é importante para a segurança alimentar, que precisamos garantir, ressaltou o biólogo.

Para tanto, é necessário garantir a variabilidade genética original das populações em seu ambiente natural, bem como garantir que a qualidade da água não se altere a ponto dos animais perderem sua habilidade em diversos processos, tais como respiração, balanço iônico, alimentação, dentre outros. “Ao estudarmos as alterações que ocorrem nos peixes simulando os cenários futuros, como os previstos pelo IPCC [sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] para o ano de 2100, podemos entender o quanto a biodiversidade será afetada e tentar proteger as espécies mais sensíveis a esses cenários”, informou Val. E acrescentou:“Estamos interessados nesses estudos para adotar medidas de manejo do sistema, com vistas à qualidade do ambiente, que é extremamente importante para o bem estar do homem”.

O Acadêmico também demonstrou que algumas espécies têm capacidade de habitar os diferentes ambientes e, para tal, mudar suas características genéticas por meio de alterações na expressão de alguns genes. “Algumas espécies apresentam plasticidade fenotípica, o que é muito favorável ao estabelecimento das principais estratégias naturais que se pode esperar dos organismos. Esse conhecimento pode ser utilizado, futuramente, na proteção dos organismos atingidos por poluentes ou outros agentes danosos, como alta temperatura e acidez no meio celular”, esclareceu o Acadêmico. “É necessário compreender como a natureza evolui para protegê-la de futuras ameaças”, observou.

Ao finalizar sua palestra, Val ressaltou a importância da reunião das Academias e como o encontro estava sendo produtivo: “Hoje não fazemos mais ciência sozinhos, precisamos de cooperação científica, construída a partir de discussões entre vários grupos de pesquisas. Esses grupos foram se especializando nas mais variadas vertentes da ciência; agora, precisamos interagir para explorar suas interfaces. A biodiversidade é a questão chave para isso, não é um elemento único, é multidimensional e interdisciplinar”, concluiu.

Professor Evando Mirra de Paula e Silva

Prof. EvandoO professor Evando Mirra de Paula e Silva, conhecido por todos como Evando Mirra, membro da ABC, faleceu em Belo Horizonte em 15 de junho, aos 75 anos. Formado em engenharia de materiais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da qual era professor emérito.

Além de professor, pesquisador e detentor da patentes industriais, Evando Mirra teve intenso envolvimento institucional na UFMG e em órgãos de administração da ciência e da tecnologia. Na UFMG, esteve envolvido na criação da Fapemig e do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) e foi vice-reitor entre 1990 e 1994. Fora da universidade, foi diretor do Centro de Tecnologia de Minas Gerais (Cetec), presidente do CNPq, presidente do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Nacional de Engenharia (ANE). Foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências em 2005; fez parte da diretoria entre 2007 e 2014, na gestão do professor Jacob Palis .

Meus contatos pessoais com Evando Mirra decorreram do fato de sermos conterrâneos e tiveram a ver, sobretudo, com trocas de ideias sobre a Escola de Minas de Ouro Preto de que eu tinha escrito uma história. Desse contato e dos depoimentos de vários colegas que com ele conviveram, ressaltam algumas características que gostaria de registrar. Há unanimidade em ressaltar a fineza do trato, o bom humor, a capacidade de conciliar divergências, características que marcaram seu comportamento nos cargos de direção que exerceu. Outra unanimidade é o reconhecimento de sua prodigiosa memória e do amplo leque de seus interesses. Originário de área técnica, interessava-se pela história, pela literatura, pela filosofia. Acrescento como comprovação da amplitude e diversidade de seus interesses e de seu bom gosto sua qualidade de gourmet. Durante algum tempo foi sócio do restaurante Taste Vin, considerado por muitos um dos melhores, se não melhor, de Belo Horizonte.

Evando Mirra deixa um vazio no campo da prática e da administração da ciência entre nós e muita saudade entre os amigos. Para a ABC significa a perda de um membro dedicado e de um batalhador pelo avanço da ciência, da tecnologia e da inovação como condição para nosso avanço econômico e social.

Mais cortes no orçamento e o alto preço de sacrificar o futuro

Vanderlan Bolzani

Várias áreas de atividade na sociedade brasileira preparam-se agora para conviver com novos cortes nos recursos do orçamento do governo federal, definidos nas medidas provisórias enviadas nestes últimos dias ao Congresso. Agricultura, educação, saúde, ciência e tecnologia, são algumas delas. Desta vez, a decisão é explicada pela necessidade de compensar a redução no preço dos combustíveis, em razão da greve dos caminhoneiros. Mais uma vez, áreas de impacto social e estratégicas estão sendo negligenciadas pela atual gestão.

Imersos nas tarefas do dia a dia, vamos assistindo esse espantoso processo de deterioração das estruturas que devem sustentar o avanço social, processo para o qual, aparentemente, não há saída. Um exercício de imaginação poderia nos levar a pensar como serão avaliados, daqui a dez anos, o momento e as circunstâncias que estamos vivendo hoje.

Cabem nesse exercício também algumas perguntas sobre o passado. Uma delas: o que impediu o país, nas últimas décadas, de fazer um esforço maior através de investimentos e pesquisas para obter melhores resultados econômicos apoiados em tecnologia e inovação? O caso mais gritante parece ser o do setor de fármacos e medicamentos com sua conta crescente de importações para atender as demandas do sistema de saúde. Quanto teria sido necessário investir em P&D para que parte desses produtos fossem fabricados no país, com tecnologia local? Os exemplos são inúmeros e, a propósito do movimento que levou transportadores a parar o Brasil: segundo maior produtor de biodiesel no mundo, atrás dos EUA, o Brasil obtém esse combustível, que contribui para reduzir a emissão de CO2 na atmosfera, principalmente da soja. Sabe-se, no entanto, que existem várias outras fontes potenciais na biodiversidade brasileira para produção de biodiesel. Como descobrir se elas podem resultar em produtos mais baratos que os atuais sem investimentos em pesquisa de ponta?

No campo dos alimentos, a “façanha” de obter mais das mesmas matérias-primas, no mesmo local, vem sendo praticada há bastante tempo. Mas há um grande número de possibilidades a serem investigadas e exploradas, muitas em fase avançada de pesquisa, outras buscando articulação comercial. Dezenas de espécies frutíferas nativas exibem características únicas de sabor e aroma com potencial para se transformarem em novos produtos aos quais a 12tecnologia pode agregar valor, inclusive para o mercado internacional. Uma grande quantidade de espécies vegetais sob estudo, dos diferentes biomas, apresenta componentes bioativos (antioxidantes, antitumorais, anti-inflamatórios, antifúngicos, por exemplo) que merecem ser alvo de investimentos pela indústria em busca de inovações com “DNA” brasileiro. Uma porta possível para ingressar no ambicionado mercado mundial de alimentos funcionais, cosméticos e medicamentos.

Os exemplos vêm do mundo real. Um dos mais recentes medicamentos contra diabetes tipo II, aprovado pelo FDA em 2004, e lançado comercialmente em 2005, tem sua molécula ativa inspirada em um peptídeo natural, a exendina-4, isolada do veneno do lagarto Monstro-de-Gila (Heloderma suspectum), que vive nos EUA e México. Quantos peptídeos naturais, modelos de fármacos inovadores podem estar escondidos nas inúmeras espécies de plantas e animais (incluindo lagartos) de nossa biodiversidade terrestre, aquática e marinha?

É instigante pensar o que fariam coreanos e japoneses com uma costa marítima de 7.500 quilômetros de extensão e uma das maiores bacias hidrográficas do mundo. Áreas onde habitam milhares de espécies, grande parte desconhecida. Quantas espécies de peixes, tratados com o devido manejo e técnicas de preservação, poderiam ampliar a oferta de alimentos ou, mesmo, serem incluídos como novos itens na pauta da exportação?

Como se pode ver, a expectativa de explorar essas possibilidades não deveria ser um desejo restrito à comunidade de ciência, tecnologia e inovação, que hoje vê seus projetos de pesquisa interrompidos e alguns de seus jovens talentos fazendo as malas em busca de oportunidades no exterior. Trata-se de um “sonho” perfeitamente realizável que poderia ser encampado por toda a sociedade em benefício do país e cheio de oportunidades para nossos descendentes. Os recursos que vêm sendo continuamente retirados da CAPES, CNPq e FINEP representam um preço altíssimo que o país está pagando, em detrimento de seu futuro.

Ecólogo francês apela para consciência humana planetária

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Gilles Boeuf

A Palestra Especial do primeiro dia do Simpósio Brasil-França sobre Biodiversidade, promovido pelas Academias de Ciências dos dois países e realizado em Manaus, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), entre 5 e 8 de junho, coube ao ecólogo francês Gilles Boeuf.

Ele é professor da Universidade Pierre e Marie Curie e desenvolve suas pesquisas na unidade de Biologia Integrativa de Organismos Marinhos, no Laboratório Arago (Observatório Oceânico), em Banyuls-sur-Mer, no sul da França. Em 2013, recebeu a Grande Medalha Albert do Instituto Oceanográfico de Mônaco.

Boeuf denunciou, em primeiro lugar, a falácia da dicotomia homem versus natureza, dado que o homem é parte integrante da natureza e não um elemento externo que se relaciona com ela. “Somos feitos de água e bactérias. Natureza pura”, apontou o cientista.

O ecólogo ponderou que não conhecemos nem a metade das bactérias que habitam nosso corpo e que talvez seja um pouco ilusório querer conhecer toda a biodiversidade do planeta. “Para isso, levaríamos um milhão de anos, caso nada de novo aparecesse”, ilustrou. “Não temos tempo. É tarde demais para isso”, alertou Boeuf.

Mesmo sem dominar o conhecimento sobre toda a biodiversidade, no entanto, já sabemos que ela está ameaçada. Desmatamento, poluição, super exploração, invasão de espécies estranhas aos biomas e grandes mudanças climáticas sugerem, inclusive, que podemos estar mais próximos do que imaginávamos da sexta extinção em massa no planeta.

Um indicativo desta possibilidade é a questão da agricultura. Teremos que alimentar nove bilhões de pessoas em breve. Hoje, usamos um milhão e meio de hectares para plantio e teremos que aumentar a produção agrícola sem aumentar a área utilizada. Não será possível desperdiçar água e serão fundamentais a diminuição do uso de fertilizantes e a abolição de pesticidas e inseticidas nocivos. As policulturas deverão ser ampliadas, priorizando produtos saudáveis e a biodiversidade, em vez de destruída, deve gerar benefícios.

O cientista argumentou que espécies que se movem têm mais chance de sobrevivência, pois podem buscar ambientes mais propícios. Atualmente, segundo ele, a população de gado no planeta é maior do que a de humanos. “Como vamos lidar com o impacto destes animais no ambiente? Reduzir o consumo de carne é fundamental para a sustentabilidade”, afirmou Boeuf. “E nós, humanos? Será que basta que nos adaptemos? Ou temos realmente que mudar? Controlar o crescimento populacional humano também é necessário, assim como o estabelecimento de economias de Estado baseadas em uso sustentável dos recursos materiais e de energia renovável”, afirmou.

Boeuf chamou atenção para o fato de que os maiores riscos e doenças emergentes são todos antropogênicos, ou seja, causados pelo homem. E que o principal deles é a pobreza. Assim, as normas sociais não escapam das transformações necessárias para a sobrevivência no e do planeta: elas precisam favorecer o bem-estar de toda a população global, ao invés de indivíduos ou grupos específicos. Atingir estas metas, no entanto, requer grande evolução cultural, além da biológica.

Boeuf observou, com propriedade e uma pitada de humor, que costuma dizer em suas aulas que ecologia é uma ciência, não um movimento político. Isto para explicar que seus argumentos estão baseados apenas em observações científicas e não em posicionamentos à esquerda ou à direita. E ressaltou, ainda que a expressão Homo sapiens não é adequada para explicar o que somos. “Devíamos ser classificados como Homo faber – fazemos coisas, mas não pensamos nas consequências do que produzimos. Não me parece muito ‘sapiens’ esse comportamento”, refletiu.

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