A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, ministrou a conferência de abertura da EurASc Annual Symposium & Ceremony 2024, a reunião anual da Academia Europeia de Ciências. A reunião foi realizada na sede da Academia de Ciências de Lisboa, com o tema “Ciência para a Sustentabilidade”.
Em sua fala, Nader começou abordando o trabalho do S20, o grupo de engajamento em ciência do G20 que, em 2024, foi liderado pela ABC como parte da presidência rotativa do Brasil. O S20 estabeleceu como prioridades, com grupos de trabalho associados, os seguintes temas: Inteligência Artificial; Bioeconomia; Transição Energética; Saúde; e Justiça Social. Mas para além dos temas principais, as discussões jogaram luz sobre desafios transversais que impactam, de maneiras diferentes, todos os países. Um destes é a transição demográfica.
“Não dá para comparar as curvas demográficas de diferentes regiões. Na Europa, o pico já aconteceu, enquanto no Brasil estamos chegando nele. Em alguns países, como a Índia, ainda há uma geração jovem muito grande. Isso quer dizer que o problema da desigualdade precisará ser enfrentado de maneira diferente, pois populações envelhecidas têm necessidades diferentes, sobretudo com relação aos sistemas saúde e seguridade social. Os países precisarão se adaptar a essas mudanças na força de trabalho de forma a sustentar seus idosos sem sobrecarregar seus jovens”, avaliou Nader.
A questão da desigualdade esteve presente durante toda a palestra. Para a presidente da ABC, os rápidos desenvolvimentos tecnológicos, como a inteligência artificial, sobretudo quando aplicados à área da saúde, com a medicina de precisão e um uso cada vez maior da telemedicina, são, ao mesmo tempo, um avanço e um risco. “Populações urbanas e mais ricas tendem a aproveitar mais desses avanços enquanto populações mais pobres e isoladas tendem a ser deixadas para trás. Outra questão que surge com a medicina de precisão tem a ver com a privacidade de dados”, avaliou.
Outro tema transversal são as mudanças climáticas, cujos impactos na saúde acontecem de múltiplas formas. Enchentes como as que destruíram o Rio Grande do Sul em maio deste ano, ou a prolongada seca que atinge o Norte e Centro-Oeste do país, são exemplos de eventos climáticos extremos que serão cada vez mais comuns nas próximas décadas. Esses eventos trazem um aumento de desastres, doenças infecciosas e respiratórias, insegurança alimentar e hídrica e problemas de saúde mental associada à perda ou ao estresse. Mais uma vez, populações mais pobres e isoladas tendem a ficar mais vulneráveis. “As mudanças climáticas são uma realidade na qual estamos conectados globalmente”, alertou.
Para Nader, a pandemia de covid-19 foi um alerta que muitos governos decidiram ignorar. A crise sanitária escancarou a vulnerabilidade dos sistemas de saúde contra patógenos que se espalham com muita velocidade, e mostrou buracos na cadeia produtiva de insumos, sobretudo nos países pobres e em desenvolvimento. “Precisamos de uma governança global em saúde que fortaleça esses sistemas e garanta uma distribuição equitativa de vacinas e medicamentos. A pandemia deveria ter nos ensinado isso, mas continuamos vendo governos negarem à ciência e suas evidências”.
Por fim, Helena Nader focou na questão da saúde mental como outro desafio emergente da modernidade. A vida contemporânea, caracterizada pelo ritmo rápido das metrópoles, trouxe ao foco do debate questões como ansiedade, depressão e outras condições relacionadas ao estresse. Esses problemas tendem a se manifestar primeiro na adolescência, e é revelador que a taxa de suicídio entre os 15 e os 21 anos tenha aumentado globalmente, já sendo a quarta maior causa de morte nessa faixa.
“Ainda há um estigma muito grande associado aos problemas de saúde mental, o que leva a uma maior desigualdade no tratamento entre ricos e pobres. Muitos países ainda resistem em incluir o tratamento psicológico aos seus sistemas de atenção primária. Esses são desafios que não dizem respeito apenas à ciência, mas a toda a sociedade”, finalizou Nader.