A história do biólogo Daniel Ardisson-Araújo, professor da Universidade de Brasília (UnB) e novo afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC), é uma mostra do potencial transformador da ciência como carreira. Nascido em Ceilândia, na periferia de Brasília, sua mãe trabalhava como empregada doméstica para conseguir custear uma formação em técnica de enfermagem. Por ser mãe solo, dona Jô precisou muito do apoio dos pais, Estelita e João, casal de retirantes da primeira geração de trabalhadores que chegou ao Distrito Federal para construir uma nova vida junto à nova capital.

Apesar de não terem estudo formal, os avós sempre foram referências de sabedoria e firmeza para Daniel. Em especial a avó, a quem chamava carinhosamente de ‘mãezona’, cuja profundidade no saber encantou o neto durante a vida inteira. “Ela se foi em 2022, por desdobramentos da covid-19, e com ela morreu o grande amor da minha vida. Ainda vivo um luto constante, mas esse ano consegui voltar à ativa e voltar a produzir ciência.”, lembra Daniel com pesar e saudade.

O pioneirismo dos avós seria uma característica herdada pelo neto. Daniel foi o primeiro da família a ingressar no ensino superior e a alcançar tudo que fora negado aos seus. Sua entrada inspiraria o irmão, Mozaniel, a seguir o mesmo caminho. Isso se deu em 2006, antes do acesso à universidade ser democratizado com as cotas, o que tornava tudo ainda mais difícil. O Acadêmico era um dos três alunos de sua classe vindos da periferia, entre os 35 totais.

As condições materiais escassas fomentaram nele uma sede de saber que nunca foi embora. O jovem Daniel era atormentado por perguntas que o seu entorno conseguia responder. Dentre tudo pelo que se interessava, tinha um gosto particular pela vida, sobretudo dos insetos e das plantas. Na escola os professores que conseguiam satisfazer um pouco dessa sede por conhecimento viravam modelos de referência. E assim escolheu cursar biologia na UnB.

Logo no primeiro semestre começou a fazer iniciação científica com o professor Bergmann Morais Ribeiro, que o acompanharia até o doutorado. Eles se conheceram nas aulas de citologia, disciplina que hoje Daniel leciona, e isso deu início a uma colaboração muito frutífera. “Ele foi certamente a pessoa mais importante para mim, teve uma posição de pai na minha formação”, conta com carinho sobre o orientador.

Junto a Bergmann, Daniel desenvolveu pesquisas envolvendo os genes e a evolução de diferentes tipos de vírus que habitam a microbiota de plantas e invertebrados, sobretudo insetos. Esse conhecimento tem muita aplicação na agricultura e na conservação, por exemplo, mas seu valor é inestimável por si só. “Fazer pesquisa básica é a minha grande paixão. Descrever genes e proteínas, entender funções no contexto de infecções. Procuro entender a diversidade e a evolução de vírus negligenciados, o que depois pode ter papel essencial na produção de alimentos”, explica o Acadêmico.

Cultivar um olhar analítico o ajuda muito na ciência e fora dela. Na vida pessoal, é uma pessoa de impulsos artísticos, se aventurando no universo das colagens analógicas, no crochê, no

pilates, na biodança e na discussão literária. Também é um apaixonado por psicanálise, voltando seu olhar atento para si próprio e para o auto-cuidado.

Ele considera a diplomação como afiliado da ABC a coroação de uma trajetória de superação dos limites sociais que lhe foram impostos, e compartilha essa vitória com sua família. “Caminhar na beirada do conhecimento, entre aquilo que a humanidade sabe e o que não sabe, é extremamente prazeroso e poderoso. É uma pulsão de vida inigualável. E o mais lindo é poder ensinar ciência. Eu sou feliz sendo professor e pesquisador”, reflete.