Acesse aqui a versão digital do livro “A Evolução é Fato”
O dia 19 de novembro marcou o lançamento do livro “A Evolução é Fato” na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A publicação é fruto do trabalho de 28 especialistas reunidos pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e coordenados pelo Acadêmico Carlos Frederico Menck, que juntos compilaram histórias e descobertas da ciência que não deixam dúvidas sobre a ocorrência da evolução biológica. O livro já havia sido lançado oficialmente nos dias 19 e 20 de setembro, em cerimônias no Rio de Janeiro.
“Esse trabalho reflete o compromisso da ABC em promover e disseminar o conhecimento científico de qualidade para a sociedade. A teoria da Evolução é um dos pilares mais robustos e fascinantes da ciência moderna. Originada pelas ideias transformadoras de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace, a Evolução, fundamentada na seleção natural, explica como as espécies se adaptam e se diversificam ao longo do tempo. Mais do que isso, a Evolução é a chave para entendermos a vida em toda a sua complexidade, desde as raízes mais profundas até suas ramificações mais surpreendentes. As evidencias da Evolução vêm de diversas áreas do conhecimento. Da paleontologia, que desvenda a história da vida no registro fóssil, à genética e à biologia molecular, que nos permitem comparar o DNA de diferentes espécies, revelando nossa ancestralidade comum. (…) É encorajador ver como o livro apresenta o conceito de Evolução de forma acessível, com exemplos concretos, muito deles brasileiros, que ilustram como a ciência é uma ferramenta poderosa para explicar o mundo ao nosso redor. Esse é um esforço que reforça não apenas o valor do método científico mas também o papel da educação na construção de uma sociedade mais informada e crítica. Esse livro é uma conquista coletiva e um convite ao diálogo com a sociedade”, afirmou Glaucius Oliva, vice-presidente da ABC para São Paulo, em discurso na abertura do evento.
Uma viagem desde os primórdios da vida na Terra
O livro começa antes mesmo da vida surgir e, por isso, conta com geólogos entre seus autores. Entre eles o professor Umberto Cordani, que nos traz para o período Hadeano, entre 4,5 e 4 bilhões de anos atrás, quando a Terra ainda era uma bola de fogo inabitável. Só após um grande resfriamento, que levou a formação dos primeiros oceanos, é que a vida tornou-se possível. “Isso se deu no período seguinte, que chamamos de Arqueano, quando começaram a surgir as primeiras evidências de carbono orgânico e as primeiras bactérias”, explicou.
A origem da vida e o “mundo do RNA”
Mas como exatamente a vida surgiu? Para começar a responder essa pergunta, precisamos olhar para as três moléculas fundamentais da vida: o DNA, o RNA e as proteínas. As três são cadeias de carbono compostas por pequenos “blocos” que se repetem. No caso do DNA e do RNA, são os nucleotídeos, e no caso das proteínas, os aminoácidos. Na maioria dos seres vivos atuais, a informação hereditária – aquela capaz de ser transmitida na reprodução – é armazenada no DNA, mas essa molécula sozinha não é capaz de formar um organismo. Para isso, a informação contida no DNA é transcrita em RNA e depois traduzida em proteínas, essas sim, capazes de realizar as funções do nosso corpo.
Isso só é possível graças ao que chamamos de código genético, cuja descoberta foi um marco na história da biologia. Resumidamente, cada sequência de três nucleotídeos sempre corresponderá a um mesmo aminoácido, permitindo que seja possível olhar para uma molécula de DNA ou RNA e saber exatamente qual proteína ela irá produzir. Esse código é compartilhado por todos os seres vivos e é a prova de que todos somos descendente de um único ancestral comum.
Portanto, numa ponta temos o DNA, que é capaz de se replicar mas não de formar um organismo, e do outro as proteínas, que formam os organismos e catalisam processos metabólicos, mas não se replicam sozinhas. E no meio temos o RNA, o qual também é capaz de se replicar e catalizar funções metabólicas – como os ribossomos, as “máquinas” responsáveis por traduzir um RNA em uma proteína, eles próprios feitos de RNA.
Por conta disso, acredita-se que a origem da vida reside no RNA. “Com isso, ficou claro que o RNA poderia ser uma das primeiras moléculas vivas, porque ele pode carregar informação e fazer catálise. Então, foi proposta a ideia do ‘Mundo de RNA’, um mundo onde as células teriam o material genético de RNA. Nós não temos esse mundo hoje, só alguns vírus têm material genético de RNA, mas nossas células carregam resquícios desse mundo, e o RNA continua sendo muito importante em nossas vidas”, explicou Carlos Menck.
A fotossíntese, os eucariotos e a absorção de bactérias
Uma vez estabelecida essa primeira forma de vida, ela logo se encapsularia e começaria a desenvolver as primeiras atividades metabólicas, surgindo as primeiras células sem núcleo – procariontes – não muito diferentes das bactérias que conhecemos hoje. Durante cerca de dois bilhões de anos esses organismos habitaram os oceanos primordiais e evoluíram.
Nesse período, um dos desenvolvimentos mais notáveis foi o surgimento da fotossíntese, pela qual algumas bactérias, chamadas cianobactérias, passaram a utilizar a luz solar para produzir energia, liberando oxigênio no processo. Conforme esse novo gás se acumulava na atmosfera, muitas bactérias não adaptadas acabaram extintas, mas algumas tinham o necessário para usar o oxigênio para gerar energia, nas primeiras formas de respiração aeróbica.
Então, por volta de 1,9 bilhões de anos atrás, surgiu um novo tipo de células, maiores e divididas em “compartimentos”, entre os quais um núcleo para o DNA. Eram as primeiras células eucarióticas. Uma das primeiras inovações dos eucariotos foi a absorção de bactérias fotossintetizantes e aeróbicas, as ancestrais dos plasmídeos e das mitocôndrias, respectivamente. Essas duas organelas celulares se tornaram responsáveis por realizar essas mesmas funções dentro dos seus novos hospedeiros. “Ao longo desse processo, uma parte do genoma dessas bactérias migrou pro núcleo, no que chamamos de transferência horizontal. Células eucariontes são resultado da fusão de diferentes organismos, nós somos parte bactérias”, afirmou a professora Mariana Cabral de Oliveira.
Outra inovação foi a pluricelularidade, cujas primeiras evidências aparecem há cerca de 1,4 bilhões de anos atrás. Pela primeira vez, um único organismo passou a ser formado por mais de uma célula trabalhando em conjunto. A partir daí, o cenário estava preparado para uma verdadeira revolução da vida na Terra.
A Explosão do Cambriano, o registro fóssil e o alerta das extinções em massa
Uma das vantagens da geologia é o seu poder para desvendar o tempo profundo. Algumas evidências de formas de vida primitiva são marcantes há bilhões de anos, como os estromatólitos, formações características das cianobactérias. Esses e outros tipos de microfósseis dominaram o registro geológico até cerca de 500 milhões de anos atrás, quando, no período imediatamente anterior ao que chamamos de Cambriano, uma profusão de fósseis pluricelulares começou a aparecer.
Muitos desses organismos são diferentes de tudo o que conhecemos hoje em dia, mostrando que houve uma fase de intensa “experimentação evolutiva” antes de que os grandes grupos de animais e plantas se estabelecessem. Mas, mesmo após esse período, a vida na Terra nunca seguiu uma trajetória linear. Outra coisa que o registro fóssil nos mostra são os grandes eventos de extinção em massa, cinco ao todo, entre eles o que deu fim aos dinossauros, que radicalmente alteraram a biodiversidade e abriram espaço para novos grupos se diversificarem.
“Nós devemos aprender com esses eventos. As extinções do Permiano, do Triássico e do Cretáceo mostram que aumentos na temperatura global foram suficientes para dizimar um número muito grande de espécies. Nós já estamos vivendo a sexta extinção em massa, dessa vez causada pela espécie humana e precisamos refletir sobre isso”, alertou a paleontóloga Marina Bento Soares.
Chegamos ao Ser Humano
Apenas 5 milhões de anos atrás, um piscar de olhos na evolução da vida na Terra, um grupo de primatas divergiu de seu ancestral comum com os chimpanzés, passou a andar em dois pés e, após deixar um vasto número de espécies-primas para trás, se tornou o Homo sapiens, o ser humano moderno.
Apesar de ser apenas um sopro na história da vida, a evolução humana é o ponto mais sensível do debate. Mesmo Charles Darwin não teve coragem de abordá-la em seu clássico A Origem das Espécies, vindo a fazê-lo apenas em seu livro posterior, A Descendência do Homem, pelo qual foi hostilizado. O próprio Alfred Russel Wallace, que divide com Darwin o mérito de ter primeiro descrito a seleção natural, morreu sem aceitar as inferências óbvias que a teoria trazia para a nossa própria espécie.
Mas a conclusão é inescapável. Seja nos traços que compartilhamos com os outros primatas, seja no fato de compartilharmos 98,5% de DNA com os chimpanzés, as evidências científicas não deixam dúvidas. O ser humano é um animal como outro qualquer, produto de um processo de evolução por seleção natural que vem ocorrendo há 4 bilhões de anos.
Assista o lançamento na íntegra: