Quando Bruno Solano de Freitas Souza encontra amigos de infância que não via há tempos, eles geralmente não se surpreendem quando descobrem que virou cientista, pois sempre o viram assim, desde pequeno. Bruno nasceu no ano de 1985, na Bahia, e cresceu na cidade de Salvador, um pouco sozinho, a seu ver, por ser mais novo que os outros irmãos, primos e vizinhos. Isto fez com que explorasse a criatividade: gostava de animações, fantasia e ficção científica. “Eu criava histórias, brincadeiras e achava que seria escritor quando fosse mais velho. Aos dez anos, criei o ‘Jornal da Casa’, onde escrevia textos sobre o cotidiano da nossa família”, recordou. Ainda menino, se preocupava muito com grandes questões, como a natureza e a ecologia. No colégio, aprendia com facilidade.

O pai cardiologista e a mãe pneumologista pediátrica sempre garantiram oportunidades e exemplo aos quatro irmãos. Além da atuação clínica e assistencial, fizeram doutorado e foram professores da faculdade de medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Após a aposentadoria, continuaram atuando em educação médica em instituições privadas de ensino e Bruno diz que são uma grande inspiração para ele. O irmão mais velho e uma das irmãs fizeram medicina, a outra irmã cursou direito. Já Bruno, o temporão, conta que sempre foi muito questionador e queria saber o porquê de tudo. Isto o fazia sentir um pouco estranho em relação às pessoas da sua idade, que tinham outros interesses. E foi assim que, desde cedo, a ciência se apresentou a ele: como uma excelente forma de obter respostas. “Ciência também é doação e eu tive meus pais que me ensinaram sobre ética de trabalho, integridade, disciplina, paciência, persistência e dedicação para obtenção dos resultados almejados”, apontou o pesquisador.

Bruno reflete sobre o fato de os jovens terem que tomar uma decisão tão importante, como a escolha da carreira, quando ainda não têm maturidade para avaliar as possíveis repercussões das suas escolhas. “Então o critério vai de acordo com as disciplinas de que gostamos mais no colégio e foi um pouco assim comigo. Gostava de biologia e tinha clareza de que queria trabalhar com genética e biologia molecular”, relatou. Quando chegou o ano de fazer o vestibular, Bruno estava entre biologia, biomedicina ou medicina. Neste momento escutou pais, que o aconselharam a cursar medicina, argumentando que era uma área mais ampla, que abriria horizontes e que também lhe daria oportunidade em pesquisa científica, talvez com um olhar mais voltado para aplicação.

E assim ocorreu. Bruno entrou para a UFBA e logo no ciclo básico foi monitor de imunologia sob a orientação do Acadêmico Manoel Barral Neto. “Além da imunologia, algumas disciplinas do ciclo básico, como biologia molecular, ministrada pelo professor Gilberto Bomfim, e fisiologia, ministrada pela professora Luciana Oliveira, contribuíram enormemente para a minha formação e para os passos subsequentes na minha carreira”, relatou.  Também o marcaram durante a faculdade o professor que verdadeiramente queria lhe ensinar, como o neurologista Jamary Oliveira Filho, que despertou em Bruno certo fascínio pelas neurociências; aquele que estimulou seu olhar para a medicina baseada em evidências, Antônio Alberto Lopes; o que lhe ensinou o exame físico e o valor da propedêutica, no caso seu próprio pai, José Antonio de Almeida Souza. E houve um que nunca saiu da sua memória, Elsimar Coutinho, que contou sua trajetória profissional e disse: “Quer fazer ciência? Saia da Bahia…”. Isso despertou em Bruno um desejo de provar o contrário: que não é preciso sair da Bahia para fazer ciência de qualidade.

Bruno Solano foi um bom estudante ao longo da faculdade e se destacou sobretudo no internato. “Acredito que tinha algo diferente em mim: minha incapacidade, ao atender pacientes sem opções terapêuticas, de aceitar que não havia mais nada que se pudesse fazer. Desde então, sou um inconformado”. Recorda que diante de casos assim, sempre se voltava aos estudos sobre a doença, seus mecanismos e novas perspectivas de tratamento, mesmo que incipientes, descritas na literatura. “Se houvesse qualquer coisa que eu considerasse factível, eu levava para discussão com os residentes e preceptores. Quando não havia mais nada descrito na literatura a ser feito, eu ficava pensando sobre o que faltava para a medicina avançar para que aquele paciente pudesse ser curado ou beneficiado de alguma maneira”, conta. Solano percebia o abismo entre as descobertas científicas – terapia gênica, células-tronco, RNAi, engenharia de tecidos, por exemplo – e a realidade da prática médica. “De certo modo, sempre quis fazer esta ponte entre estes dois mundos tão diferentes. Acho que fiquei mais interessado na medicina do futuro do que na medicina do presente”, refletiu.

 Além da faculdade de medicina, o Acadêmico enfatizou seu período de iniciação científica (IC) na Fiocruz como um divisor de águas. “Assisti uma sessão científica da Sociedade de Cardiologia da Bahia em que o professor Ricardo Ribeiro dos Santos apresentou brilhantemente os dados relacionados à terapia com células-tronco na Doença de Chagas. Naquele momento, tive certeza de que era a linha de pesquisa em que eu gostaria de atuar”, contou Solano. Assim, conseguiu ingressar como bolsista de iniciação científica na Fiocruz-BA, no Laboratório de Engenharia Tecidual e Imunofarmacologia (LETI), um grupo pioneiro em terapias avançadas no Brasil, na época liderado pelos professores Ricardo e Milena Soares, que viriam se tornar seus mentores e orientadores no mestrado e doutorado.

Sua graduação coincidiu com a inauguração do Centro de Biotecnologia e Terapia Celular (CBTC) no Hospital São Rafael, sob a coordenação dos professores Ricardo e Milena. Bruno decidiu então continuar trabalhando com o grupo, colaborando com a implantação de um centro que se tornou referência na região Norte-Nordeste para desenvolvimento de terapias celulares de elevada complexidade. Bruno conta que a ideia de poder atuar em um centro como o CBTC o fascinava, pois abria a perspectiva de atuação como médico nos estudos clínicos, integrado na equipe médica do Hospital São Rafael, e ao mesmo tempo desenvolver pesquisa básica e translacional na área de medicina regenerativa. Foi aprovado para o mestrado de Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa (PGBSMI) da Fiocruz, no início de 2010, com o projeto “Terapia com células da medula óssea em modelo experimental de insuficiência hepática aguda”, com bolsa da Capes e orientação do professor Ricardo. Nesse período, participou como coautor de outros projetos envolvendo terapia celular, tanto experimentais quanto um estudo clínico envolvendo terapia celular em pacientes com lesões medulares crônicas.

Ainda no mestrado, foi convidado para atuar como pesquisador visitante no Ospedale San Raffaele, em Milão, como o professor Gianvito Martino, no Laboratório de Neuroimunologia, que desenvolve estudos em modelos experimentais de doenças neurológicas, incluindo esclerose múltipla, AVC e trauma raquimedular, com publicações de elevado impacto na área de terapia celular. “Meu objetivo com esta experiência na Itália era aprender técnicas de isolamento e cultivo de células-tronco neurais e células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCSs)”, relatou. Transferiu o aprendizado para seu grupo de pesquisa e essas técnicas foram aplicadas em diversos projetos.

Já em 2012, Bruno Solano foi aprovado em 1o lugar na seleção para doutorado da Pós-Graduação em Patologia Humana da Universidade Federal da Bahia/Fiocruz, sob a orientação da professora Milena. Neste projeto, o enfoque foi dado na miocardiopatia chagásica crônica como modelo experimental de fibrogênese e remodelamento cardíaco.

Hoje, Bruno Solano é pesquisador titular no Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-BA) e no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), onde lidera um laboratório especializado em terapia celular. Essa estrutura lhe permite, entre outras coisas, realizar pesquisas avançadas em tratamentos inovadores. “Minha pesquisa se concentra principalmente em três áreas: a biologia de células-tronco, com ênfase no uso dessas células para estudar e entender doenças neurológicas; a busca por biomarcadores e estudos genéticos para identificar características específicas de doenças; e o desenvolvimento de novas terapias, incluindo terapias celulares e gênicas, que prometem tratar condições de saúde até então sem solução”, explicou. Seu trabalho abrange tanto a pesquisa básica quanto a aplicada, buscando sempre aproximar os avanços científicos das necessidades clínicas reais.

Atualmente, Bruno Solano está trabalhando em colaboração com o Innovative Genomics Institute da Universidade da Califórnia, em Berkeley, no desenvolvimento de uma terapia genética para a anemia falciforme. Esse projeto inovador usa uma técnica de edição gênica, conhecida como CRISPR/Cas9, para corrigir geneticamente as células-tronco dos pacientes. “Tenho focado principalmente em inovações tecnológicas que permitam que esta tecnologia de edição gênica se torne mais simples e acessível a países como o Brasil.”

Sobre a ciência, de modo geral, o Acadêmico aprecia sua característica como ferramenta para mudar a vida das pessoas e contribuir para o progresso da humanidade. Mas também reflete sobre como é desconcertante pensar como as descobertas científicas podem ser utilizadas para a destruição, revendo os inúmeros exemplos históricos existentes. “Os avanços que a ciência trouxe reduziram a mortalidade, aumentaram a qualidade de vida e ampliaram a expectativa de vida; mas também, aliados ao sistema econômico predominante, aumentaram o nosso impacto sobre o planeta”, avalia. Ainda assim, Solano acredita que será através da ciência que que a humanidade irá solucionar estes e outros problemas. “Deposito muita confiança no poder que a ciência tem para transformar o mundo. E me sinto honrado de poder trabalhar com ciência, e tentar fazer minha parte buscando melhorar as condições de saúde da população”, destacou. O título de membro afiliado da ABC, inclusive, fortaleceu esse sentimento de honra e responsabilidade. “Para mim, esta nomeação vai além de um reconhecimento pessoal; representa uma oportunidade única de contribuir para o avanço da ciência em nosso país, especialmente valorizando e trazendo visibilidade para as contribuições científicas do Nordeste.”

Além da ciência, Bruno Solano é apaixonado por música. Já estudou canto e instrumentos, mas não levou adiante. “Gosto de música que faz o coração bater mais forte”, diz. Também tem grande interesse e facilidade para aprender novos idiomas, um hobby que combina com seu gosto por viajar e conhecer novas culturas. “Também amo andar de bicicleta e fazer stand up paddle. E acho que, para 90% das preocupações, tristezas e estresse, um bom banho de mar na Bahia resolve.”