Os laureados de 2024 com o Nobel de Medicina, divulgado em 7 de outubro pela Assembleia Nobel, na Suécia, foram dois cientistas norte-americanos, Victor Ambros (Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, Worcester, EUA) e Gary Ruvkun (Hospital Geral de Massachusetts, Boston, EUA), pela descoberta dos microRNAs e seu papel na regulação gênica. As pequenas moléculas foram descobertas num pequeno verme, o C. elegans, e revelaram um princípio completamente novo de regulação gênica, essencial para o desenvolvimento e funcionamento de organismos multicelulares, inclusive humanos. O primeiro trabalho deles sobre estas inesperadas descobertas, altamente significativas ao longo do processo de evolução, foi publicado em 1993.
A Acadêmica Iscia Lopes Cendes, professora titular de genética médica e medicina genômica e chefe do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, comentou a premiação. “Considero essa descoberta importantíssima. Ela ocorre em dois níveis: primeiro, porque essas pequenas moléculas de RNA não codificantes são essenciais para um processo que ocorre naturalmente, que é a regulação gênica fina. Em geral, essas pequenas moléculas são inibidoras da expressão gênica, através de processos biológicos que levam à inibição da tradução, que mantêm os genes silenciados. Esse é um mecanismo muito robusto em todos os mamíferos, inclusive na espécie humana. Como estas moléculas estão envolvidas em várias doenças, elas podem se tornar biomarcadores importantes par uma série de condições”, explicou a cientista.
Na área da pesquisa em câncer, segundo Cendes, a pesquisa tem sido muito intensa. “Nesse caso, essas pequenas moléculas poderiam se tornar biomarcadores para o aparecimento de neoplasias e até para se acompanhar a efetividade de tratamentos. Basicamente, elas estão envolvidas praticamente em todas as doenças que conhecemos hoje em dia, o que possibilita que sejam manipuladas através de uma série de outras moléculas. Estas podem ser sintetizadas para inibir especificamente esses microRNAs e, assim, surgirem possíveis terapias para doenças desde o câncer, doenças cardíacas, até doenças neurológicas, informou. Seu grupo vem trabalhando nisso já há alguns anos, especialmente na área de doenças neurológicas, como as epilepsias. O que está faltando ainda, de acordo com a Acadêmica, são estudos maiores, colaborativos, para que possa haver efetivamente a implementação desses conhecimentos na prática médica. “Esse é o momento de se investir nesses estudos, com vários pacientes, estudos pré-clínicos de potenciais compostos que poderiam ser usados para manipular essas moléculas. Isso pode levar a opções terapêuticas para uma gama muito grande de doenças”, concluiu.
O biólogo Marcelo Alves Mori, professor do Instituto de Biologia da Unicamp que foi afiliado da ABC no período entre 2018 e 2022, lembrou que este já é o quinto prêmio Nobel para pesquisas feitas com o C. elegans, fazendo deste um dos modelos biológicos de maior sucesso. “Tanto Victor Ambros quanto Gary Ruvkun trabalharam com uma pergunta fundamenta: ‘como se dá o processo de desenvolvimento de C. Elegans?’, motivados pelo fato de que o estudo do desenvolvimento do nematódeo poderia dar pistas sobre como ocorre o desenvolvimento embrionário humano. Ambos focaram no timing do desenvolvimento, procurando mutações em organismos que mostravam anomalias nesse timing”, explicou.
“Assim, eles identificaram mutações curiosas em genes que não codificavam proteínas, mas sim RNA. “Isso desafiou o ‘dogma central’ da biologia molecular na época, de que um gene para ter função metabólica precisava necessariamente gerar uma proteína. Esse RNA, apesar de não dar origem à proteína, tinha funções no desenvolvimento. A partir daí, ambos juntaram evidências de que esses RNA serviam como reguladores da expressão de outros genes, esses sim codificantes de proteínas”, explicou Mori. Isso abriu uma nova área de estudo e começaram a ser descobertos vários micro-RNA reguladores, em várias espécies, inclusive humanos. Hoje, pouco mais de duas décadas depois da descoberta inicial, esses micro-RNA são potenciais alvos tanto para diagnóstico quanto para tratamento de diversas doenças.
Marcelo Mori compara o mecanismo a uma orquestra. “Imagine que os músicos instrumentistas são as proteínas. Mas para tocar a sinfonia é preciso um maestro, que ajusta volume, tom e detalhes finos. Quem orquestra as proteínas, qual delas será expressa e em que momento, são os RNA. Por isso, quando você não tem alguns RNA relevantes, o processo de desenvolvimento é alterado”.
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ABC/FOLHA DE S.PAULO, 7/10/2024
Nobel de Medicina 2024 vai para americanos pela descoberta dos micro RNAs
Leia matéria Reinaldo José Lopes para a Folha de S.Paulo, com comentário do professor da Unicamp Marcelo Mori, que foi membro afiliado da ABC 2017-2022.
ABC/ESTADÃO, 7/10/2024
Nobel de Medicina premia descoberta crucial para novas terapias contra câncer
Leia matéria de Roberta Jansen para o Estadão com comentários do membro afiliado da ABC Bruno Solano (2024-2028).
ABC/FOLHA DE S.PAULO, 4/10/2024
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As indicações tornadas públicas pela Fundação Nobel só vão até 1971 e incluem cinco membros da Academia Brasileira de Ciências. Confira na Folha de S. Paulo.