A Academia de Ciências Médicas do Reino Unido (AMS-UK), em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Medicina (ANM), organizou, nos dias 10 e 11 de dezembro, a etapa latino-americana do workshop “Global Clinical Research Pathways”, que tem como objetivo reunir dados e experiências sobre a progressão de carreira de cientistas na área clínica e trazer recomendações de boas-práticas em financiamento à esse tipo de pesquisa.

A sessão de abertura, moderada pelos titulares da ABC Marcello Barcinski, coordenador do workshop, e Eliete Bouskela, presidente da ANM, trouxe um panorama geral do ecossistema latino-americano de pesquisas clínicas. Segundo a professora da Escola de Saúde Pública da Universidad Peruana Cayetano Heredia, Patricia Garcia, ex-ministra da Saúde do Peru, a pesquisa clínica vem sendo escanteada nos países em desenvolvimento. “Tive a oportunidade de participar da edição africana deste workshop e pude perceber que temos muitos problemas parecidos na América Latina. Nem tudo é sobre financiamento, mas financiamento é crucial”

Segundo o pesquisador do Instituto de Pesquisa Nutricional do Peru Claudio Lanata de las Casas, Brasil e México são exemplos regionais de financiamento governamental continuado. “Fora desses dois países, é muito difícil fazer pesquisa clínica de ponta na América Latina. A maior parte dos institutos se financia a partir de grants, a maioria de instituições estrangeiras. É muito difícil atrair pessoas com um financiamento cuja continuidade não é garantida e que, em sua maioria, não oferecem verbas específicas para mentoria de alunos ou mesmo encargos administrativos. Precisamos de políticas que permitam uma base de seguridade para os pesquisadores e incentivos a dedicação exclusiva à pesquisa”, resumiu os desafios.

Esses problemas são particularmente graves quando consideramos que pesquisas locais têm mais valor para o estabelecimento de políticas e diretrizes em saúde do que pesquisas feitas em outros lugares. Segundo o professor Francisco Becerra-Posada, ex-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), os orçamentos nacionais voltados para pesquisas clínicas vêm caindo, ao mesmo tempo em que a região se tornou mais atraente para trials clínicos das grandes indústrias farmacêuticas internacionais. Portanto, a colaboração se tornou mais fundamental do que nunca. “A pesquisa em câncer no Brasil cresceu significativamente nas últimas décadas justamente pela entrada de atores privados. É um bom exemplo de como a cooperação internacional pode induzir o desenvolvimento nesses campos”, afirmou.

Após delimitarem os problemas na queda do financiamento público e na falta de incentivos e estruturação de carreira para pesquisadores clínicos que sejam competitivos com a carreira na atuação médica, os participantes foram divididos em quatro grupos que se aprofundaram nos aspectos de infraestrutura; treinamento e oportunidades; financiamento e estruturação da carreira; e governança de pesquisa. Os quatro grupos tiveram a oportunidade de discutir suas áreas em separados e trazer sugestões para o plenário no segundo dia.

Os coordenadores do workshop: Jimmy Whitworth (London School of Hygiene & Tropical Medicine) e o Acadêmico Marcello Barcinski (UFRJ)

O grupo de infraestrutura destacou, além da falta de recursos e condições materiais precárias, a falta de digitalização e de bancos de dados integrados que auxiliem nas pesquisas, a falta de suporte administrativo e operacional das instituições, excessiva burocratização dos processos e uma falta de padronização regulatória entre os países da região, o que dificulta colaborações em redes. Segundo apontam, intervenções exitosas devem atacar esses problemas, facilitando ao máximo a colaboração entre os países e a continuidade do know-how adquirido por grupos de pesquisa existentes.

O grupo sobre treinamento lembrou que a pesquisa não está inclusa na maioria dos currículos de treinamento clínico e nem existe a ideia de um tempo separado para que os profissionais se dediquem a ela. Dessa forma, não há incentivos para a mentoria e acompanhamento de alunos em investigação ou um caminho profissional estruturado para o pesquisador clínico. Por isso, o grupo sugere que as instituições de ensino médico solidifiquem a carreira e ofereçam mapeamentos de programas e grants existentes específicos para a pesquisa, pede também o estabelecimento de departamentos voltados à pesquisa dentro das instituições médicas, que otimizem o tempo dos cientistas e possuam métricas de avaliação qualitativa, para além da quantidade de papers.

No grupo sobre financiamento as conclusões foram de que as agências públicas de fomento na América Latina convivem com instabilidades políticas que, em períodos de restrições, precisam ser suplantadas por instituições privadas, em sua maioria dos países ricos. Nesse quesito, Brasil, México e, em menor grau, Argentina concentram o financiamento público na região, mas mesmo dentro desses países existem distorções regionais significativas. O grupo sugeriu a criação de fundos regionais administrados coletivamente, de forma a tornar a região mais soberana em fomento. Para garantir financiamento público continuado, o grupo argumenta que é preciso comunicação com a sociedade e a política, levando os números e os impactos da ciência para que estes sejam receptivos, e não hostis, ao financiamento de ciência.

O grupo sobre governança, por sua vez, alertou para a fragmentação do ecossistema de pesquisa entre as muitas instituições e órgãos, sejam eles públicos ou privados. Muitos desses organismos convivem com burocracias inefetivas e impeditivas que prejudicam o avanço e continuidade das pesquisas. O grupo alerta que o papel principal das instituições deve ser gerar um ambiente amigável à pesquisa, estimulando integração entre os pesquisadores e respostas às urgências da sociedade. Para os cientistas, o orçamento dessas organizações deve ser elaborado em moedas estáveis, como o dólar, para evitar que flutuações no poder de compra afetem as pesquisas. Estas devem prover treinamento não só no currículo base, mas em networking e comunicação de resultados, e também incentivar seus alunos a buscarem intercâmbio com outros setores e países.

Um relatório completo sobre as discussões deverá ser disponibilizado em meados de 2025, e as soluções pensadas em conjunto deverão ser integradas aos trabalhos finais dos workshops, que buscarão trazer um panorama global.