No dia 27 de novembro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) recebeu a astrofísica brasileira Rosaly Mutel Crocce Lopes, pesquisadora da National Aeronautics and Space Administration (Nasa), para uma palestra sobre a Missão Cassini, uma empreitada conjunta entre Nasa, Agência Espacial Europeia (ESA) e Agência Espacial Italiana (ASI) para explorar as luas e os anéis de Saturno. O encontro foi organizado e mediado pelo membro titular da ABC, Alvaro Penteado Crósta.
Rosaly Lopes se formou em astronomia pela Universidade de Londres, onde fez doutorado em geologia planetária, se especializando em vulcanismo. Em 2002, ingressou na missão Cassini, lançada em 1997 e que chegaria a Saturno em 2004. A missão faria imagens do planeta, seus anéis e suas luas, e contava com radares que permitiriam sondar a superfície desses satélites. Seu nome foi dado em homenagem ao astrônomo genovês Giovanni Domenico Cassini, que, no século XVII, descobriu as primeiras luas de Saturno e a chamada divisão de Cassini, um aparente buraco entre os anéis.
“Pensávamos que na divisão Cassini não havia nada, mas com a missão foi possível ver que essa região é preenchida por anéis mais finos. Tínhamos planos de passar uma nave por entre os anéis, mas esses tiveram que ser cancelados depois disso”, brincou a astrônoma.
Saturno é um gigante gasoso com 146 luas, algumas tão grandes que podem ser comparadas a pequenos planetas. Dentre esses verdadeiros mundos congelados, com oceanos subterrâneos, está Titã, a maior lua de Saturno e, até o momento, a única lua do sistema solar com uma atmosfera significativa. O nome da sonda carregada pela Cassini, Huygens, foi dado em homenagem a Christiaan Huygens, primeiro a descobrir o imponente satélite.
“Observamos que Titã tem montanhas, lagos, rios, processos de erosão, planícies, dunas e algumas montanhas altas com crateras profundas, candidatas a vulcão. Os principais processos geológicos que conhecemos no nosso próprio planeta parecem ocorrer em Titã e, por isso, a chamamos de ‘a outra Terra do Sistema Solar’”, explicou Rosaly Lopes.
No dia 24 de dezembro de 2004, foi chegada a hora da manobra mais perigosa da missão: pousar a sonda Huygens em Titã para ver sua superfície de perto. “A sonda desacoplou da nave e foi em direção à lua. A pressão atmosférica alta ajudava a pousar, mas, como não se via nada, foi emocionante. Tínhamos medo de acabar danificando ou até perdendo a sonda”, explicou a astrônoma.
Felizmente, o pouso foi um sucesso e se deu numa das muitas planícies de Titã. Em sua trajetória foi possível ver o emaranhado de dunas e rios e, uma vez no chão, tirar fotos do solo. Rosaly exibiu as imagens, que mostram um mundo rochoso. “Alguém comentou que parece Marte, mas não parece. Marte tem pedras pontudas e essas são arredondadas, isso é por causa da erosão dos rios. É o único outro lugar do sistema solar com líquidos na superfície”, explicou.
A Cassini seguiu sua viagem e outra lua chamou a atenção da pesquisadora. “Através de análises em infravermelho, foram descobertas fraturas na crosta de Encélado onde as temperaturas eram mais quentes, ou seja, processos de vulcanismo. Posteriormente, imagens mostraram a lua expelindo uma manta de vapor d’água, que contribuía para formar os anéis de Saturno”, explicou.
Em 2008, a nave fez um voo rasante a 50 quilômetros da superfície de Encélado, por entre a pluma de vapor d’água. Assim, foi possível detectar sua composição. “Água, CO2, metano, nitrogênio, hidrocarbonetos. Algumas partículas com sais vindos diretamente do oceano submerso. Ingredientes necessários para a existência de vida”, conta.
Atualmente, os oceanos submersos de Titã e Encélado são dois dos locais extraterrestres conhecidos com maiores condições de sustentar vida. Titã é mais promissora por ter uma atmosfera espessa de metano. As temperaturas de -65°C fazem com que a água só exista como gelo. Seus rios, lagos e, é claro, seu grande oceano subterrâneo, são todos feitos de metano líquido. Por não ter o mesmo fenômeno de vulcanismo de Encélado, não foi possível para a missão Cassini analisar a composição desse misterioso ambiente.
Em 2017 as baterias acabaram e a Cassini embarcou em sua última viagem, um mergulho na atmosfera de Saturno, onde foi esmagada pela pressão. Ao longo do trajeto, a nave orbitou o planeta várias vezes, passando muito perno de seus anéis, antes de finalmente perder o contato. “Havia o risco de a nave se chocar contra Encélado ou Titã, mundos com alguma possibilidade de existir vida, causando contaminação. Então, o nosso protocolo pedia que a destruíssemos”, explicou.
Novas expedições já estão sendo planejadas para Saturno e para Júpiter, com equipamentos mais modernos que permitirão análises ainda melhores. “Já existem radares sendo desenvolvidos que podem permitir ultrapassar a crosta de gelo e observar os oceanos submersos. Mas isso vai depender de quantos quilômetros de espessura essa crosta tem, não sabemos. Estão sendo pensados como alvos Titã, Encélado e Europa, em Júpiter. Eu defendo uma missão para Encélado porque lá o material já vem em nossa direção”, argumentou Rosaly Lopes.
Em seguida, os ouvintes, presencial e virtualmente, tiveram a oportunidade de perguntar. Algumas questões foram técnicas. “Como a Cassini manda informações para a Terra?”, perguntou um aluno. “A nave tem uma antena poderosa que fica sempre voltada para a Terra, comunicando-se com antenas nos EUA, na Espanha e na Austrália. Dessa forma conseguimos captar o sinal independente de como esteja a rotação da Terra. A informação leva cerca de uma hora e meia para chegar”, respondeu Rosaly.
Outras intervenções giraram em torno de uma questão fundamental, que sempre aparece quando falamos do espaço sideral. Estamos mesmo sozinhos no universo?
“Há quem fale em vida baseada em hidrocarbonetos, algo que seria tão diferente que não sei se seríamos capazes de detectar. Acredito que a maior chance, se existir, está nos oceanos. Mas é muito difícil de sequer imaginar, porque só conhecemos um exemplo. Não temos um referencial de comparação. Por isso é ainda mais importante continuarmos procurando”, defendeu a astrônoma.
Assista a palestra completa:
VEJA A REPERCUSSÃO DA PALESTRANO JORNAL O GLOBO:
Como a cientista Rosaly Lopes pôs uma lua de Saturno na mira da Nasa para buscar vida extraterrestre
Em entrevista ao O Globo, a geóloga e astrônoma brasileira, que ministrou palestra na ABC, fala sobre Titã, destino da missão que será realizada por um drone-laboratório.