Leia texto da Acadêmica Alicia Kowaltowski para o jornal Nexo, publicado em 11/11:
Mas o que é democrático não é necessariamente o melhor para uma sociedade, mesmo sendo a democracia o melhor sistema que temos. Me preocupo sobremaneira nesse sentido com os planos do novo governo Trump em relação à saúde e à ciência estadunidenses, que são norteadores para o resto do mundo. O ex-presidente poderia se vangloriar com seu protagonismo anterior em iniciativas de inegável sucesso do seu próprio governo como o “Operation Warp Speed”, parceria público-privada responsável pelo desenvolvimento, produção e distribuição de vacinas contra a covid-19, uma incrível vitória da ciência e saúde pública na pandemia. Mas essa operação nem sequer foi mencionada em sua campanha atual. Muito pelo contrário: em campanha, o presidente eleito reforçou que um líder do movimento antivacina, Robert F. Kennedy Jr., será central para as ações de saúde de seu segundo mandato como presidente.
Já escrevi sobre RFK Jr anteriormente, pois ele faz parte da “Dúzia de Desinformantes”, grupo de apenas 12 pessoas influentes que gera a vasta maioria de informações falsas na internet sobre o efeito de vacinas, catalisando o mortífero movimento de hesitação vacinal. A atuação de RFK Jr não se limita a ações antivacinas, e também inclui teorias conspiratórios bizarras, que seriam risíveis se não tivessem tantos seguidores, como a de que celulares causam câncer no cérebro, de que pasteurização do leite (que garante sua higiene) geraria de alguma forma não especificada um risco de saúde, e que a presença de flúor na água (uma medida segura e universalmente reconhecida por aumentar a saúde bucal da população) é a causa de doenças crônicas.
É justamente em doenças crônicas e na infância que os discursos atuais de RFK Jr se focam, com o slogan “Make America Healthy Again” (faça a América saudável novamente), adaptação do slogan trumpista “Make America Great Again”. Embora uma ou outra de suas propostas possua base lógica, como a vontade de diminuir alimentos ultraprocessados nas refeições das escolas, a grande maioria de seus discursos são conspiratórios e mostram enorme desconhecimento de causa em procedimentos de saúde pública, como é de fato esperado para uma pessoa que não possui nenhuma experiência ou formação na área.
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Essa ameaça vai de encontro a um plano do primeiro governo Trump que promete ser reavivado em 2025 de se reclassificar funcionários públicos, incluindo cientistas, de modo que suas posições não sejam mais protegidas de mudanças políticas. RFK Jr culpa o FDA por aprovar vacinas, que ele erroneamente ainda diz ter relação com autismo, e não aprovar o uso de ivermectina para tratamento de covid, algo que paradoxalmente ele liga a práticas corruptas da “grande Farma”, que ironicamente vende drogas como a própria ivermectina.
*[A Acadêmica] Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.